quarta-feira, 9 de março de 2016

O contexto histórico dos séculos XVI- XVIII para compreensão da ação jesuítica na América Portuguesa


Não há dúvidas de que a ação jesuítica nas terras brasílicas foi de extrema importância, não somente para a história de Portugal, bem como para a história do Estado que dele se formaria: o Brasil.
Quando olha-se para trás, vê-se a fundamental contribuição destes religiosos, na formação cultural, espiritual, ética e moral do novo mundo descoberto. É claro que esta é a perspectiva do europeu, que via-se a si mesmo como o padrão humanista para todo o restante do globo terrestre.
O Eurocentrismo tem sua base ideológica no movimento cultural chamado Renascimento, que buscava reviver o classicismo Greco- romano, através da literatura, pinturas e artes como um todo. O europeu ocidental, era o homem “perfeito”, deveria ser admirado, contemplado, imitado. Este paradigma motivou os mesmos a espalharem pelo mundo, ainda que através da fé cristã, um estilo de vida bem particular.
O Renascimento surgiu no século XV e XVI e através do humanismo, buscou forjar a imagem do homem e de sua cultura em oposição às concepções teológicas medievais. Cabe ressaltar que não se tratava de um movimento não religioso, todavia pretendeu superar o teocentrismo. Aranha diz ( 2006, p. 124):
“O retorno às fontes da cultura greco-latina, sem intermediação dos comentadores medievais, foi um procedimento que visava também à secularização do saber “.
Todo o contexto histórico era propício à grandes mudanças sociais. A burguesia ascendia, novas tecnologias surgiam, os oceanos estavam sendo cruzados através de longas viagens marítimas. A própria Igreja católica vinha sofrendo cisões desde o século XVI, com a eleição de dois papas, um na França e outro em Roma. Bem como a disseminação e heresias e a criação da Inquisição. Tudo isso corroborou para as reformas que se sucederiam inevitavelmente. Sem falar das questões políticas e econômicas que  também enfraqueciam o poder do clero, graças aos embates enfrentados com a monarquia.
A base filosófica de tal ideologia ou paradigma alicerça-se sobre outro movimento, muito importante, que ficou conhecido como Iluminismo. Os iluministas eram pensadores que almejavam dissipar as “trevas” medievais da mente humana, trazendo a razão e assim, a evolução do homem. Sobre o ensino no período do Renascimento, Aranha diz (2006, p.125):

É impressionante o interesse pela educação no Renascimento- sobretudo se comparado com o manifestado na idade média- principalmente pela proliferação de colégios e manuais para alunos e professores. Educar  tornava-se questão de moda e uma exigência, conforme a nova concepção de ser humano.

Gadotti afirma que o ensino renascentista era exclusivista, visava a formação de poucos ( 2006, p. 62):

A educação renascentista preparou a formação do homem burguês. Daí a educação não chegar às massas populares. Caracterizava-se pelo elitismo, aristocratismo e individualismo liberal. Atingia principalmente o clero, a nobreza e a burguesia nascente.

Novos tempos, novos paradigmas e novas maneiras de interpretar o mundo. Até mesmo a concepção de infância é alterada. Crianças passam a ser separadas dos adultos, não aprenderiam apenas conhecimento científico, mas seriam formados moralmente. Vale ressaltar que inicialmente a secularização do humanismo fora bem teórico. Visto que a Igreja ainda implantava a maioria dos colégios. Contudo, vê-se na figura de Lutero, principal reformador da época, um embate pela laicização do ensino. Segundo Aranha ( 2006, p.127):
 “Lutero defendia a educação universal e pública, solicitando às autoridades oficiais que assumissem essa tarefa, por considerá-la competência do Estado”.
Desse modo, compreender-se-á a atuação jesuítica na América Portuguesa e sua reprodução cultural européia em terras brasílicas. A cópia de todo o aparato renascentista, humanista e iluminista de seu tempo.
Acerca do iluminismo deve-se ainda refletir. Ghiraldelli Jr ( 2006, p.26) caracteriza o iluminismo da seguinte forma :
“O iluminismo ou, mais exatamente, a ilustração, corresponde ao período do pensamento europeu caracterizado pela ênfase na experiência e na razão, pela desconfiança em relação à religião e às autoridades tradicionais, e pela emergência gradual do ideal de sociedades liberais, seculares, e democráticas “[...]

O autor segue citando  (p.27):

“[...] o iluminismo está associado a uma concepção materialista dos seres humanos, a um otimismo quanto ao seu progresso por meio da educação e uma perspectiva geral utilitária da sociedade e da ética. [...]
Não se deve pensar que o Iluminismo apenas influenciou sua época. Para José Calazans Falcon, o iluminismo permanece atual. Não foi apenas uma das causas da Revolução Francesa, também não deve ser reduzido a uma lista de nomes de grandes intelectuais. De acordo com Falcon (2009, p.6):
“Para o mundo de hoje o iluminismo é algo bastante presente, tanto que é capaz de produzir debates e tomadas de posições dos mais variados tipos.”
Desse modo, prefere-se compreender o iluminismo como a culminação de um processo, ou como um começo, iniciado com o renascimento e tendo em seu auge a revolução científica do século dezoito.
Sobre as ambiguidades do iluminismo, Falcon acrescenta( 2009,p. 17):

Sabemos que iluminismo tanto pode significar a doutrina dos que acreditam na “iluminação interior’ ou mística, a qual para os outros constituía uma espécie de manifestação irracionalista, quanto justo o oposto, iluminismo é sinônimo de filosofia das luzes, isto é, da chamada iluminação racional. Lembremos, só para exemplificar, que no setecentos luso, os textos utilizavam muito “luzes” e “iluminados” quando se referem às ideias que chamamos iluministas. Todavia, dependendo do contexto, “iluminados” eram também os místicos que, em Espanha, são conhecidos como “alumbrados.

Percebe-se de acordo com a citação acima que o termo iluminista tanto era usado com novo significado, luz da razão, como de modo místico, o mais tradicional, isto é, se referindo a temáticas espirituais.
Não somente isso é complexo em relação ao movimento das luzes, até mesmo os historiadores divergem quanto a data de seu surgimento, por exemplo. Não é fácil delimitar seu espaço- tempo. Alguns o associam com a revolução científica do século dezessete e ou à crise de consciência européia, século dezoito.
O que pode-se afirmar é que a enciclopéia é, por assim dizer, o símbolo do apogeu deste movimento, que se deu em 1740- 1770. Sendo a década de 60 conhecida como a primavera das luzes, visto que toda a Europa fora abraçada pelo mesmo.
Ainda sobre as divergências históricas sobre o iluminismo, Falcon ( 2009, p. 22) diz:

Os vinte anos que precedem a Revolução de 1789 marcam a etapa final do iluminismo. É a época em que se acirram os debates e mais do que nunca se aprofundam as divergências entre utopia e reforma. Para os historiadores do iluminismo em geral, a Revolução é o ponto final do movimento ilustrado. Mas trata-se de um problema ainda em aberto; continuidade e ruptura entre iluminismo e Revolução?

Portanto, resta ao leitor, a partir da contextualização do cenário ao qual se inseria esse missionário pedagogo, questionar sua ação. Aferir seus discursos, ponderar suas metodologias e averiguar suas consequências no ambiente onde atuaram.
Deve-se sim duvidar e questionar os discursos. Todavia, não cabe aos pesquisadores julgarem ou rotularem os missionários jesuítas como bons ou maus. Não é papel do historiador medir o passado com os olhos do presente.Agora, resta a análise dos fatos históricos para a melhor compreensão do que motivou a ação missionária na colônia portuguesa, bem como suas contribuições para a formação do povo brasileiro e para a educação aqui implantada.
Sendo assim, a História conta que os jesuítas chegaram ao novo mundo em 1545. Foram os responsáveis pela criação da primeira rede de ensino no país e pela construção de numerosas obras, que objetivavam integrar as culturas européias e indígenas. Sua atuação fora radical e imediata, visto que fora fundada por Inácio de Loiola em 1534, aprovada pelo Papa Paulo III, em 1540. Cinco anos depois,seus missionários já estavam em terras coloniais cooperando com a coroa portuguesa. Aranha (2006, p. 127) diz que
“A ordem estabelecia rígida disciplina militar e tinha como objetivo inicial a propagação missionária da fé, a luta contra os infiéis e os heréticos”
O Contexto de seu surgimento se deu em meio a disputas religiosas contra os luteranos, reformadores insatisfeitos com a estrutura eclesiástica católica. Os seguidores de Lutero ganhavam cada vez mais espaço na Europa, o que começou a preocupar a Igreja Católica. Essa, afim de recuperar o espaço perdido para os protestantes, lança o movimento de Contra reforma. Os Jesuítas surgem como combatentes da nova fé,que questionava a autoridade papal, as indulgências e o papel da igreja na sociedade. Portanto, o missionário jesuíta é a tentativa de reacender o catolicismo em declínio.
Segundo Gadotti ( 2006, p. 64) acerca dos movimentos religiosos que agitavam a Europa do século XVI:
“À reforma protestante, a igreja católica reagiu através do concílio de Trento (1545- 1563), [...], através da companhia de Jesus (1534), organizou a inquisição (1542) para combater o protestantismo e toda forma herética de doutrina cristã .
Os missionários Inacianos viram na educação e no ensino, sua principal ferramenta de combate ao protestantismo. Aranha ( 2006, p. 129) afirma que
“Os jesuítas tornaram-se famosos pelo empenho em institucionalizar o colégio como local por excelência de formação religiosa, intelectual e moral das crianças e jovens[...] .
Para alguns, os padres promoveram uma separação entre escola e vida. Eram excessivamente dogmáticos, autoritários e bem comprometidos com a Inquisição. Foram acusados  de enriquecer e de exercer poder político sobre os governos.
Ainda sobre a ação pedagógica dos padres,em comparação com o que já se percebia na Europa, Gadotti  ( 2006, p.65) afirma:
“A educação jesuíta encaminhou-se principalmente para a formação do homem burguês, descurando a formação das classes populares. Seu fundador, Inácio de Loyola, também era de família burguesa [...] .
Desse modo, percebe-se que os missionários transportaram a visão do mundo europeu para a colônia portuguesa. Isto é, assim como na Europa, os jesuítas, focaram seus esforços pedagógicos na elite branca católica. Geraram desse modo, um desnivelamento social. Ora, se observa-se um Brasil hoje com desigualdades de classes, seja na área econômica ou cultural, não resta dúvidas que a raiz disso tudo advém deste período. Gadotti ( 2006, p. 65) prossegue enfatizando:

Os jesuítas desprezaram a educação popular. Por força das circunstâncias tinham de atuar no mundo colonial em duas frentes: a formação burguesa dos dirigentes e a formação catética das populações indígenas. Isso significava: a ciência do governo para uns e a catequese e a servidão para outros. Para o povo sobrou apenas o ensino dos princípios da religião cristã.

Os Jesuítas atuaram em terras brasílicas por duzentos e dez anos, isto é, de 1545 à 1759. A língua portuguesa é falada no Brasil por causa de sua catequese aos indígenas e aos filhos dos colonos portugueses que para cá desciam. A fé católica é predominante nos dias atuais porque foram eles quem insistentemente discipularam os habitantes da América portuguesa quinhentista. Eles chegaram por aqui sob o governo de Tomé de Souza. Eram chefiados por Manoel de Nóbrega e José de Anchieta. Eram perspicazes, e se dedicaram mais arduamente ao ensino de índios mirins, visto que os mais velhos resistiam aos novos costumes. 
Nessa perspectiva os jesuítas eram ativos em sua missão, enquanto se fundava a cidade de Salvador, quinze dias depois de sua chegada, uma escola já funcionava. E onde quer que fundassem uma igreja, havia uma escola. De modo que da Bahia para o Sul, São Vicente, sob o assim denominado Apóstolo da Educação, Manoel Nóbrega, o ensino religioso católico ia se espalhando.
Os Jesuítas criavam aldeamentos, que eram comunidades indígenas, distantes dos brancos, para facilitar sua atuação.Também visavam transformar o índio em agricultor e mão de obra produtiva. Todavia, o indígena era nômade, não tinha o hábito de permanecer muito tempo alojado em um mesmo lugar. Combatiam os costumes nativos, como poligamia e antropofagismo, e impunham as virtudes cristãs através da formação intelectual e dos ritos católicos. Tinham uma metodologia bem específica para ensinar a moral cristã. Utilizavam música, teatro, formavam compêndios, tudo para facilitar a aprendizagem dos curumins. Segundo Aranha ( 2006, p. 131):

[...] O antropólogo brasileiro Luiz Felipe Baêta Neves, a propósito da catequese dos indígenas, comenta que a companhia de Jesus foi fundada para difundir a Palavra, especialmente para povos que não a conheciam. Dirigiam-se a homens que não são, portanto, iguais a si, e quer transformá-los para incorporá-los a cristandade [...] A catequese é, então, um esforço para acentuar a semelhança e apagar as diferenças [...]

Divide-se a história da ação jesuítica na colônia portuguesa em pelo menos duas fases. A heróica, de 1549-1570, que é a catequese propriamente dita. E a fase de consolidação, de 1570 – 1759, em que ocorre a expansão do ensino secundário nos colégios. Após isso, ocorre o que ficou conhecido como Reformas pombalinas, de 1759- 1808, em que o ensino passou a ser público e secular. E então, de 1808 – 1822, vê-se o que os historiadores chamam de período Joanino.
Ghiraldelli Jr (2006,p.24), em História da educação brasileira, também divide o ensino colonial em fases. Segundo ele o Brasil foi colônia de Portugal de 1500 a 1822. O autor citado acima:

A educação escolar no período colonial, ou seja, a educação regular e mais ou menos institucional de tal época, teve três fases: a de predomínio dos jesuítas, a das reformas do Marquês de Pombal, principalmente a partir da expulsão dos jesuítas do Brasil e de Portugal em 1759, e a do período em que D. João II, então rei de Portugal, trouxe a corte para o Brasil (1808- 1821)

Cabe agora o questionamento: o que levou Portugal a fazer tão grande empreendimento em terras tão longínquas? Aranha ( 2006, p.139)  diz que
[...] a colonização resultou da necessidade de expansão comercial da burguesia enriquecida com a revolução comercial[...]
É importante dizer que Portugal não acompanhou o desenvolvimento comercial de outros países europeus como França e Inglaterra. Seu atraso se deu porque esteve ocupado e atrelado aos interesses reais e não mercantis. Além do que conservou uma mentalidade medieval e extremamente católica. Por isso, retardou a implantação do capitalismo, recriminando o lucro através da cobrança de juros. Enquanto ao sistema de colonização, limitou-se a exploração do pau- brasil ao invés de metais preciosos. Bem como perseverou em extrair a cana-de açúcar, investindo em latifúndio, monocultura e escravismo. Tudo isso fez com que os demais países passassem bem na frente de Portugal na disputa pela hegemonia econômica mundial.E qual era o papel dos religiosos enviados da Metrópole para a colônia portuguesa? Aranha ( 2006, p. 139) diz:
[...] As metrópoles européias enviavam religiosos para o trabalho missionário e pedagógico, com a finalidade principal de converter o gentio e impedir que os colonos se desviassem da fé católica [...]
O padre assumia assim um papel de muita importância na sociedade colonial. Ele era, por assim dizer, a massa de ligação, entre os moradores do novo mundo com os portugueses vindos da Metrópole, bem como preservava os costumes lusitanos e cristãos. O Padre era o freio moral para uns, e o instrumento aculturador para outros. Sua atuação, de forma sutil ou não, cooperava e muito com os interesses da coroa. Aranha  ( 2006, p.139) diz que
[...] A atividade missionária facilitava sobremaneira a dominação metropolitana e nessas circunstancias, a educação assumia papel de agente colonizador
Mais uma vez, percebe-se o quanto a educação é capaz de transformar o meio e aqueles que lhe pertencem.  Não se quer dizer com isso que a atuação jesuítica fora apenas benéfica. Pretende-se apenas fomentar a idéia de muitos pensadores da educação sobre o poder aculturador do ensino. Neste caso, o ensino religioso através da catequese jesuítica no Brasil colônia.
O Padre, é portanto, um agente externo que traz consigo, sob a premissa de uma missão divina, a de “ide por todo mundo e pregai o evangelho a toda criatura”, segundo as palavras de Jesus de Nazaré no Evangelho que escreveu Mateus, todo um código que é imposto de cima para baixo aos índios que aqui viviam. Não somente os nativos indígenas sofreram a ação educadora cristã dos padres jesuítas, os negros africanos também estavam sob o mesmo regimento. Aranha  ( 2006, p.141) escreve:

[...] O sociólogo brasileiro contemporâneo Gilberto Freyre, na obra Casa- grande e Senzala, diz que os primeiros missionários substituíam as ‘cantigas lascivas”, entoadas pelos índios, por hinos à virgem e cantos devotos, condenavam a poligamia, pregando a forma cristã de casamento. Dessa maneira, começaram a abalar o sistema comunal primitivo.

As missões foram bem sucedidas no aspecto em que se percebeu uma mudança no comportamento do índio. Isto é, seus espaços geográficos, família e horários foram alterados progressivamente. Questões de descanso e trabalho também mudaram. Sem falar do poder sobre seus corpos, como a higiene e a sexualidade. Arruda Aranha ( 2006, p. 144) diz:

Pela atuação constante até o século XVIII, não só entre os nativos, mas sobretudo na sociedade colonial, podemos dizer que os jesuítas imprimiram de modo marcante o ideário católico na concepção de mundo dos brasileiros e consequentemente  introduziram a tradição religiosa de ensino que perdurou até a República “.

Os duzentos e dez anos de atuação pedagógica jesuítica possibilitaram a “uniformização” da cultura, através do abafamento das diferenças. Educação conservadora e cristã, ministrada basicamente pela mesma companhia por dois séculos, resultou o que hoje chama-se povo brasileiro. Que se deu com a mistura de povos, credos e costumes, juntamente com o poder transformador da catequese católica, sob a supervisão quase militar dos Inacianos.
Agora, sobre a rigorosidade Inaciana. Segundo os missionários católicos, muitas indecências e imoralidades eram observadas entre os nativos. Eles tinham o novo mundo como um paraíso sem gerência. Logo, lançaram seus olhares sobre aquilo que consideravam o principal objeto do pecado na colônia: o corpo nu do indígena. Portanto, o empreendimento colonial necessitava de uma mutação no comportamento moral dos nativos.
Muitas interpretações foram feitas acerca da nudez dos índios, alguns a viam com inocência e símbolo da pobreza em que viviam, outros a viam como pecado. Segundo Priore (2011, p 17):

Vesti-lo era afastá-lo do mal e do pecado. O corpo nu era conhecido como foco de problemas duramente combatidos pela igreja nesses tempos: a luxúria, a lascívia, os pecados da carne. Afinal, como se queixava o padre Anchieta, além de andar peladas, as indígenas não se negavam a ninguém.

Logo, começou-se a entregar aos índios, peças de roupas. Pode-se, portanto, como diz  Oliveira (2011, p 45), dizer sobre o cristianismo:

Na história do cristianismo, as referências ao corpo aparecem como uma variável constante. Todavia, elas não assumem um caráter uniforme, pois ora o corpo é elemento de salvação- o de Cristo- ora pode levar a danação, se sobre ele não se estabelecer uma constante vigilância e por vezes, um menosprezo e um desapego.

Todavia, o que mais se observava na colônia era exatamente o uso do corpo com liberdade por parte dos nativos.  A igreja teve de esforçar-se e muito para reverter os costumes indígenas. Para Oliveira ( 2011, p. 67-68):
[...] a corporização da santidade foi expressão de diversas apropriações do sagrado e um elemento a reforçar a ordem social vigente, que procurou aproximar os fiéis de um Cristo concreto e com isso colocá-los diante da orientação e da submissão à Igreja. Tal se constituiu em uma instituição fundamental da formulação e veiculação de valores socioculturais e políticos conformadores de uma sociedade escravista e excludente. Ou seja, corpo santo, sociedade santificada, defesa da ordem e do respeito à Igreja.

Para exemplificar melhor os modelos de moralidade e conduta, a Igreja usou os santos católicos para doutrinar os índios. Pode-se dizer que tais santos serviam para tornar a santidade onipresente. Foram muito importantes no processo aculturador.
Assim, como diria Souza (2009, p 95):
[...] conforme se iniciou a ação dos soldados de Cristo, passaram a existir índios e índios, e índios conversos, sujeitando-se estes a Deus, e aqueles ao diabo [...]
É claro que as reações foram as mais diversas no que diz respeito a ação missionária a partir dos nativos. Não se deve imaginar que todos aceitaram pacificamente as imposições católicas. Como diria Márcia Amantino (2011, p 22) sobre os grupos de índios existentes na colônia:

O primeiro seria dos mansos, pacíficos e que aceitaram a catequese e o posterior aldeamento. Viviam no litoral, perto dos aglomerados coloniais. Exerciam atividades ligadas ao trabalho e prestavam serviço à sociedade. Geralmente eram identificados com os Tupis. Também havia aqueles que viviam no interior, longe do litoral, nos sertões. Eram os tapuias, identificados como grupos hostis, que não aceitavam aproximações com os colonos, a catequese e o aldeamento e muito menos o trabalho nas fazendas. Entre uns e outros, a inimizade e as guerras. Todavia, os conflitos também ocorriam no interior de cada um dos grupos.

Outro fato histórico que não se pode negligenciar nessa obra, e que demonstra o abuso do poder por parte dos missionários, é o extermínio dos índios que não se adaptavam à vida “proposta” pelos padres inacianos.
Assim sendo, e talvez por conta disso, o lado sombrio e obscurantista prevaleceu na historiografia da educação e do ensino no Brasil. Como se sabe, muitas críticas foram feitas ao militares de Cristo, que vieram a serviço da coroa lusitana, a fim de recuperar território religioso, bem como beneficiar os cofres do rei de Portugal. O fato é que deve-se ponderar toda a ação pedagógica destes religiosos na América portuguesa, separando aquilo que hoje considera-se bom e ruim, a partir da nova ótica educacional.

Autor : Frankcimarks Oliveira,
Historiador e especialista em ciência das Religiões.






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