Não há dúvidas de que a
ação jesuítica nas terras brasílicas foi de extrema importância, não somente para
a história de Portugal, bem como para a história do Estado que dele se formaria:
o Brasil.
Quando olha-se para
trás, vê-se a fundamental contribuição destes religiosos, na formação cultural,
espiritual, ética e moral do novo mundo descoberto. É claro que esta é a
perspectiva do europeu, que via-se a si mesmo como o padrão humanista para todo
o restante do globo terrestre.
O Eurocentrismo tem sua
base ideológica no movimento cultural chamado Renascimento, que buscava reviver
o classicismo Greco- romano, através da literatura, pinturas e artes como um
todo. O europeu ocidental, era o homem “perfeito”, deveria ser admirado,
contemplado, imitado. Este paradigma motivou os mesmos a espalharem pelo mundo,
ainda que através da fé cristã, um estilo de vida bem particular.
O Renascimento surgiu
no século XV e XVI e através do humanismo, buscou forjar a imagem do homem e de
sua cultura em oposição às concepções teológicas medievais. Cabe ressaltar que
não se tratava de um movimento não religioso, todavia pretendeu superar o
teocentrismo. Aranha diz ( 2006, p. 124):
“O retorno às fontes da
cultura greco-latina, sem intermediação dos comentadores medievais, foi um
procedimento que visava também à secularização do saber “.
Todo o contexto
histórico era propício à grandes mudanças sociais. A burguesia ascendia, novas
tecnologias surgiam, os oceanos estavam sendo cruzados através de longas
viagens marítimas. A própria Igreja católica vinha sofrendo cisões desde o
século XVI, com a eleição de dois papas, um na França e outro em Roma. Bem como
a disseminação e heresias e a criação da Inquisição. Tudo isso corroborou para
as reformas que se sucederiam inevitavelmente. Sem falar das questões políticas
e econômicas que também enfraqueciam o
poder do clero, graças aos embates enfrentados com a monarquia.
A
base filosófica de tal ideologia ou paradigma alicerça-se sobre outro movimento,
muito importante, que ficou conhecido como Iluminismo. Os iluministas eram
pensadores que almejavam dissipar as “trevas” medievais da mente humana,
trazendo a razão e assim, a evolução do homem. Sobre o ensino no período do Renascimento,
Aranha diz (2006, p.125):
É
impressionante o interesse pela educação no Renascimento- sobretudo se
comparado com o manifestado na idade média- principalmente pela proliferação de
colégios e manuais para alunos e professores. Educar tornava-se questão de moda e uma exigência,
conforme a nova concepção de ser humano.
Gadotti
afirma que o ensino renascentista era exclusivista, visava a formação de poucos
( 2006, p. 62):
A
educação renascentista preparou a formação do homem burguês. Daí a educação não
chegar às massas populares. Caracterizava-se pelo elitismo, aristocratismo e
individualismo liberal. Atingia principalmente o clero, a nobreza e a burguesia
nascente.
Novos tempos, novos
paradigmas e novas maneiras de interpretar o mundo. Até mesmo a concepção de
infância é alterada. Crianças passam a ser separadas dos adultos, não
aprenderiam apenas conhecimento científico, mas seriam formados moralmente.
Vale ressaltar que inicialmente a secularização do humanismo fora bem teórico.
Visto que a Igreja ainda implantava a maioria dos colégios. Contudo, vê-se na
figura de Lutero, principal reformador da época, um embate pela laicização do ensino.
Segundo Aranha ( 2006, p.127):
“Lutero defendia a educação universal e
pública, solicitando às autoridades oficiais que assumissem essa tarefa, por
considerá-la competência do Estado”.
Desse modo,
compreender-se-á a atuação jesuítica na América Portuguesa e sua reprodução
cultural européia em terras brasílicas. A cópia de todo o aparato
renascentista, humanista e iluminista de seu tempo.
Acerca
do iluminismo deve-se ainda refletir. Ghiraldelli Jr ( 2006, p.26) caracteriza
o iluminismo da seguinte forma :
“O
iluminismo ou, mais exatamente, a ilustração, corresponde ao período do
pensamento europeu caracterizado pela ênfase na experiência e na razão, pela
desconfiança em relação à religião e às autoridades tradicionais, e pela
emergência gradual do ideal de sociedades liberais, seculares, e democráticas
“[...]
O autor segue
citando (p.27):
“[...] o iluminismo
está associado a uma concepção materialista dos seres humanos, a um otimismo
quanto ao seu progresso por meio da educação e uma perspectiva geral utilitária
da sociedade e da ética. [...]
Não se deve pensar que
o Iluminismo apenas influenciou sua época. Para José Calazans Falcon, o
iluminismo permanece atual. Não foi apenas uma das causas da Revolução
Francesa, também não deve ser reduzido a uma lista de nomes de grandes
intelectuais. De acordo com Falcon (2009, p.6):
“Para o mundo de hoje o
iluminismo é algo bastante presente, tanto que é capaz de produzir debates e
tomadas de posições dos mais variados tipos.”
Desse
modo, prefere-se compreender o iluminismo como a culminação de um processo, ou
como um começo, iniciado com o renascimento e tendo em seu auge a revolução científica
do século dezoito.
Sobre
as ambiguidades do iluminismo, Falcon acrescenta( 2009,p. 17):
Sabemos
que iluminismo tanto pode significar a doutrina dos que acreditam na
“iluminação interior’ ou mística, a qual para os outros constituía uma espécie
de manifestação irracionalista, quanto justo o oposto, iluminismo é sinônimo de
filosofia das luzes, isto é, da chamada iluminação racional. Lembremos, só para
exemplificar, que no setecentos luso, os textos utilizavam muito “luzes” e
“iluminados” quando se referem às ideias que chamamos iluministas. Todavia,
dependendo do contexto, “iluminados” eram também os místicos que, em Espanha,
são conhecidos como “alumbrados.
Percebe-se de acordo
com a citação acima que o termo iluminista tanto era usado com novo
significado, luz da razão, como de modo místico, o mais tradicional, isto é, se
referindo a temáticas espirituais.
Não somente isso é
complexo em relação ao movimento das luzes, até mesmo os historiadores divergem
quanto a data de seu surgimento, por exemplo. Não é fácil delimitar seu espaço-
tempo. Alguns o associam com a revolução científica do século dezessete e ou à
crise de consciência européia, século dezoito.
O que pode-se afirmar é
que a enciclopéia é, por assim dizer, o símbolo do apogeu deste movimento, que
se deu em 1740- 1770. Sendo a década de 60 conhecida como a primavera das luzes,
visto que toda a Europa fora abraçada pelo mesmo.
Ainda sobre as
divergências históricas sobre o iluminismo, Falcon ( 2009, p. 22) diz:
Os
vinte anos que precedem a Revolução de 1789 marcam a etapa final do iluminismo.
É a época em que se acirram os debates e mais do que nunca se aprofundam as
divergências entre utopia e reforma. Para os historiadores do iluminismo em
geral, a Revolução é o ponto final do movimento ilustrado. Mas trata-se de um
problema ainda em aberto; continuidade e ruptura entre iluminismo e Revolução?
Portanto, resta ao
leitor, a partir da contextualização do cenário ao qual se inseria esse
missionário pedagogo, questionar sua ação. Aferir seus discursos, ponderar suas
metodologias e averiguar suas consequências no ambiente onde atuaram.
Deve-se sim duvidar e
questionar os discursos. Todavia, não cabe aos pesquisadores julgarem ou
rotularem os missionários jesuítas como bons ou maus. Não é papel do
historiador medir o passado com os olhos do presente.Agora, resta a análise dos
fatos históricos para a melhor compreensão do que motivou a ação missionária na
colônia portuguesa, bem como suas contribuições para a formação do povo
brasileiro e para a educação aqui implantada.
Sendo assim, a História
conta que os jesuítas chegaram ao novo mundo em 1545. Foram os responsáveis
pela criação da primeira rede de ensino no país e pela construção de numerosas obras,
que objetivavam integrar as culturas européias e indígenas. Sua atuação fora
radical e imediata, visto que fora fundada por Inácio de Loiola em 1534,
aprovada pelo Papa Paulo III, em 1540. Cinco anos depois,seus missionários já
estavam em terras coloniais cooperando com a coroa portuguesa. Aranha (2006, p.
127) diz que
“A ordem estabelecia
rígida disciplina militar e tinha como objetivo inicial a propagação
missionária da fé, a luta contra os infiéis e os heréticos”
O Contexto de seu
surgimento se deu em meio a disputas religiosas contra os luteranos, reformadores
insatisfeitos com a estrutura eclesiástica católica. Os seguidores de Lutero
ganhavam cada vez mais espaço na Europa, o que começou a preocupar a Igreja
Católica. Essa, afim de recuperar o espaço perdido para os protestantes, lança
o movimento de Contra reforma. Os Jesuítas surgem como combatentes da nova fé,que
questionava a autoridade papal, as indulgências e o papel da igreja na sociedade.
Portanto, o missionário jesuíta é a tentativa de reacender o catolicismo em
declínio.
Segundo Gadotti ( 2006,
p. 64) acerca dos movimentos religiosos que agitavam a Europa do século XVI:
“À reforma protestante,
a igreja católica reagiu através do concílio de Trento (1545- 1563), [...],
através da companhia de Jesus (1534), organizou a inquisição (1542) para
combater o protestantismo e toda forma herética de doutrina cristã .
Os missionários
Inacianos viram na educação e no ensino, sua principal ferramenta de combate ao
protestantismo. Aranha ( 2006, p. 129) afirma que
“Os jesuítas
tornaram-se famosos pelo empenho em institucionalizar o colégio como local por
excelência de formação religiosa, intelectual e moral das crianças e
jovens[...] .
Para alguns, os padres
promoveram uma separação entre escola e vida. Eram excessivamente dogmáticos,
autoritários e bem comprometidos com a Inquisição. Foram acusados de enriquecer e de exercer poder político
sobre os governos.
Ainda sobre a ação
pedagógica dos padres,em comparação com o que já se percebia na Europa, Gadotti
( 2006, p.65) afirma:
“A educação jesuíta
encaminhou-se principalmente para a formação do homem burguês, descurando a
formação das classes populares. Seu fundador, Inácio de Loyola, também era de
família burguesa [...] .
Desse
modo, percebe-se que os missionários transportaram a visão do mundo europeu
para a colônia portuguesa. Isto é, assim como na Europa, os jesuítas, focaram seus
esforços pedagógicos na elite branca católica. Geraram desse modo, um
desnivelamento social. Ora, se observa-se um Brasil hoje com desigualdades de
classes, seja na área econômica ou cultural, não resta dúvidas que a raiz disso
tudo advém deste período. Gadotti ( 2006, p. 65) prossegue enfatizando:
Os
jesuítas desprezaram a educação popular. Por força das circunstâncias tinham de
atuar no mundo colonial em duas frentes: a formação burguesa dos dirigentes e a
formação catética das populações indígenas. Isso significava: a ciência do
governo para uns e a catequese e a servidão para outros. Para o povo sobrou
apenas o ensino dos princípios da religião cristã.
Os Jesuítas atuaram em
terras brasílicas por duzentos e dez anos, isto é, de 1545 à 1759. A língua
portuguesa é falada no Brasil por causa de sua catequese aos indígenas e aos
filhos dos colonos portugueses que para cá desciam. A fé católica é predominante
nos dias atuais porque foram eles quem insistentemente discipularam os
habitantes da América portuguesa quinhentista. Eles chegaram por aqui sob o governo
de Tomé de Souza. Eram chefiados por Manoel de Nóbrega e José de Anchieta. Eram
perspicazes, e se dedicaram mais arduamente ao ensino de índios mirins, visto
que os mais velhos resistiam aos novos costumes.
Nessa perspectiva os
jesuítas eram ativos em sua missão, enquanto se fundava a cidade de Salvador,
quinze dias depois de sua chegada, uma escola já funcionava. E onde quer que
fundassem uma igreja, havia uma escola. De modo que da Bahia para o Sul, São
Vicente, sob o assim denominado Apóstolo da Educação, Manoel Nóbrega, o ensino religioso
católico ia se espalhando.
Os
Jesuítas criavam aldeamentos, que eram comunidades indígenas, distantes dos
brancos, para facilitar sua atuação.Também visavam transformar o índio em
agricultor e mão de obra produtiva. Todavia, o indígena era nômade, não tinha o
hábito de permanecer muito tempo alojado em um mesmo lugar. Combatiam os
costumes nativos, como poligamia e antropofagismo, e impunham as virtudes
cristãs através da formação intelectual e dos ritos católicos. Tinham uma
metodologia bem específica para ensinar a moral cristã. Utilizavam música,
teatro, formavam compêndios, tudo para facilitar a aprendizagem dos curumins.
Segundo Aranha ( 2006, p. 131):
[...]
O antropólogo brasileiro Luiz Felipe Baêta Neves, a propósito da catequese dos indígenas,
comenta que a companhia de Jesus foi fundada para difundir a Palavra,
especialmente para povos que não a conheciam. Dirigiam-se a homens que não são,
portanto, iguais a si, e quer transformá-los para incorporá-los a cristandade
[...] A catequese é, então, um esforço para acentuar a semelhança e apagar as
diferenças [...]
Divide-se a história da
ação jesuítica na colônia portuguesa em pelo menos duas fases. A heróica, de
1549-1570, que é a catequese propriamente dita. E a fase de consolidação, de
1570 – 1759, em que ocorre a expansão do ensino secundário nos colégios. Após
isso, ocorre o que ficou conhecido como Reformas pombalinas, de 1759- 1808, em
que o ensino passou a ser público e secular. E então, de 1808 – 1822, vê-se o
que os historiadores chamam de período Joanino.
Ghiraldelli
Jr (2006,p.24), em História da educação brasileira, também divide o ensino
colonial em fases. Segundo ele o Brasil foi colônia de Portugal de 1500 a 1822.
O autor citado acima:
A
educação escolar no período colonial, ou seja, a educação regular e mais ou
menos institucional de tal época, teve três fases: a de predomínio dos
jesuítas, a das reformas do Marquês de Pombal, principalmente a partir da
expulsão dos jesuítas do Brasil e de Portugal em 1759, e a do período em que D.
João II, então rei de Portugal, trouxe a corte para o Brasil (1808- 1821)
Cabe agora o questionamento:
o que levou Portugal a fazer tão grande empreendimento em terras tão longínquas?
Aranha ( 2006, p.139) diz que
[...] a colonização
resultou da necessidade de expansão comercial da burguesia enriquecida com a
revolução comercial[...]
É importante dizer que Portugal
não acompanhou o desenvolvimento comercial de outros países europeus como
França e Inglaterra. Seu atraso se deu porque esteve ocupado e atrelado aos
interesses reais e não mercantis. Além do que conservou uma mentalidade
medieval e extremamente católica. Por isso, retardou a implantação do capitalismo,
recriminando o lucro através da cobrança de juros. Enquanto ao sistema de
colonização, limitou-se a exploração do pau- brasil ao invés de metais
preciosos. Bem como perseverou em extrair a cana-de açúcar, investindo em
latifúndio, monocultura e escravismo. Tudo isso fez com que os demais países
passassem bem na frente de Portugal na disputa pela hegemonia econômica
mundial.E qual era o papel dos religiosos enviados da Metrópole para a colônia portuguesa?
Aranha ( 2006, p. 139) diz:
[...] As metrópoles européias
enviavam religiosos para o trabalho missionário e pedagógico, com a finalidade
principal de converter o gentio e impedir que os colonos se desviassem da fé
católica [...]
O padre assumia assim
um papel de muita importância na sociedade colonial. Ele era, por assim dizer,
a massa de ligação, entre os moradores do novo mundo com os portugueses vindos
da Metrópole, bem como preservava os costumes lusitanos e cristãos. O Padre era
o freio moral para uns, e o instrumento aculturador para outros. Sua atuação,
de forma sutil ou não, cooperava e muito com os interesses da coroa. Aranha ( 2006, p.139) diz que
[...] A atividade
missionária facilitava sobremaneira a dominação metropolitana e nessas circunstancias,
a educação assumia papel de agente colonizador
Mais uma vez, percebe-se
o quanto a educação é capaz de transformar o meio e aqueles que lhe
pertencem. Não se quer dizer com isso
que a atuação jesuítica fora apenas benéfica. Pretende-se apenas fomentar a idéia
de muitos pensadores da educação sobre o poder aculturador do ensino. Neste
caso, o ensino religioso através da catequese jesuítica no Brasil colônia.
O
Padre, é portanto, um agente externo que traz consigo, sob a premissa de uma
missão divina, a de “ide por todo mundo e pregai o evangelho a toda criatura”,
segundo as palavras de Jesus de Nazaré no Evangelho que escreveu Mateus, todo
um código que é imposto de cima para baixo aos índios que aqui viviam. Não
somente os nativos indígenas sofreram a ação educadora cristã dos padres jesuítas,
os negros africanos também estavam sob o mesmo regimento. Aranha ( 2006, p.141) escreve:
[...]
O sociólogo brasileiro contemporâneo Gilberto Freyre, na obra Casa- grande e
Senzala, diz que os primeiros missionários substituíam as ‘cantigas lascivas”,
entoadas pelos índios, por hinos à virgem e cantos devotos, condenavam a
poligamia, pregando a forma cristã de casamento. Dessa maneira, começaram a
abalar o sistema comunal primitivo.
As
missões foram bem sucedidas no aspecto em que se percebeu uma mudança no
comportamento do índio. Isto é, seus espaços geográficos, família e horários
foram alterados progressivamente. Questões de descanso e trabalho também
mudaram. Sem falar do poder sobre seus corpos, como a higiene e a sexualidade.
Arruda Aranha ( 2006, p. 144) diz:
Pela
atuação constante até o século XVIII, não só entre os nativos, mas sobretudo na
sociedade colonial, podemos dizer que os jesuítas imprimiram de modo marcante o
ideário católico na concepção de mundo dos brasileiros e consequentemente introduziram a tradição religiosa de ensino
que perdurou até a República “.
Os duzentos e dez anos
de atuação pedagógica jesuítica possibilitaram a “uniformização” da cultura,
através do abafamento das diferenças. Educação conservadora e cristã,
ministrada basicamente pela mesma companhia por dois séculos, resultou o que
hoje chama-se povo brasileiro. Que se deu com a mistura de povos, credos e
costumes, juntamente com o poder transformador da catequese católica, sob a supervisão
quase militar dos Inacianos.
Agora, sobre a rigorosidade
Inaciana. Segundo os missionários católicos, muitas indecências e imoralidades
eram observadas entre os nativos. Eles tinham o novo mundo como um paraíso sem
gerência. Logo, lançaram seus olhares sobre aquilo que consideravam o principal
objeto do pecado na colônia: o corpo nu do indígena. Portanto, o empreendimento
colonial necessitava de uma mutação no comportamento moral dos nativos.
Muitas
interpretações foram feitas acerca da nudez dos índios, alguns a viam com
inocência e símbolo da pobreza em que viviam, outros a viam como pecado.
Segundo Priore (2011, p 17):
Vesti-lo
era afastá-lo do mal e do pecado. O corpo nu era conhecido como foco de
problemas duramente combatidos pela igreja nesses tempos: a luxúria, a
lascívia, os pecados da carne. Afinal, como se queixava o padre Anchieta, além
de andar peladas, as indígenas não se negavam a ninguém.
Logo,
começou-se a entregar aos índios, peças de roupas. Pode-se, portanto, como diz Oliveira (2011, p 45), dizer sobre o cristianismo:
Na
história do cristianismo, as referências ao corpo aparecem como uma variável
constante. Todavia, elas não assumem um caráter uniforme, pois ora o corpo é
elemento de salvação- o de Cristo- ora pode levar a danação, se sobre ele não
se estabelecer uma constante vigilância e por vezes, um menosprezo e um
desapego.
Todavia,
o que mais se observava na colônia era exatamente o uso do corpo com liberdade
por parte dos nativos. A igreja teve de
esforçar-se e muito para reverter os costumes indígenas. Para Oliveira ( 2011,
p. 67-68):
[...]
a corporização da santidade foi expressão de diversas apropriações do sagrado e
um elemento a reforçar a ordem social vigente, que procurou aproximar os fiéis
de um Cristo concreto e com isso colocá-los diante da orientação e da submissão
à Igreja. Tal se constituiu em uma instituição fundamental da formulação e
veiculação de valores socioculturais e políticos conformadores de uma sociedade
escravista e excludente. Ou seja, corpo santo, sociedade santificada, defesa da
ordem e do respeito à Igreja.
Para exemplificar
melhor os modelos de moralidade e conduta, a Igreja usou os santos católicos
para doutrinar os índios. Pode-se dizer que tais santos serviam para tornar a
santidade onipresente. Foram muito importantes no processo aculturador.
Assim, como diria Souza
(2009, p 95):
[...] conforme se
iniciou a ação dos soldados de Cristo, passaram a existir índios e índios, e
índios conversos, sujeitando-se estes a Deus, e aqueles ao diabo [...]
É
claro que as reações foram as mais diversas no que diz respeito a ação
missionária a partir dos nativos. Não se deve imaginar que todos aceitaram
pacificamente as imposições católicas. Como diria Márcia Amantino (2011,
p 22) sobre os grupos de índios existentes na colônia:
O
primeiro seria dos mansos, pacíficos e que aceitaram a catequese e o posterior
aldeamento. Viviam no litoral, perto dos aglomerados coloniais. Exerciam
atividades ligadas ao trabalho e prestavam serviço à sociedade. Geralmente eram
identificados com os Tupis. Também havia aqueles que viviam no interior, longe
do litoral, nos sertões. Eram os tapuias, identificados como grupos hostis, que
não aceitavam aproximações com os colonos, a catequese e o aldeamento e muito
menos o trabalho nas fazendas. Entre uns e outros, a inimizade e as guerras.
Todavia, os conflitos também ocorriam no interior de cada um dos grupos.
Outro fato histórico
que não se pode negligenciar nessa obra, e que demonstra o abuso do poder por
parte dos missionários, é o extermínio dos índios que não se adaptavam à vida
“proposta” pelos padres inacianos.
Assim sendo, e talvez
por conta disso, o lado sombrio e obscurantista prevaleceu na historiografia da
educação e do ensino no Brasil. Como se sabe, muitas críticas foram feitas ao
militares de Cristo, que vieram a serviço da coroa lusitana, a fim de recuperar
território religioso, bem como beneficiar os cofres do rei de Portugal. O fato
é que deve-se ponderar toda a ação pedagógica destes religiosos na América
portuguesa, separando aquilo que hoje considera-se bom e ruim, a partir da nova
ótica educacional.
Autor : Frankcimarks Oliveira,
Historiador e especialista em ciência das Religiões.
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