quarta-feira, 9 de março de 2016

O conceito de cultura: reflexão sobre o poder aculturador no ensino, sobre os discursos acerca do nativo e as práticas aculturadoras


É sobre cultura, escola e ensino que o educador deve focar seu olhar para compreender seu papel como pedagogo e mestre na vida e em sala de aula. Romanelli em“História da educação no Brasil”, ( 1999, p.20): discute o conceito de cultura. :

[...] cultura é muito mais do que aquilo que a escola transmite e até muito mais do que aquilo que as sociedades determinam como valores a serem preservados através da educação. Podemos afirmar com Max Scheler que cultura é humanização. E humanização aqui, tanto se refere ao processo que nos faz homens, quanto ao fato de que bens culturais também se humanizam. A história do homem, como história da cultura, é assim, o processo de transformação do mundo e simultaneamente do homem.

            A autora prossegue (1999, p.20)
 [...] cultura se define como algo muito mais abrangente do que o simples resultado da ação intelectual do homem; ela é o próprio modo de ser humano, o mundo próprio do homem
Desse modo não há neste globo, Homem algum que não seja dotado de uma cultura, visto que cultura não tem a ver apenas com intelectualidade. Não se fala aqui sobre ser culto ou educado. Todavia, pretende-se mesclar esse conceito moderno de cultura com a atuação pedagógica dos missionários jesuítas em terras brasílicas, a fim de refletir sobre as ações impensadas, muitas vezes, de educadores que negligenciam as culturas locais de seu alunado. Nesse caso, sobre a disciplina do ensino religioso propriamente dito, a maneira como cada criança apreende o divino ou a manifestação de sua religiosidade não deve ser esquecida pelo profissional educador.        
Romanelli ( 1999, p.21), ainda sobre o conceito de cultura, diz:

[...] a cultura está intimamente ligada a uma situação concreta e objetiva: ela se faz num tempo e num espaço determinados. Ela não é independente das circunstâncias. Ela tem uma razão de ser em função dessas circunstâncias criadoras. Fora delas, a cultura desenraiza-se e tende a cair no mero formalismo ritual, vazio de conteúdo. É o que ocorre muitas vezes com o processo de aculturação.

Ainda sobre cultura, Caldas ( 2008, p.13) em Conceito de cultura afirma:

[...] Originalmente, essa expressão vem do latim – colere- e significa cultivar. Com os romanos, na antiguidade, a palavra cultura foi usada pela primeira vez no sentido de destacar a educação aprimorada de uma pessoa, seu interesse pelas artes, pela ciência, pela filosofia, enfim, por tudo aquilo que o homem vem produzindo ao longo da história. Nesse aspecto, a abrangência do termo tornou-se, de lá até nossos dias, cada vez maior, sendo aplicado nas mais diversas situações, ou seja, para o plantio de um produto agrícola, o cultivo da pesca, a criação de animais etc., até o trabalho científico podemos aplicar ao termo cultura.

O autor citado acima (2008,p.13)  continua desenvolvendo o conceito de cultura e recorre ao dicionário da língua portuguesa, de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, que diz:

[...] cultura é: o complexo dos padrões de comportamento, das crenças, das instituições e doutros valores espirituais e materiais transmitidos coletivamente e característicos de uma sociedade; civilização: cultura ocidental; a cultura dos esquimós.

E para fazer um contraste com o termo acima citado, Caldas ( 2008, P.14) utiliza o conceito do antropólogo Clifford Geertz, que segundo ele é mais complexo e elaborado:

“[...] a cultura é mais bem vista não como complexos padrões concretos de comportamento – costumes, usos, tradições, feixes de hábitos- como tem sido o caso até agora, mas como um conjunto de mecanismos de controle- planos, receitas, regras, instruções (o que os engenheiros da computação chamam “programas”) - para governar o comportamento”.

Assim sendo, nenhum povo, atrasado ou desenvolvido, agirá da mesma forma, diz o autor. Ele exemplifica esse fato através do monoteísmo, que pode até tornar-se semelhantes as sociedades. Todavia, a maneira que esse deus será cultuado em cada cultura será diferente. Em outros casos, um mesmo povo pode apresentar diversas representações culturais, como é o caso da Índia. Do mesmo modo o Brasil apresenta características populares diversas, de região para região, ainda que todos se unam através de um mesmo idioma, língua portuguesa e pela fé católica apostólica romana.

Caldas ( 2008, p. 16) também apresenta cultura como um meio de manutenção da sociedade:

O fato significativo, no entanto, é sabermos que jamais encontraremos duas comunidades com culturas iguais. É preciso notar que a sociedade é formada por um contingente organizado de pessoas, regidas pelo mesmo conjunto de normas e leis, que de alguma forma aprenderam a viver e a trabalhar juntas para a própria manutenção dessa sociedade. [...]

Agora, reflita sobre a ação da catequese jesuítica. Ela é a imposição de uma outra cultura, avessa e estranha aos costumes dos nativos. Ela não respeitou as circunstâncias as quais os índios estavam acostumados. Sua geografia, seus hábitos, crenças e comportamentos. Sim, pois sabe-se que uma cultura pode ser enriquecida pelo simples contato com outra, como ocorre em trocas comerciais em níveis de igualdade. Todavia, também o aniquilamento de uma cultura pode ocorrer através da dominação e subjugação de uma civilização sobre a outra, como foi o caso dos Dórios sobre os Espartanos.
Sobre a catequese jesuítica na América Portuguesa, Romanelli ( 1999, p.21) diz:

No colonialismo, iniciado na idade moderna, as trocas culturais se fizeram das mais diversas formas. No que toca o novo mundo, elas foram aniquiladoras das culturas indígenas [...] o que ocorreu foi uma transferência pura e simples dos padrões culturais europeus para as terras das Américas [...]

            Percebe-se, portanto, que os europeus estavam em um nível de desigualdade em relação aos nativos americanos no que se refere a recursos intelectuais. Por isso é considerada injusta sua atuação sobre os indígenas. Sobre isso a autora afirma (1999, p.22) :

O que ocorreu na ocasião da colonização das terras americanas foi um transplante de recursos materiais e humanos de uma sociedade, cuja cultura já havia atingido um alto nível de complexidade, para um meio que não oferecia condições de troca em pé de igualdade. [...]

Desse modo pode-se inferir de maneira análoga, o papel do educador. Ele deve avaliar o nível de complexidade cultural de seus educandos, respeitando suas limitações. Quando se trabalha com o fenômeno religioso, deve-se evitar o proselitismo e o conceito de verdade absoluta. Assim, cada indivíduo poderá por conta própria chegar a suas próprias conclusões. O que ocorreu com os padres Jesuítas, é que motivados pela fé e pelos interesses econômicos da coroa, acabaram “desrespeitando“os limites culturais dos índios a quem “educavam”. Lembre-se que nesse período vigorava as ideias de que o europeu era o homem modelo, através humanismo e eurocentrismo. Portanto, esses padres, como filhos de seu tempo, agiram de acordo com sua época.

O que facilitou a instalação do pensamento católico em terras coloniais? Segundo Romanelli ( 1999, p.33) foi o modo de vida patriarcal:
Foi a família patriarcal que favoreceu, pela natural receptividade, a importação de formas de pensamento e idéias dominantes na cultura medieval européia, feita através da obra dos jesuítas [...]
Sabe-se que muitos portugueses vieram nas missões para povoar as novas terras “descobertas. “Os colonos contribuíram e muito para o estabelecimento da cultura européia em terras americanas. Claro que houve mesclas de culturas, miscigenação de povos e de crenças, todavia o que prevaleceu sem sombra de dúvidas, foi a cultura branca, cristã e européia. Romanelli diz (1999, P 34):
O ensino que os padres jesuítas ministravam era completamente alheio à realidade da vida na colônia[...]
Ora, já fora dito que de início os primeiros missionários eram bem tolerantes com alguns dos comportamentos nativos. Porém, sua presença na colônia também servia para monitorar e zelar pela moral dos colonos. Desse modo, tanto buscavam mudar a cultura local, como preservar a de seus compatriotas. A melhor maneira de perpetuar as idéias cristãs católicas seria através do ensino. Os padres Jesuítas ofereciam educação elementar para índios e brancos, salvo as mulheres. Educação média para classe dominante e superior apenas para os sacerdotes. Logo, sobre o principal objetivo da ordem dos inacianos, Romanelli ( 1999, p. 34) diz:
Não se pode perder de vista, evidentemente, os objetivos práticos da ação jesuítica no novo mundo: o recrutamento de fiéis e servidores [...] A catequese assegurou a conversão da população indígena e foi levada a cabo mediante a criação de escolas elementares para os cumirins e de núcleos missionários no interior das nações indígenas [...]

Assim, fica claro como a educação pode moldar toda uma estrutura social, alterando até mesmo uma cultura, dependendo de seu nível de complexidade. Tome por base os nativos americanos que aqui viviam. Eles já estavam nessas terras há centenas de anos, viviam sob o mesmo sol dos europeus, todavia com outros costumes, crenças e comportamentos. Portugal chega a essas terras em 1500; a colonização perdura até 1822, sendo que a catequese jesuítica atuou por cerca de duzentos e dez anos. Isso fora suficiente para suplantar toda uma história que simplesmente fora “apagada” e substituída por outra. Com certeza, os padres obtiveram êxito. Segundo Ghiraldelli ( 2006, p. 25):
O plano de estudos do Padre Manoel de Nóbrega continha o ensino do português, a doutrina cristã e a escola de ler e escrever [...] .
Com esses métodos, os missionários da companhia de Jesus conseguiram transformar índios pagãos em “cristãos”. Ghiraldelli ( 2006, p.26)  prossegue:

Os colégios jesuítas tiveram grande influência sobre a sociedade e sobre a elite brasileira. Não foram muitos, diante das necessidades da população. Todavia, foram suficientes para gerar uma relação de respeito entre os que eram donos das terras e os que eram donos das almas.Quando os jesuítas foram expulsos de Portugal, e portanto, de suas colônias, em 1759, tínhamos em nosso país mais de cem estabelecimentos de ensino. Considerando os colégios, as residências, as missões, os seminários e as escolas de ler e escrever, sob administração direta dos jesuítas.

Ainda sobre a análise dos aspectos culturais de um povo, seus níveis de complexidade e sua interação ou diálogo com outros povos, deve-se notar ou reforçar que, ou ambas as culturas são enriquecidas, ou uma delas será prejudicada. Deve-se também perceber, como no caso das missões jesuíticas, o discurso legitimador das práticas de sujeição e dominação sobre outras culturas.  Neste caso, a evangelização cristã, em prol da alma pecadora, ignorante do Deus judaico-cristão, do paraíso, do inferno e de tudo que diz respeito as coisas espirituais. Sobre essa premissa, os missionários adentraram nas caravelas lusitanas afim de ganhar almas para o reino dos Céus, ainda que os interesses do reino português também não fossem desconsiderados. Portanto, a análise que agora se fará é sobre o nativo visto sob a ótica do europeu cristão.
Analisar-se-á os discursos acerca dos indígenas do novo mundo. Ora, eles são vistos como maus, seres sem alma e portanto não são como os seus dominadores. Outra hora, são vistos como bons, puros e exóticos, revelando o contraste com seus “algozes”.
Silvia Duschatzky e Carlos Skliar, em “O nome dos outros. Narrando a alteridade na cultura e na educação”, fazem uma observação interessante sobre o tratamento dado àqueles que são diferentes dos demais grupos sociais. Neste caso o outro como estranho é o nativo indígena, sob a ótica lusitana.
 O nativo como fonte do mal. Pode-se dizer que o simples fato de os missionários imporem seus costumes sobre os índios, implique que consideravam seu estilo de vida como inadequado ou ruim. Segundo os autores( 2001, p.121) :
[...] não é só na eliminação física que se realiza o ato expulsor. Essa é sua face mais óbvia, mas não a única [...] A própria civilização desloca a violência externa à coação interna, mediante a regulação de leis, costumes e moralidades[...]
Foi exatamente o que a catequese proporcionou aos índios que aqui residiam. Ela suplantou ao longo de dois séculos todos os costumes, as crenças, o modo de ver o mundo e de produzir para sobrevivência. O europeu trouxe consigo um novo código de ética, completamente estranho àqueles homens “primitivos”. Uma nova moral foi ensinada aos cumirins, gerando assim conflitos entre as gerações antigas e novas. Não somente isso, mas o jesuíta, como emblema do homem branco europeu, letrado, religioso, põe-se como centro da vida social em colônia, visto que não somente os índios agora orbitam em sua volta, bem como os colonos portugueses, devem seguir à risca os dogmas e tradições católicas, para o bem comum de todos, diziam os padres.
Sobre colocar-se como centro nas relações sociais, os autores (2001, p.123) dizem:

[...] o centro expulsa suas ansiedades, contradições e irracionalidades sobre o termo subordinado, levando-o com as antíteses de sua própria identidade. O outro simplesmente reflete e representa aquilo que é profundamente familiar ao centro[...]

Como já fora dito anteriormente, a catequese jesuítica teve como principal objetivo “igualar” as culturas, abrandando o nativo, fazendo-o mão de obra. Apagar as diferenças, abafar as discrepâncias e “nivelar” os homens. Se bem que com a prática, os padres perceberam que seria mais proveitoso investir nos colonos da elite burguesa.
Desse modo, através de teatro, música e diversos meios educacionais, os missionários criavam um estereótipo para fixar as identidades. Assim, o outro é inventado, descrito e estabelecido. Portanto, conclui-se que o estereótipo é uma invenção discursiva opressora. Ela é, por assim dizer, uma ferramenta de controle social.
Quando os estereótipos são criados, e quando são taxados de bons e maus, certo e errado pela cultura dominante, resta ao termo subordinado esvaziar-se de sua identidade. Duschatzky e Skliar afirmam ( 2001, p.124):
A alteridade, para poder fazer parte da diversidade cultural bem entendida e aceitável, deve despir-se, des-racionalizar-se, des-sexualizar-se, despir-se de suas marcas de identidade, deve em outras palavras, ser como os demais.
Desse modo os contrastes são estabelecidos e a necessidade do outro também. É o que os autores chamam de efeito binário. Segundo os autores acima (2001, p.124):

[...] Necessitamos do outro, mesmo que assumindo certo risco, pois de outra forma não teríamos como justificar o que somos, nossas leis e instituições, as regras, a ética, a moral, a estética de nossos discursos e práticas. Necessitamos do outro, para em síntese, poder nomear a barbárie, a heresia, a mendicidade etc. e para não sermos nós mesmos os bárbaros, hereges e mendigos.

Entende-se que não é de forma ingênua que nem os jesuítas,  nem qualquer outra instituição atue em relação ao outro, ainda que o faça com o discurso salvacionista. A alteridade é enquadrada para reafirmar a superioridade do discursante, nesse caso o padre jesuíta. Assim, o índio, exótico,  diferente do euroupeu, ‘confirma” sua razão, por seus atos parecerem desvaneios. Sua selvageria “confirma” a civilidade do branco. E assim por diante.
Não é em vão que a fala dos padres acerca dos nativos é em sua maioria depreciativa. O diferente é o depósito de todos os males, o portador das falhas sociais. Assim como o judeu foi considerado pelos alemães a causa de sua corrosão, os nativos eram vistos como seres que deveriam ser melhorados, moldados, transformados. Isso não revela a inferioridade do índio, apenas demonstra a visão orgulhosa que o branco tinha de si.
Percebe-se então, através desse binarismo, a fabricação de discursos de normalidade por parte dos missionários da companhia de Jesus, uma ação legitimadora para as práticas de exploração. Por serem superiores e por estarem incumbidos de uma missão divina, os padres não estavam errados por agirem de tal maneira, pensavam eles. Para os mesmos autores citados (2001, P. 125):

A América latina sabe desses binarismos. A conquista a partir da visão europeia vem inaugurar antagonismos essenciais: de um lado a mão redentora dos conquistadores que traz modernidade e progresso; do outro, a brutalidade dos índios.

Portanto, é de extrema importância a análise dos discursos feitos acerca do outro. Nunca são inocentes. Estão carregados de ideologias e interesses políticos. No texto “Marcos para uma história do pensamento antropológico”, François Laplantine      ( 1996) trabalha exatamente sobre a elaboração destes discursos acerca dos habitantes do novo mundo.O autor analisa as produções literárias feitas por Las Casas e Sepulvera, um dominicano e um jurista, respectivamente, no século XVI.
Ambos trabalharão o conceito paradoxo entre civilizado e selvagem. Para Las Casas, o nativo é organizado e inteligente. Chega a dizer que os nativos superam os europeus em alguns aspectos, no momento evolutivo em que viviam. Já Sepulvera dizia que a razão e a força física se opunham. Assim sendo, os índios, detentores da força, deveriam servir aos brancos, detentores da razão e do conhecimento.
De acordo com Las Casas e sua defesa dos nativos americanos, Laplatine ( 1996, p. 38-39) escreve :
Aqueles que pretendem que os índios são bárbaros, responderemos que essas pessoas tem aldeias, vilas, cidades, reis, senhores e uma ordem política que, em alguns reinos, é melhor que a nossa (...) esses povos igualavam ou até superavam muitas nações e uma ordem política que, em alguns reinos, é melhor que a nossa. (...) Igualavam-se aos gregos e romanos, e até em alguns de seus costumes, os superavam. Eles superavam também a Inglaterra, a França, e algumas de nossas regiões da Espanha. (...) Pois a maioria dessas nações do mundo, senão todas, foram muito mais pervetidas, irracionais e depravadas, e deram mostra de muito menos prudência e sagacidade em sua forma de se governarem e exercerem as virtudes morais. Nós mesmos fomos piores, no tempo de nossos ancestrais e sobre toda a extensão de nossa Espanha, pela barbárie de nosso modo de vida e pela depravação de nossos costumes.

Já o argumento do Jurista Sepulvera é o oposto deste anterior, na obra do mesmo autor citado acima (1996, p.39):
Aqueles que superam os outros em prudência e razão, mesmo que não sejam superiores em força física, aqueles são, por natureza, os senhores; ao contrário, porém, os preguiçosos, os espíritos lentos, mesmo que tendo as forças físicas para cumprir todas as tarefas necessárias, são por natureza servos. E é justo e útil que sejam servos, e vemos isso sancionado pela própria lei divina. Tais são as nações bárbaras e desumanas, estranhas à vida civil e aos costumes pacíficos. E será sempre justo e conforme o direito natural que essas pessoas estejam submetidas ao império de príncipes e de nações mais cultas e humanas, de modo que, graças à virtude destas e prudência de suas leis, eles abandonem a barbárie e se conformem a uma vida mais humana e ao culto da virtude. E se eles recusarem esse império, pode-se impô-lo pelo meio das armas e essa guerra será justa, bem como declara o direito natural que os homens honrados, inteligentes, virtuosos e humanos dominem aqueles que não tem essas virtudes.

O contraste entre esses dois discursos é evidente. Sepulvera frisa bastante a questão da humanidade. Para ele, os índios são quase considerados outra coisa que não homens. Havia um debate se os índios possuíam almas e se a salvação de Cristo lhes dizia respeito. Esse debate girou em torno de conceitos religiosos e de costumes civilizados. Perceba a binarismo: bom - mau, selvagem- civilizado, bárbaro- helenista, primitivo- desenvolvido, animal- homem.
Laplantine  (1996, p.41) escreve sobre o conceito de mau selvagem:

Assim, não acreditando em Deus, não tendo alma, não tendo acesso à linguagem, sendo assustadoramente feio e alimentando-se como um animal, o selvagem é apreendido nos modos de um bestiário. E esse discurso sobre a alteridade, que recorre constantemente a metáfora zoológica, abre o grande leque das ausências: sem moral, sem religião, sem lei escrita, sem Estado, sem consciência, sem razão, sem objetivo, sem arte, sem passado, sem futuro. Cornelius de Paw acrescentará até, no século XVIII; “Sem barba, sem sobrancelhas, sem pelos, sem espírito, sem ardor para com sua fêmea.

Todos esses discursos que inferiorizavam o americano nativo tinham como principal objetivo afirmar a superioridade do branco europeu.  Este em sua grandeza ainda teve a “generosidade” de propagar sua fé e fazer com que seres tão brutais e animalescos se tornassem melhores, pensavam eles. Laplantine ( 1996, p. 41-42):
É a grande glória e a honra de nossos  reis e dos espanhóis, escreve Gomara em sua História geral dos índios, ter feito aceitar aos índios um único Deus, uma única fé e um único batismo e ter tirado deles a idolatria, os sacrifícios humanos, o canibalismo, a sodomia, e ainda outras grandes e maus pecados, que nosso bom Deus detesta e pune. Da mesma forma, tiramos deles a poligamia, velho costume e prazer de todos esses homens sensuais, mostrando-lhes o alfabeto sem o qual os homens são como animais e o uso do ferro que é tão necessário ao homem. Também lhes mostramos vários bons hábitos, artes, costumes policiados para poder melhor viver. Tudo isso- e até cada uma dessas coisas- vale mais que as penas, as pérolas, o ouro que tomamos deles, ainda mais porque não utilizavam esses metais como moeda.

O discurso europeu se baseia na moralidade cristã ocidental da época. Para Gomara, os brancos estavam fazendo um grande favor aos índios, ainda que os explorando, visto que ele mesmo admite que seus costumes ensinados valiam muito mais que o ouro e as pérolas preciosas que os mesmos tomaram dos nativos.
Gomara é só um dentre muitos que tinham esse mesmo discurso pejorativo acerca dos índios americanos. De Pauw, por exemplo, sobre os índios norte-americanos, diz que estes são degenerados, e atribui isso a qualidade do clima. Citando Laplantine (1996, p.43):

Eles tem, prossegue Pauw, um “temperamento tão úmido quanto o ar e a terra onde vegetam” e que explica que eles não tenham nenhum desejo sexual. Em suma, são “infelizes que suportam todo o peso da vida agreste na escuridão das florestas, parecem mais animais do que vegetais. [...]

Para Pauw os nativos eram inúteis, irracionais e improdutivos. Essa literatura do século dezoito é fruto de ideias de séculos anteriores e que influenciaram sem sombra de dúvida a forma de pensar em períodos posteriores. Como é o caso de Rousseau em o Discurso sobre a desigualdade, também no século XVIII e Hegel em Introdução a Filosofia da História, no século XIX. Laplantine faz a citação (1996, p.45):

Na leitura dessa Introdução, a América do Sul parece mais estúpida ainda do que a do Norte. A Ásia aparentemente não está muito melhor. Mais é a África, e em especial a África profunda do interior, onde a civilização nessa época não penetrou, que representa para o filósofo a forma mais nitidamente inferior entre todas nessa infra-humanidade.

Hegel considerava os índios estúpidos e achava que os negros eram os piores da raça humana. Hegel os tinha como nada. Na obra de Laplantine se observa (1996, p.45):

Tudo, na África, é nitidamente visto sob o signo da falta absoluta:‘os negros” não respeitam nada, nem mesmo eles próprios, já que comem carne humana e fazem comércio da ‘carne’ de seus próximos. Vivendo em uma ferocidade bestial inconsciente de si mesma, em uma selvageria em estado bruto, eles não tem moral, nem instituições sociais, religião ou Estado. Petrificados em uma desordem inexorável, nada, nem mesmo as forças da colonização, poderá nunca preencher o fosso que os separa da história universal da humanidade.

É importante o conhecimento dessa literatura para a compreensão da mentalidade da época e das motivações que a mesma carregava. Do mesmo modo, Hegel acaba por legitimar através de sua Filosofia a colonização desses povos por parte de seus semelhantes, os brancos europeus, que segundo ele mesmo, em tudo eram superiores ao resto do mundo. Explorar aquilo que Hegel dizia não poder ser comparado nem mesmo a um vegetal, não teria problema algum.
No século XX o nativo passou a ser visto de maneira romântica. Isto é, ele deixara de ser o mau selvagem para se tornar sua antítese, o bom selvagem.‘O Selvagem não é quem pensamos”. Aqueles que outrora eram vistos como animais, passam a serem vistos como doces habitantes de um paraíso perdido. É importante a compreensão destes discursos em seus tempos históricos, pois assim entende-se as motivações e legitimações dos missionários jesuítas no século XVI na América Portuguesa. Suas ações estavam de acordo com a produção epistemológica de seu tempo. Desse modo, somos fruto e filhos de nossa época. Portanto, analisar os discursos produzidos sobre o outro, isto é, sobre a alteridade é de extrema importância para o educador que lida diariamente que as mais diversas classes de pessoas. Do mesmo modo, saber transmitir esses fatos aos educandos é de extrema valia, visto que o preconceito com o diferente é uma produção humana.
Laplatine ( 1996, p.46) escreve sobre a mudança de discurso acerca dos nativos:

A figura de uma natureza má na qual vegeta um selvagem embrutecido é eminentemente suscetível de se transformar em seu oposto: a da boa natureza dispensando suas benfeitorias à um selvagem feliz. Os termos da atribuição permanecem, como veremos, rigorosamente idênticos, da mesma forma que o par constituído pelo sujeito do discurso (o civilizado) e seu objeto (o natural). Mas efetua-se dessa vez a inversão daquilo que era apreendido como um vazio que se torna um cheio (ou plenitude), daquilo que era apreendido como um menos que se torna mais. O caráter privativo dessas sociedades sem escrita, sem tecnologia, sem economia, sem religião organizada, sem clero, sem sacerdotes, sem polícia, sem leis, sem Estado- acrescentar-se-á no século XX sem complexo de Édipo- não constitui uma desvantagem. O selvagem não é quem pensamos.

Apela-se agora para a ingenuidade do índio, porém a representação de sua figura ainda é a de exótica. Assim, desde depois do Renascimento, o nativo é um ser exótico, que anda nu, que vive livre de normas e leis. De uma forma romântica Cristovão Colombo registrou ( 1996,  P. 47):
Eles são muito mansos, e ignorantes do que é mau, eles não sabem se matar uns aos outros (...) Eu não penso que haja no mundo homens melhores, como também não há terra melhor.
Esse discurso fora usados posteriormente para enfatizar a maldade do europeu, o mau civilizado. No século XVI a temática da crueldade fora abordada para se referir aos naturais. Todavia, tanto Léry como Montaigne vão representar os europeus como sendo ainda mais selvagens que os nativos. Afinal, eles rompem com aquela paz paradisíaca dos índios, além do que roubaram todas as suas riquezas. O sistema de colonialismo é de exploração. Foi nesse contexto que os missionários jesuítas estavam inseridos. E como se viu ao longo de todo este trabalho, eles foram de extrema importância para o sucesso do empreendimento português.
Mesmo nos séculos XVII e XVIII, vê-se a constatação dos próprios Jesuítas sobre os índios. Diz o autor ( 1996, P. 48).
Eles são afáveis, liberais, moderados. Todos os nossos padres que frequentavam os selvagens consideraram que a vida se passa mais docemente entre eles do que entre nós. Seu ideal:“viver em comum sem processo, contentar-se de pouco sem avareza, ser assíduo no trabalho.

Percebe-se uma mudança gigantesca nos discursos sobre os nativos, ou é dada uma ênfase, antes não dada, a textos que romantizavam os índios. Talvez motivada por uma desilusão com o dito moderno, civilizado, que agora procurava na simplicidade da vida primitiva, um sentido para a vida. O mesmo autor citado acima (1996, P 50):

[...] A decepção ligada aos “benefícios do progresso (nos quais muitos entre nós acreditam cada vez menos) bem como a solidão e o anonimato do nosso ambiente de vida, fazem com que parte de nossos sonhos só se aspirem a se projetar nesse paraíso perdido dos trópicos ou dos mares do sul, que o ocidente teria substituído pelo inferno da sociedade tecnológica.

Perceba que sempre a história ou os discursos históricos são feitos pelo europeu.  Outrora, em pleno renascer da cultura latina, ele era o modelo clássico de ser humano, o padrão por excelência. Isto lhe dava o direito de explorar o mundo, impor suas regras e sua cultura “superior”. Com o passar do tempo, este mesmo europeu, ou   uma parte deles, escreve cheio de desilusão acerca de si mesmo. Olha para aquele que achava estranho, exótico e diferente, que em seus pensamentos preconceituosos, não possuíam nem mesmo uma alma, agora se tornaram exemplos a serem seguidos.
Os tempos mudam os discursos e abalam as verdades outrora produzidas pelos pensadores. Resumidamente Laplatine  ( 1996, p. 51) descreve:
A imagem que o ocidental se fez da alteridade (e correlativamente de si mesmo) não parou, portanto, de oscilar entre os pólos de um verdadeiro movimento pendular.
Ora, o nativo era um monstro, um animal com figura humana. Ora os ocidentais eram esse monstro e tinham muito o que aprender com estes nativos; Ora os índios eram descritos como infelizes e miseráveis, ou eram representados como quem vive em harmonia e plenitude com a natureza, diferente do ocidental que vivia sob a duras tarefas da indústria. Ora o índio era descrito como trabalhador, ora como preguiçoso.Ou não tinha alma nem deus ou era extremamente religioso. Era bonito ou feio. O que se pode extrair desses discursos é o que Laplantine ( 1996, p. 52) diz:

Tais são as diferentes construções (nas quais a repulsão se transforma rapidamente em fascínio) dessa alteridade fantasmática que não tem muita relação com a realidade. O outro- o índio, o taitiano, mas recentemente o basco ou o bretão – é simplesmente utilizado como suporte imaginário cujo lugar de referência nunca é a América. Taiti, o pais Basco ou a Bretanha. São objetos-pretextos que podem ser mobilizados tanto com vistas à exploração econômica, quanto ao militarismo político, à conversão religiosa ou à emoção estética. Mas em todos os casos, o outro não é considerado para si mesmo. Mal se olha para ele. Olha-se para si mesmo nele.

Assim a História, sempre repetitiva, mostra que o outro, o diferente, é enquadrado, taxado, rotulado por uma maioria, não sem intenções bem definidas. A cultura européias e sobrepôs sobre as demais naquilo que disse sobre os outros e que indiretamente acabou dizendo de si mesma.

Autor : Frankcimarks Conceição de Oliveira,
 Historiador e especialista em ciência das religiões.

Educação religiosa feita pelos missionários da Companhia de Jesus na colônia portuguesa e sua expulsão


Muito se escreveu sobre os métodos pedagógicos dos missionários da companhia de Jesus. Sua atuação intensa, de fato, deu uma nova identidade à gente que morava aqui. Portanto, o educador deve compreender sua atuação e perceber o poder que possui. Deve também analisar os métodos que utiliza, e então enxergar a melhor maneira de lecionar. Na história do ensino religioso, notou-se o abuso do poder, de acordo com a maior parte das fontes, e o uso da imposição dogmática, sem respeitar as peculiaridades das culturas, julgando-as como” carnais e diabólicas”, sob a ótica judaico-cristã.
Existe, portanto, uma predominância historiográfica quando se trata da ação jesuíta, em avaliá-la de modo negativo, como já mencionado. Seu principal crítico é o português ilustre Luís Antônio Verncy, autor de “O verdadeiro método de estudar, 1746.”  O missionário da companhia de Jesus é visto como um vilão, agente da coroa portuguesa, associada a Igreja Católica. Ele é encarado como mal porque violenta a vontade indígena, fere sua cultura e acima de tudo o explora como mão de obra barata. A ação desses educadores passa a ser questionada por seus próprios membros, que vêem na proliferação de suas escolas, o abuso da parte de alguns padres.
O problema se dá pelo tratamento diferenciado dado pelos jesuítas aos habitantes da colônia. Os colonos recebiam melhor assistência do que os índios, o que acabou gerando uma divisão entre aldeias e povoados. Isso passou a ocorrer a partir da segunda leva de missionários enviados à América portuguesa em 1560. Por isso se diz que a primeira comissão missionária era mais benevolente com os pagãos. Esse fato só reforça a vilania atribuída aos jesuítas com o passar do tempo e sua fama de injustos. Inclusive, em questões culturais, a primeira leva era considerada mais tolerante com os costumes nativos, permitindo até mesmo uma mistura de ritos e melhor aceitação destes. Tanto que se diz que os aldeamentos eram uma boa forma de explorar os nativos, aculturá-los e amansá-los. Todavia, também se diz que estes aldeamentos eram refúgio para índios fujões, que temiam os brancos portugueses. Portanto, conclui-se que a figura do jesuíta é controversa na História. Ora, ele é demonstrado como associado aos interesses políticos de Portugal, ora, ele é símbolo de acolhimento e amor cristão.
Uma coisa não se pode negar: a história da educação no Brasil é dividida em tuas etapas, antes e depois da expulsão dos jesuítas pelo Marquês de Pombal em 1759. Ora, ainda que boa parte das produções sobre esses padres os apresentem de maneira obscurantista, deve-se questionar essa visão também. Até mesmo porque outras ordens religiosas atuaram juntamente com os missionários de Jesus, como os Franciscanos, carmelitas, beneditinos. Todavia, a ordem que mais se destacou foi a de Inácio de Loiola.
Essa companhia era conhecida como resistente à mudanças, sendo classificada como extremamente conservadora. Eles ensinavam as primeiras letras e depois o Ratio Studiorum (fundamental, médio e superior), que era formado por letras, filosofia, artes e teologia.
Gadotti ( 2006, p. 72), sobre a rattio studiorum, afirma:
A rattio studiorum é o plano de estudos, de métodos e base filosófica dos jesuítas. Representa o primeiro sistema organizado de educação católica. Foi promulgada em 1595, depois de um período de elaboração e experimentação.
 O curso de Letras durava dez anos. Era composto de gramática, humanidades, retórica, grego, cronologia, história e geografia. O Curso de Filosofia e artes durava três anos e sete meses. Geralmente para aqueles que desejavam a vida eclesiástica. Compunha-se de dialética, lógica, física, metafísica. O curso de Teologia era o de maior nível. Durava quatro anos. Compunha-se de teologia escolástica, sagrada escritura, hebreu, casuística. As aulas exigiam grande preparo dos professores e ótima memória dos alunos, visto que utilizavam bastante o método decorativo. Os jesuítas também exploravam muito o conhecimento através de disputas orais. Sua metodologia era repetir e imitar textos clássicos, gregos e latinos. Baseava-se na religiosidade católica, obviamente. E era voltada principalmente para a elite colonial. Fundamentava-se em Aristóteles e São Tomás de Aquino. Havia até um haxioma português que recomendava nunca se apartarem de Aristóteles.
A pedagogia jesuítica se opunha radicalmente ao espírito científico emergente. Refutava o experimentalismo, era universalista, não dando tanta importância as especificidades coloniais, com exceção, no entanto, do ensino da língua tupinambá. Todavia, não é porque se opunha ao novo conhecimento, que lhe estava alheio.
Deve-se olhar para esse agente da fé católica de maneira que se perceba nele um objeto poderoso, tanto para os interesses econômicos da coroa lusitana, como para os interesses da religião cristã católica, que encontrava-se ameaçada na Europa. Portanto, é fundamental apreender a importância histórica do padre jesuíta em terras coloniais a partir do século dezesseis. Para Mattos (1958, p. 31)
A catequese era de fundamental importância para o êxito do empreendimento colonial. Só através da aculturação sistemática e intensiva do indígena é que Portugal lançaria raízes profundas e definitivas aqui.
Não se pode esquecer que o regime de capitanias hereditárias encontrava-se em série crise. O Governo Geral é criado com o intuito de auxiliar as mesmas. Dom João III, vê nos padres Jesuítas a mão necessária para fortalecer a colonização. Visto que a organização escolar seria a ferramenta básica para consolidar o modelo agrário exportador dependente entre metrópole e colônia.
Sabe-se que educação e política andam de mãos dadas. Por isso aqui é pertinente a indagação: O que motivou a colonização? A resposta é simples: interesses capitalistas da burguesia mercantil que necessitava de mão de obra barata. A função do Jesuíta era amansar os nativos para forjar neles bons trabalhadores. Estes padres deveriam manter seus olhos focados nos indígenas, educá-los e catequizá-los. Todavia, acabaram se dedicando mais aos colonos e seus filhos, por interesses particulares. Ribeiro ( 2003, p.22)  diz:
Nota-se que a orientação contida no Ratio, que era a organização e o plano de estudos da companhia de Jesus, publicado em 1599, concentra sua programação nos elementos da cultura europeia. Evidencia dessa forma um desinteresse ou constatação da impossibilidade de instruir também o índio.

            Logo, os investimentos feitos pelos padres, destinavam-se quase sempre em pontos estratégicos, isto é, nos filhos dos colonos, que seriam os futuros sacerdotes da ordem. Portanto,
Verifica-se desta maneira, que os colégios jesuíticos foram instrumento de formação da elite colonial (2003, P.23). Prossegue a autora.
Assim, pode-se afirmar que o plano Real se distanciou do plano legal, feito pelos padres. Desse modo, os nativos seriam apenas catequizados, objetivando apenas formar novos adeptos do catolicismo. Ribeiro ( 2003, P.24) afirma:
A elite era preparada para o trabalho intelectual segundo um modelo religioso, mesmo que muitos de seus membros não chegassem a ser sacerdotes [...]
 É tão evidente a diferenciação que os padres faziam dos habitantes da colônia, que houve um episódio em que os moços pardos, rejeitados pelas escolas, foram aceitos apenas em 1689, porque foram obrigados a serem admitidos. A companhia de Jesus, viera às terras brasílicas com um discurso salvacionista, em nome da fé, pregar e proteger o catolicismo, todavia, suas ações descriminavam e distinguiam as pessoas que os circuncidavam. Ribeiro ( 2003, p. 25) prossegue:
[...] a formação intelectual oferecida pelos jesuítas, e portanto, a formação da elite colonial, será marcada por uma intensa rigidez na maneira de pensar e consequentemente, de interpretar a realidade.
            Como já dito outrora, a companhia de Jesus era extremamente conservadora. Marcada pelo isolacionismo intelectual moderno, isto é, não dialogava com novos paradigmas científicos. Também fomentava em seus discípulos a idéia de que o mundo civilizado era o de fora da colônia, gerando assim um espírito superior nos mais letrados, e fazendo-os querer ir para Europa, consequentemente.
            O espaço da companhia de Jesus só crescia e sua atuação se expandia e tomava proporções cada vez maiores. Estavam aqui para conquistar um capital capaz de transferir a etapa mercantil para a indústria do regime capitalista. Ribeiro ( 2003, p. 28):

A importância social destes religiosos chegou a tal ponto, que se transformaram na única força capaz de influir no domínio do Senhor de Engenho. Isto foi conseguido não só através dos colégios, como do confessionário, do teatro e particularmente, pelo terceiro filho, que deveria seguir a vida religiosa

            Claro que todo esse poder conquistado não deixaria a coroa em estado de passividade. A coroa requereu o governo de volta. Alegou que os jesuítas educavam para seu próprio benefício e não para o desenvolvimento do país. Ribeiro ( 2003, p. 33) diz:
A companhia de Jesus é atingida diretamente e chega a ser expulsa em 1759. O motivo apontado era o fato de ela ser um empecilho na conservação da unidade cristã e da sociedade civil .
            Através do Marquês de Pombal, considerado um reformador educacional, na história do ensino no Brasil, vê-se agora com a expulsão dos jesuítas, o surgimento de um novo modo de educar. Segundo Ribeiro ( 2003, p. 33):
Surge com isso, um ensino público propriamente dito. Não mais aquele financiado pelo Estado, mas que formava o indivíduo para a Igreja, e sim financiado pelo e para o Estado.
            Claro que se fazia necessário mudanças radicais em toda a estrutura governamental da colônia. O cenário mundial estava mudando. A economia e o mercado estavam sendo monopolizados pela Inglaterra. Daí a “importância” e a urgência nessas reformas. A autora prossegue ( 2003, p. 35):

Assim, fica evidenciado que as Reformas pombalinas visavam transformar Portugal numa Metrópole capitalista, a exemplo do que a Inglaterra já era há mais de um século. Bem como, provocar algumas mudanças no Brasil, com o objetivo de adaptá-lo, enquanto colônia, à nova ordem pretendida em Portugal

            O século XVIII   foi um período de grandes mudanças com certeza. Ideais liberais surgiam na Europa, revoluções burguesas, o capitalismo industrial florindo e se consolidando cada vez mais na Inglaterra. E Portugal via-se extremamente submetido àquele, através de acordos protecionistas, em troca de relações comerciais.
            Na colônia Portuguesa vê-se antes desse período a mudança de pólo econômico, do nordeste para o sudeste, em Minas Gerais. Só agora Portugal se propunha explorar materiais preciosos. Toda a riqueza das minas ficavam nas mãos dos ingleses. Serviam como pagamento de dívidas. É verdade que as condições enfrentadas pelos lusitanos não eram tão favoráveis, visto que de 1580 à 1640, estavam sob domínio espanhol. Ocorreram invasões holandesas em Pernambuco, bem como resistência quilombola
            Em 1759 os padres da companhia de Jesus são expulsos das terras coloniais. Cerca de treze anos após esse fato, vê-se a implantação do ensino público. Num contexto global, os Estados Unidos da América consegue sua independência e a França deflagra uma grande revolução, em 1776 e 1789, respectivamente.
Sobre a expulsão dos missionários Inacianos, Aranha ( 2006, p.191) diz:

Após a expulsão dos Jesuítas, os bens dos padres foram confiscados, muitos livros e manuscritos importantes destruídos. Segundo alguns historiadores, de início o desmantelamento da estrutura educacional montada pela companhia de Jesus foi prejudicial, porque de imediato, não se substituiu o ensino regular por outra organização escolar, enquanto os índios, entregues á sua própria sorte, abandonavam as missões.

            Desse modo, de imediato, as reformas educacionais pombalinas para a colônia teriam fracassado. Sobre a estrutura ou espaços de ensino. Aranha ( 2006, p.192) diz que:
Não podemos imaginar alunos assistindo a aulas em prédios escolares, como hoje, porque os lugares de estudo eram improvisados [...].
            É obvio que não se pode achar que de uma hora para a outra um sistema substituiria o outro de modo “perfeito”. Como acabou de se vê, nem mesmo as estruturas escolares estavam determinadas. A figura clerical era muito forte na história do ensino. Suas igrejas, seus colégios vizinhos aos templos, eram na maioria os espaços de aprendizagem. Por isso mesmo Aranha ( 2006, p. 193) prossegue afirmando:
Embora a reforma pombalina não tivesse repercutido de imediato na colônia, foram lançadas as sementes de um novo processo que iria amadurecer aos poucos a partir do século seguinte .
 É importante se compreender o quanto o ensino e a educação moldam as culturas. Ao longo da História se percebe movimentos de “reformas educacionais” que contribuíram para mudanças estruturais no seio da sociedade. Exemplo disso é a transição do ensino pagão para o ensino cristão, pós queda do Império Romano. As escolas leigas continuaram funcionando, ainda que por pouco tempo. Os colégios religiosos, erguidos ao lado de mosteiros e catedrais, substituíram as antigas escolas, bem como, os religiosos aos antigos mestres. Aranha ( 2006, p. 106) diz em “História da educação brasileira e da pedagogia” que:
Criar escolas não era a finalidade principal dos mosteiros, mas a atividade pedagógica tornou-se inevitável à medida que era preciso instruir novos irmãos.
            Na idade média os mosteiros assumiram o monopólio da ciência. Suas bibliotecas depositavam a cultura grego latina. Foi no século oitavo que o ensino e a aprendizagem declinaram, devido a necessidade do Estado em relação ao clero em questões administrativas. Porém, outra reforma seria feita, agora por Carlos Magno, no século nono. Era o renascimento Carolíngio que buscava através do ensino palatino, reformar todo o sistema de ensino eclesiástico.
Outro fato histórico que também viabilizou o ensino secular na Europa foi a consolidação da Burguesia no século XII. Com ensino da língua local, história, geografia, ciências naturais. E assim como posteriormente fez o Marquês de Pombal no século dezoito em terras coloniais portuguesas,rompendo com o clero, com o pretexto de que a Igreja educava para si, os burgueses afirmavam que o ensino secular deveria priorizar a sociedade e não a Igreja. Essa briga entre Estado e clero se acentuou quando se tratou de quem controlaria as primeiras universidades

:Autor : Frankcimarks Conceição de Oliveira,
 Historiador e especialista em ciência das religiões.