quarta-feira, 28 de novembro de 2012

UM CORPO QUE GRITA: A ESTÉTICA TROPICALISTA E A OPOSIÇÃO AO REGIME MILITAR





De 1964 a 1985, com o golpe dado pelos militares, a renúncia do então presidente João Goulart (Jango) e a ascensão ao poder do Marechal Castelo Branco, foi instaurado no Brasil a Ditadura Militar, um período onde a perseguição política, a opressão aos que não eram a favor do regime militar e a falta de democracia tiveram seu momento ápice.
    Regida por um contexto de muitas revoltas, a ditadura vai, em diversas vezes, se deparar com movimentos que bateram de frente com suas ideologias, na tentativa de extinguir tal regime.

    Com os jovens à flor da pele, teve-se a fortificação da UNE (União Nacional dos Estudantes) que lutava por liberdade; a criação do movimento Tropicalista que, influenciado pelo movimento Hippie (Ideologia que contesta os valores tradicionais, o poder militar e econômico, originada nos Estados Unidos) e pelas guitarras eletrônicas, acrescentaram novos costumes a Música Popular Brasileira e aos seus próprios corpos, passando, com a promulgação do AI5 (conhecido como o mais cruel ato institucional já visto que proibia qualquer tipo de manifestação), a protestar contra o Regime Militar através das letras de suas músicas e de sua própria imagem que vai se tornar o “oposto” do que era aceito na época.

    A Tropicália contou com Caetano Veloso (Alegria, Alegria), Gilberto Gil e os Mutantes (Domingo no Parque) como principais nomes, que tiveram bastante destaque no III Festival de Música Popular Brasileira exibido pela Rede Record. Até então esses músicos eram conhecidos como “Grupo Baiano”; foi ainda no mesmo ano do Festival que eles, influenciados pela obra de Hélio Oiticica intitulada Tropicália, apropriaram-se do nome para o movimento.
    Diante do contexto a cima, podemos evidenciar a temática do referente projeto, a estética Tropicalista e a oposição ao Regime Militar. Nascido no interesse pelo assunto em uma aula de Antropologia Cultural do curso de História das FIP no ano de 2010 que desenvolveu oficinas com temas relacionados à década de 1960, dentre eles o Tropicalismo. A partir de então surgiu o desejo de dar continuidade ao tema. 

    Portanto, temos como objetivo analisar o contexto da Ditadura Militar de 1964 e os movimentos de esquerda, dando ênfase a Tropicália e a forma que sua estética se opunha ao Regime.


O Movimento Tropicalista foi um fato que trouxe diversas contribuições para a formação sócio-cultural da sociedade brasileira, pois, de acordo com seu desenvolvimento, abriu um grande leque inovações e mudanças, dentre elas a busca pela liberdade corporal; a inserção da guitarra eletrônica nas músicas, que se infiltraram em todas as camadas sociais possibilitando a formação novos costumes que se encontram presentes em nossas vidas ate os dias atuais.
    Porém a bibliografia em torno da temática ainda é muito escassa e, diante disso, existe uma necessidade de um número maior de fontes que ofereçam informações aos pesquisadores.
    A partir de algumas experiências acadêmicas em função deste tema, como já citado, surgiu o interesse de um aprofundamento sistematizado, de modo a estruturar um projeto de pesquisa.
    Acredita-se que este projeto tem relevância e contribuirá na área de História mostrando uma das faces da cultura brasileira e sua repercussão a nível nacional, além disso, se justifica pelos poucos trabalhos de pesquisa relacionados ao Tropicalismo.

OBJETIVO GERAL



     Analisar a Estética Tropicalista e sua forma de oposição ao Regime Militar.

 OBJETIVOS ESPECÍFICOS

    Apresentar os fatores que levaram ao Golpe de 64;

    Discutir a Ditadura Militar e a oposição do meio artístico;

    Analisar a Estética Tropicalista, dando ênfase aos movimentos que a influenciaram e sua forma de oposição a Ditadura.
     
     

    De que forma a Estética Tropicalista se opõem ao Regime Militar?

     A Tropicália, regida por uma antropofagia de costumes vindos dos Estados Unidos da América (que vivenciava a inserção da guitarra eletrônica em suas músicas e o movimento Hippie, principais influências do Tropicalismo) e por uma visão do novo, se opôs ao Regime Militar através dos corpos de seus integrantes, que se tornaram o oposto do que era aceito na época devido suas roupas diferenciadas por uma mistura de cores estampas; seu modo de agir e falar que evidenciava uma busca por liberdade; e por suas músicas que, de maneira indireta, protestavam contra os abusos de poder então vivenciados.
    Esses fatores fizeram com que um movimento nascido em um programa de televisão se tornasse um grande propulsor de cultura, enfrentando um Estado que no presente momento se via como ditador de regras, costumes e moralidades.


FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

    O Golpe de 64 não foi algo que ocorreu repentinamente; houve diversos fatores que, desde a década de 1930, planejaram a derrubada de governos populares e a implantação de um modelo onde a classe dominante teria o controle. O apoio internacional, a difusão midiática, foram alguns dos fatores de maior relevância. Segundo Chiavenato:

A conspiração contra o governo foi tão ampla que às vezes chegou a ser pública. Contou com financiamentos do exterior, cooptação de intelectuais e ativa participação da imprensa. No plano econômico, à sabotagem interna juntou-se a decisiva retração dos investimentos Norte-Americanos (1994, p. 41)

        Logo após a renúncia de Jânio Quadros a presidência da república em 1961, sete meses depois de assumi-la, tomou posse o seu vice, João Goulart, que, com formas governamentais e interesses que batiam de frente com a elite, veio a despertar na mesma o interesse em retira-lo do poder. Dentre o plano de governo de Jango (apelido do presidente) estavam as reformas de base que visavam a diminuição da desigualdades sociais no Brasil. Sendo elas a Reforma Agrária, Política e Universitária que, segundo Munteal, “seria a questão nacional com maior urgência a ser tratada pelo estado, e as suas singularidades e dificuldades diante de um estado ausente das suas responsabilidades.” (MUNTEAL,  2008, p. 14).

      Diante de um Governo de controvérsias políticas que ameaçavam a elite, houveram diversas tentativas para a retirada de Jango do poder e não sendo possível a derrubada do mesmo por meios lícitos, foi criado pela classe mais abastarda um cenário ideológico voltado contra o então presidente.

    No dia 13 de março de 1964 Goulart, acompanhado da esposa e dos governadores Lionel Brizola e Miguel Arraes, promoveu um comício em praça pública com o intuito ratificar as reformas de base, no qual contou com grande apoio popular e com a desaprovação total das forças conservadoras. Segundo Toledo:

De fato, 13 de março de 1964 pode ser considerado um marco decisivo na recente história política brasileira. Para grande decepção das esquerdas, o dia 13 significaria não a emergência de um governo nacionalista, democrático e popular mas, sim o ultimo ato da chamada “democracia populista”. (2004, p. 99)

     Apoiadas pelos Norte-Americanos, pela igreja e pela mídia, os conservadores, difundiram a ideia de que tal governo traria a implantação do Comunismo no Brasil. De acordo com Carmo (2003), Jango, como era chamado o presidente, não era comunista, mas, segundo acreditava as elites, era comandado pelos comunistas.

    Influenciados por tal afirmação os militares, temendo perder sua hierarquia, organizaram um movimento, na madrugada do dia 31 de março, que alegava a o abuso de poder por Goulart e visava seu afastamento, liderados pelo chefe da IV Região Militar, general Mourão Filho, conseguiram o apoio dos militares e políticos de direita em todo país, inclusive do general Kruel do II Exército brasileiro, que constituía a principal resistência contra o movimento. Este foi o estopim para o golpe. Segundo Chiavenato (1994), a pouca resistência possível terminou quando o General Kruel, do II Exército, em São Paulo, pronunciou-se em favor do golpe. 

    Já não tendo como evitar as ações dos golpistas o governo de Jango caiu, em primeiro de abril, e o mesmo foi exilado no Uruguai. A partir de então, o primeiro ministro, Raniere Mazzilli, presidiu o Brasil durante quinze dias e posteriormente assumiu o poder o chefe do Estado Maior do Exército, general Humberto de Alencar Castelo Branco.
    Os militares tomaram o poder e mudaram totalmente a estrutura política do Brasil, erradicando toda a liberdade da população, infringindo seus direitos e implantado um governo regido pela institucionalização da ditadura que ia contra qualquer tipo de movimento oposto as suas leis.

     De acordo com Chiavenato, os militares subverteram o conceito de nacionalidade. “Adotaram uma teoria de segurança nacional que ditou sua ideologia política. (...) Após a tomada do poder, eles desprezaram os políticos, menosprezaram as instituições e instalaram sua ditadura.” (1994, p. 102).

    Mesmo com as fortes repressões ditatoriais que prendiam, torturavam e até exilavam os não eram a favor do Regime, houveram diversos movimentos que, na maioria das vezes indiretamente, criticaram a repressão então vivida. 

    Com a difusão da TV pelo Brasil, percebe-se a grande aceitação do público aos meninos do “iê-iê-iê” (Roberto Carlos, Erasmo Carlos, Wanderléa). Influenciados pelo rock norte-americano, em especial pelos Beatles com a canção: She loves you/ yeah, yeah, yeah, vão dar inicio a Jovem Guarda que, com músicas leves, animava as terdes de domingo e não representavam nenhum risco à Direita. Porém não foi apenas a Jovem Guarda que ficou conhecida na época, teve-se também a presença de artistas que, ao contrário dos “meninos do Rock” e de maneira camuflada, protestavam contra o regime vivido e consideravam a o movimento musical acima citado como “um grupo de jovens alienados e submissos à influencia maléfica do imperialismo cultual norte-americano.” (Carmo, 2003). 

    Nesse contexto, a televisão vai promover festivais para o ‘entretenimento’ da população. Em 1967, houve o III Festival da Música Popular Brasileira que teve a participação de Caetano Veloso com a música Alegria, Alegria; Gilberto Gil e os Mutantes com Domingo no Parque, criticando, de maneira indireta, através de suas músicas, as repressões sofridas durante o regime. 

    Influenciados pela obra de Hélio Oiticica, que evidenciava uma mistura de cores, informações e contextos, denominada Tropicália, criaram em 1968 um movimento que se apropriou do título da obra, já que a mesma traduzia o espirito de mudança almejado pelo grupo.

     Em setembro de 1968, houve o Festival Internacional da Canção, no Rio de Janeiro, que contou com a presença de vários interpretes, dentre eles Geraldo Vandré que concorria com a música “pra não dizer que não falei das flores” que retrava, de maneira explícita, a realidade vivenciada no momento.  Os versos de maior ofensa aos militares foram: “Há soldados armados, amados ou não, / Quase todos perdidos de armas nas mãos. / Nos quartéis lhes ensinam uma antiga lição, / De morrer pela pátria e viver sem razão.” (1968, Vandré). A partir de então a música tornou-se o hino dos movimentos de esquerda e Vandré o único a promover uma canção de protesto propriamente dita, visto que, sua principal composição, acima citado, foi proibida de tocar, enquanto as outras canções, que se diziam de protesto, não. Ou seja “música de protesto que passa na censura não é música de protesto.” (TINHORÃO, 1997) De acordo com Carmo (2003, p. 72):

Proibida logo após o festival, a música, porém resistiu e até a atualidade é cantada entusiasticamente em praças públicas pelas oposições. Geraldo Vandré, caçado, se escondeu no interior de São Paulo antes de fugir para o Chile.

    No mesmo ano, no governo de Costa e Silva teve-se a promulgação do AI-5, o ato institucional mais severo de todos, visto que a opressão que se vivera foi a mais intensa.
    A população teve que aceitar a repressão aos movimentos sociais e manifestações de oposição, assim como censura aos meios de comunicação a aos artistas, que não podiam citar nada sobre o assunto. Segundo Carmo, “com as oposições caladas e a censura aos meios de comunicação, o discurso político oficial busca esconder o caráter ditatorial do regime.” (2003, p. 41-42).

    Diante das oposições musicais, acima citados, o que teve a maior influência no cotidiano da época foi o movimento Tropicalista, que revolucionou não só a música brasileira, como também os costumes, além de, indiretamente, criticar a ditadura. Segundo Favaretto (1996, p.99):
O movimento tropicalista cujo período incide na seguinte datação: setembro de 1967 a dezembro de 1968 constituiu um desafio à crítica cultural dessa década. Os tropicalistas, influenciados pela produção de paradigmas da mudança cultural, da transformação estética e política da época, indicam uma situação nova.

     No ano 1967, com a Guerra do Vietnã, que começaram a surgir os movimentos de contracultura nos Estados Unidos da América. Com o objetivo de cessar os ataques, houve uma manifestação em  Nova York, no dia 15 de abril, com o lema “Faça Amor, não faça Guerra”. Esse movimento se difundiu por todas as Cidades Norte-americanas e pelo Brasil. Dessa manifestação se originou o movimento Hippie, que, com seus cabelos longos, roupas coloridas e “espalhafatosas”, e a busca por uma vida tranquila regida por o lema “Paz e Amor”, vão bater de frente com os mandatos oficias de convocação para a guerra e com a ideologia já arraigada no cotidiano desse período.

     Nessa mesma época viveu-se, ainda na América do Norte, a inserção de um novo instrumento musical, a guitarra elétrica, que revolucionou a maneira de se fazer e se encarar a música.

    Foi nesse contexto que a Tropicália se formou. Regida pela antropofagia (conceito desenvolvido por Oswald de Andrade que apoiava a absorção e superação de culturas externas) desses movimentos, o grupo transfere a cultura brasileira um grande leque de inovações.

    Os primeiros indícios do movimento surgiram com a apresentação de Gilberto Gil, Os Mutantes e Caetano Veloso no Festival de música da Record, quando Gilberto, um cantor negro, acompanhado pelo grupo Os mutantes, interpretam a canção “Domingo no Parque”, e Caetano Veloso, acompanhado pelo grupo Beat Boys, interpreta “Alegria, Alegria” ao solo de uma guitarra. Fatores que não era comum à época, um cantor negro e grupo ‘diferente’ defendendo uma melodia e uma letra duvidosa quanto o sistema e um outro agredindo a imagem da MPB (Música Popular Brasileira) com o uso de um instrumento eletrônico.
   A partir daí, os mesmos acima citados, Gal Costa, Tom Zé, Nara Leão e outros que se engajaram no movimento, apropriando-se do título da obra de Hélio Oiticica, deram início a mais nova manifestação que rompeu com as barreiras da música e dos costumes brasileiros. Segundo Contier (2003, p. 141)

Nessa área, a influência foi dada pela manifestação ambiental de Hélio Oiticica (1937-1980) intitulada Tropicália, em 1964. Na verdade essa obra era um penetrável, no qual podiam ser vistos plantas, araras, areia, brita, poemas enterrados, raízes de cheiro, objetos de plástico e um aparelho de tevê ligado.

    Seria essa a obra a tradução do desejos tropicalistas, pois enfatizava uma mistura de cenas e cores, onde todos soavam em perfeita harmonia formando uma bela paisagem.
     Guiados pelo movimento Hippie modificaram o modo se vestir e de se comportarem, adotaram a guitarra elétrica como principal instrumento e em 1968 lançaram um disco manifesto, Tropicália ou Panis et circenses, que, de acordo com Contier (2003, p. 146) canalizava as idéias, mensagens, motivos e intenções do movimento: a busca pelo novo de caráter estético e cultural. 

     Porém, no auge do Tropicalismo é promulgado o AI-5 que obriga todos os artistas e intelectuais a se manterem calados.
     Encarados como “esquerdistas”, após a promulgação, Caetano e Gil, líderes do movimento, foram presos, em 1968, e exilados em Londres, em 1969.
     Percebemos que a Tropicália, movida por sede de mudança, se opôs ao Regime Militar através das letra de suas músicas e de seus próprios corpos, que não aceitando a lei de submissão aos militares, expressavam a ideia de liberdade, passando a difundir um novo costume no vestuário, na maneira de agir e pensar das pessoas.
      
JARDEANE SILVA MOREIRA, 
Licenciada pelas Faculdades Integradas de Patos

 

   

REFERÊNCIAS


BRUZANDELLI, Victor Creti. As apropriações estéticas da cena tropicalista. Disponível em: <http://musica.universidadarcis.cl/wm/descarga/aud1brasil/Estetica%20Tropicalista.pdf>. Acesso em: 24 set. 2012.

CALADO, Carlos. Tropicália: a história de uma revolução musical. São Paulo: 34. 1997.

CARMO, Paulo Sérgio do. Culturas da rebeldia: a juventude em questão. São Paulo: Sennac. 2003.

CHIAVENATO, Júlio José. O golpe de 64 e a ditadura militar. São Paulo: Moderna. 2004.

CONTIER, Arnaldo Daraya et al. O movimento tropicalista e a revolução estética. Disponível em <http://www.mackenzie.br/fileadmin/Pos_Graduacao/Mestrado/Educacao_Arte_e_Historia_da_Cultura/Publicacoes/Volume3/O_movimento_tropicalista_e_a_revolucao_estetica.pdf>. Cadernos de Pós-Graduação em Educação, Arte e História da Ciltura. São Paulo, V. 3, n. 1. p. 135-159, 2003. Acesso em: 23 set. 2012.

FAVARETTO, Celso. Tropicália, alegoria, alegria. São Paulo: Ateliê Editoral. 1996.

MUNTEAL, Oswaldo. As reformas de base na era Jango. São Paulo: ABRAS, 2008.

TINHORÃO, José Ramos. Música Popular: um debate em questão. São Paulo: 34, 1997.

TOLEDO, Caio Navarro. Governo Goulart e o golpe de 64. São Paulo: Brasileinse, 2004.