O objetivo deste capítulo é discorrer
sobre a visão foucaultiana de poder em suas mais variadas manifestações na
sociedade. Entender como e para que o poder se exerce em sociedade. Precisa-se,
portanto, restringir-se as significações que o autor francês delineou para o
mesmo. Logo, faz-se necessário compreender os métodos utilizados por Foucault
para investigar os processos que revelam como o poder é exercido. Ressaltando
antes de mais nada que Foucault não estudava o poder com fim em si mesmo, mas
para a partir dele explicar como ocorre
subjetivação dos indivíduos em suas redes.
Michel Foucault é um Historiador e Filósofo francês
que ao longo de sua vida publicou
diversas obras que tinham como foco a construção dos saberes, dos sujeitos e a
analítica do poder. Seus escritos são divididos pelos pesquisadores como
arqueológicos, genealógicos, e éticos. Segundo Fairclough(2001, p.63):
[...] Em seu trabalho
arqueológico inicial, o foco era nos tipos de discurso como regras para a
constituição de áreas de conhecimento. Em seus últimos estudos genealógicos, a
ênfase mudou para as relações entre conhecimento e poder . E no trabalho dos
últimos anos de Foucault, a preocupação era com a ética, ou como o indivíduo
deve constituir-se ele próprio como sujeito moral de suas próprias ações [...]
Foucault apropriou-se dos métodos do
filósofo alemão Nietzsche, isto é, afirmou seu compromisso para com o método
genealógico. Como a própria palavra sugere "gênese", que não
significa neste caso, um início "duro" ou origem somente, mas
descobrir ou expor uma identidade primeira. É claro que esta especificação soa
paradoxal, entretanto apenas aparentemente. Pode-se entender método genealógico
como um conjunto de procedimentos que permite conhecer o passado para
suscitar rebelião contra o presente.
A genealogia trava seu combate contra os
discursos ditos científicos que legitimam algum tipo de poder. Como isso pode
ser feito? A partir da análise das muitas interpretações da História que é
contada ou imposta. Então a genealogia é ou se propõe a ser a descrição das
múltiplas teorias epistemológicas com seus objetivos últimos. É importante
ressaltar que tal método não objetiva fundar uma ciência ou construir um
sistema de investigação. A genealogia não crê em essências fixas , nem em leis
universais. Apenas visa realizar análises fragmentárias. Com isso Foucault
queria traçar uma genealogia das relações entre poder e saber .Mais a frente entender-se-á seus objetivos mais especificadamente.
Este trabalho fundamenta-se na obra
" A Microfísica do Poder”, edição de dois mil e seis, que permitirá entender o que o autor vinha
investigando em outros livros. Entretanto foi na obra " Vigiar e
Punir" que Foucault realmente se aprofundou no assunto. Este livro é
considerado um marco inaugural de sua fase genealógica . Em a microfísica do poder
percebe-se que os mecanismos de poder são exercidos em todos os ângulos do
aparelho de Estado. Vale frisar que o Poder é objeto de nossa pesquisa
monográfica.
O poder será analisado a partir do
diálogo Soberano e sociedade e os debates devem emanar deste centro. Por
exemplo, como o Estado moderno construiu verdades para justificar suas práticas
em relação aos homens governados. Todavia, cabe-nos também o papel de mostrar
que Foucault não acreditava num monopólio de poder estatal, isto é, o Estado não
detinha o poder absoluto em suas mãos, mas ao lado deste havia uma rede de
micro poderes. Logo, o poder não deve ser visto como algo que flui de um
centro, mas a partir dos polos ou extremidades. Portanto, a análise do Estado e
o poder a ele atrelado , bem como perpassando as massas, é neste capítulo mais
especificamente a visão de Foucault sobre o exercício do poder .
Para Norman
Fairclough(2001, p.75):
[...] O caráter
do poder nas sociedades modernas está ligado aos problemas de controle das
populações. O poder é implícito nas práticas sociais cotidianas, que são
distribuídas universalmente em cada nível de todos os domínios da vida social e
são constantemente empregadas; além disso o poder é tolerável somente na condição de que se
mascare uma grande parte de si mesmo.
Seu sucesso é proporcional à sua habilidade para esconder seus próprios mecanismos”
Para Foucault o poder não deve ser
entendido como em termos de Soberania (proibição ou imposição de uma lei).
Muitos entendem ou relacionam poder a algo extremamente dotado de significado
negativo e repressivo. Como também acreditam que o poder é algo que se possui e
que se manipula. Para isso é necessária a presença de um indivíduo que o tenha
em suas mãos e nele o centralize. Entretanto, Foucault diz que o poder se
exerce e que ele não está centralizado nas mãos de um Homem, mas que funciona
como uma maquinaria, não localizada, disseminada por toda a estrutura social. O
poder está em toda parte , pois provém de todos os lugares.
No capítulo "Genealogia e Poder"
o autor define genealogia como um conhecimento libertário, doador de capacidade
opositora e de enfrentamento ao discurso científico e manipulador. No
capítulo"Soberania e Disciplina" o autor buscou discernir os mecanismos de poder. Procurou
perceber a ação deste e seus efeitos em suas extremidades, isto é, nas
instituições regionais e locais. Como também procurou estudar o poder pela sua
face externa. Neste aspecto Foucault se opõe a Hobbes, visto que não enxerga o
Soberano no topo, mas os súditos na base. Os teóricos absolutistas viam o
Monarca como a alma do estado, Foucault vê o povo como tal, não negando assim o
poder estatal, mas atribuindo ao povo uma participação antes não vista. Na
verdade o autor não enxerga o poder como um fenômeno de dominação homogêneo de
um indivíduo sobre os outros, mas como algo que circula e que funciona em
cadeia, ou seja, o poder não se aplica aos homens, ele passa por eles.
O poder relaciona-se diretamente com o
conhecimento ou saber, visto que necessita deste para existir ou ser exercido.
Ou seja, é preciso a formulação e organização de um saber, como também a
circulação destepara que haja então o exercício do poder, agora legitimado. São
esses saberes que constituem e fazem emergir novas técnicas de poder capazes de
atuar, como se vê mais adiante, diretamente sobre os corpos dos indivíduos. De
acordo com a ênfase de Foucault na produtividade do poder, o poderdisciplinar
produz o indivíduo moderno” ( FAIRCLOUGH, 2001, 78)
Mas deve- se perguntar: isso não faz do
poder algo opressivo e novamente não lhe dá um significado negativo? Vejamos o
que o autor diz em " Verdade e Poder"
Para Foucault (2006,p.8):
[...]O que faz com que o poder se mantenha e que seja aceito é simplesmente
que ele não pesa só como uma força que diz não, mas que de fato ele permeia,
produz coisas, induz ao prazer, forma saber, produz discurso. Deve-se
considerá-lo como uma rede produtiva que atravessa todo o corpo social muito
mais que uma instância negativa que tem por função reprimir[...]
A verdade é que o poder de fato deve ser
visto como uma força , como diria a Física, que atua contra um corpo, ou
melhor, como um agente capaz de alterar o estado natural de um corpo, logo para
Foucault o poder é uma ação sobre ações. O que acontece é que os sujeitos estão
ha muito tempo sob a docilização a qual se habituaram e mesmo que não sejam
completamente obedientes a determinadas normas impostas , sabem que a
disciplina é fundamental e a consideram extremamente necessária para a vida em
sociedade. Fala-se aqui em disciplina dos corpos , pois ela surge em
"Vigiar e Punir " como uma nova tecnologia de poder. Ela está
presente nas escolas, nos exércitos, nos hospitais e surge como a forma mais
útil para Estado exercer seu poder sobre os homens.
No Período medieval conhecia-se dois
tipos de influências sociais, a do pastor ou sacerdote e a do Soberano. O
sacerdote exercia seu poder sobre seu "rebanho" ao ponto
que identificava-se com ele, visto que conhecia os indivíduos particularmente e
se “apiedava “deles. Diferentemente do
Rei que não conhecia cada súdito seu e nem poderia apiedar-se deles. Esta lacuna
pôde ser preenchida pelo poder disciplinar, que acabara por substituir ambos os
poderes citados. Esta nova tecnologia dava conta de toda a sociedade, pois a
vigiava como um pastor e punia como um rei. Logo tornou a figura do Monarca
obsoleta. Ver-se-á mais adiante como essa nova tecnologia firmou-se e onde ela
aplica-se mais fortemente.
Primeiramente deve-se entender bem a
relação poder e saber. Foucault percebeu que os saberes se engendram para
atender a vontade de um poder. O autor vai além dessa premissa , pois diz que o
saber serve como correias que transmitem o próprio poder a quem serve. Logo o
olhar de Foucault sobre os saberes erapara descobrir como eles surgem e para
que servem.
Ele mesmo concluiu que os saberes tornam o
poder uma necessidade e gera em nós uma conformidade com essa força que atua em
nós, através de nós e também contra nós . Sim, pois os corpos são os principais
objetos do poder. De Veiga Neto (2005,p.118):
[...]A descrição e o
entendimento de uma microfísica do poder é o horizonte da genealogia, e para
chegar lá, ele adota o ponto de vista do corpo, o corpo supliciado,
domesticado, marcado, mutilado, descomposto, obrigado, sujeitado, o dos corpos
que são repartidos, organizados, separados e reunidos. O efeito desse micro
poder é a produção de almas, produção de ideias, de saber , de moral.
Esse saber deve ser visto como uma
construção histórica, que produz suas verdades, seus regimes de verdade e que
se revelam nas práticas discursivas e não discursivas. Desse modo Foucault está
mais uma vez transmitindo aquilo que ele bebeu da fonte filosófica alemã na
pessoa de Nietzsche. Para Nietzsche tanto o saber como a verdade eram questões
históricas. A verdade era algo que não podia ser encontrado aqui ou acolá, mas
devia ser criada. Assim podemos compreender porque Foucault acreditava que o
saber legitimava o poder, ambos eram dois lados do mesmo processo articulados
pelo discurso.
Parece complicado determinar o que é
poder e realmente o é. Foucault não tentou teorizá-lo, mas simplesmente
analisá-lo. Pode-se dizer que o poder em si não existe, mas existem, sim,
práticas em que ele se manifesta. O filósofo disse que o poder é a ação sobre
as ações. Parece precipitação dizer que isso ocorre sempre de cima para baixo,
como algo que se impõe. Mas não foi isso que Foucault disse. Na verdade ele se
referia a vida em sociedade, onde um individuo também age sobre ações de outros
indivíduos e vice e versa. Por exemplo no trabalho, na família, na igreja, etc.
Logo percebe-se o poder como algo que circula ou que se transmite em rede e que
não é essencialmente repressivo, pois produz, suscita coisas, como também se
exerce e atua em rede social. Portanto, na sociedade existem múltiplas
sujeições, em que todos agem e sofrem a ação de um poder imediato que atua
diretamente nos corpos, não somente vindo do Estado ou de um Soberano. Para
Fairclough (2001, p.82-83):
[...]Foucault é acusado
de exagerar a extensão na qual a maioria das pessoas é manipulada pelo poder;
ele é acusado de não dar bastante peso a contestação das práticas, às lutas das
forças sociais entre si, às possibilidades de grupos dominados se oporem a
sistemas discursivos e não discursivos dominantes, às possibilidades de
propiciar a mudança nas relações de poder mediante a luta, e assim por diante [...]
Quando se fala em corpo, fala-se do
corpo individual, que será alvo desta força a qual nomeou-se poder. Entretanto
no decorrer do século XIX a própria sociedade será tratada como um corpo, ou
seja, um corpo social. Mais explicitamente através da eliminação dos doentes,
do controle dos contagiosos e da exclusão dos delinquentes.
O que fez surgir este corpo coletivo foi
a materialidade do poder se exercendo sobre cada indivíduo, primeiramente
universalizando as vontades particulares.
Foucault dizia que nada era mais corporal que o exercício do poder. O
que se vê em repartições públicas é a prática direta do poder sobre os cidadãos.
A escola, por exemplo, é o lugar onde é ensinada a disciplina e a sujeição dos
corpos a um sistema muito bem estruturado para a aprendizagem e a fabricação de
uma mão de obra barata .
Foi a partir de um olhar sobre essas
instituições que o autor procurou compreender os efeitos do poder sobre os
corpos e percebeu que o poder está além de um poder repressor, pois então seria
muito frágil e facilmente questionado, todavia ele é forte porque também produz
efeitos positivos. Ora, o próprio poder produz saber. Entretanto, algumas críticas
são feitas a Foucault. Ainda que o autor
defenda que o poder é positivo, muitas vezes temos a impressão contrária.
Segundo Fairclough(2001, p.83):
[...] Na
totalidade de seu trabalho e nas análises principais, a impressão dominante é
das pessoas desamparadamente assujeitadas a sistemas imóveis de poder. Foucault
certamente insiste que o poder necessariamente acarreta resistência, mas ele dá
a impressão de que a resistência é geralmente contida pelo poder e não
representa ameaça. [...]
Para Foucault o que devia ser entendido
eram os mecanismos de poder . Enxergar
as correias mais extremas que permitiam a operação do poder nos níveis mais
elementares e quotidianos da sociedade.
Estaria aqui o papel do intelectual para o filósofo. Ele acreditava que
os intelectuais deviam apenas fornecer os instrumentos de análise para o povo:
De acordo com Foucault (2006, p.151):
[...]Trata-se
com efeito, de ter do presente uma percepção densa, de longo alcance, que
permita localizar onde estão os pontos frágeis e os pontos fortes, a que estão
ligados os poderes- segundo uma organização que já tem cento e cinquenta anos-
onde eles se implantaram. Em outros termos, fazer um sumário topográfico e
geológico da batalha...Eis aí o papel do intelectual. Mas de maneira alguma,
dizer: eis o que vocês devem fazer!
Estes mesmos intelectuais descobriram
que as massas não necessitavam deles para saber. O povo não precisa que lhe
digam o que é uma prisão, pois ele próprio já tem sua teoria e discursos sobre
a mesma. Precisam, sim, como fora dito anteriormente, de uma análise mais
sólida e substancial, mas não necessitam de que lhe deem ordens. As massas como
um todo interessam-se por estes assuntos que direta ou indiretamente lhe
envolvem.
Tratando-se da prisão, por exemplo, não
só os presidiários tem algo a dizer sobre esta instituição, isto é, um contra
discurso, mas a população, até certo ponto. Talvez porque a prisão seja uma das
maiores manifestações de poder que se tenha notícia hoje. Segundo Foucault
(2006,p.73):
O que é fascinante nas
prisões é que nelas o poder não se esconde, não se mascara cinicamente, se
mostra como tirania levada aos mais ínfimos detalhes, e ao mesmo tempo, é puro,
é inteiramente “ justificável” visto que pode inteiramente se formular no
interior de uma moral que serve de adorno a seu exercício: sua tirania brutal
aparece então como dominação serena do bem sobre o mal, da ordem sobre a desordem.
As massas reagem porque percebem ,neste
exemplo mais claramente, que o poder se exerce em detrimento do povo. Logo , esta luta não ocorre contra a
injustiça, mas contra o próprio poder exercido judicialmente. Foucault classificou o poder como algo
enigmático, presente e ao mesmo tempo oculto, visível e invisível, totalmente
onipresente. Disse que o mesmo era
exercido em determinada direção, todavia não se sabia por quem, mas apenas
conhecia-se quem não o possuía. Desejar o poder, não implica em tê-lo. E por mais que muitas vezes o poder pareça
agir contra as massas, essas sempre desejam que alguém o exerça sobre elas.
Para Foucault (2006, p.75)
[...] o que é poder?
Afinal de contas, foi preciso esperar o séc. XIX para saber o que era
exploração, mas talvez ainda não se saiba o que é poder. E Marx e Freud talvez
não sejam suficientes para nos ajudar conhecer esta coisa tão enigmática, ao
mesmo tempo visível e invisível, presente e oculta, investida em toda parte,
que se chama poder[...]
Para o melhor exercício deste poder fora
necessária a elaboração de uma nova tecnologia que permitisse um “controle”
mais efetivo dos corpos. No texto “ O olho do Poder”, o autor revela como a
vigilância pública emergiu como um instrumento extremamente eficaz para o
exercício do poder. Foi necessária
também uma reorganização dos espaços públicos para fins econômicos e políticos.
Ora, estes dois mecanismos possibilitaram ao Estado um poder onipresente que
acabou por modificar a vida e os costumes individuais das pessoas. O olhar onipresente (Panopticon) causa ou
promove a restrição das vontades particulares e a liberdade para fazer o mal.
Este artifício exigiu uma pequeníssima despesa para o aparelho estatal. ( sem
armas, violência ou coações materiais). A vigilância permitiu a interiorização
pelo olhar, isto é, a vigilância pessoal. Através deste sistema todos são vigiados
mutuamente, logo é um aparelho de desconfiança.
Hoje esta realidade está cada vez mais
aguçada. Cada vez mais os indivíduos são restringidos e vigiados pelas lentes
fotográficas dos celulares, das câmeras filmadoras de segurança das ruas e dos
condomínios residenciais. Não é somente o Estado que policia, mas a vizinhança
também exerce essa função de vigilância.. Ora, a vigilância é bem mais eficaz e
rentável que a punição. É por assim dizer um eficiente mecanismo de poder.
Com a vigilância onipresente o estado
enquadra os cidadãos e com a prisão, que originalmente deveria reabilitar os
criminosos e não o faz, acaba gerando delinquentes ainda mais especializados, o
que acaba reforçando a necessidade de um poder policial. Como também reforçam o
domínio econômico e político. Sim, pois quando alguém entra na prisão, ele
torna-se um infame, rejeitado pela sociedade, logoresta-lhe somente a vida
marginal. Rapidamente um discurso sobre
esta classe social foi elaborado para convencer a sociedade de que o delinquente
rouba porque é mau.
Os cidadãos perdem muito por não
estudarem os mecanismos de poder.
Seus olhares fixaram-se sobre aqueles que “detinham-no”. Estuda-se os reis, os
generais, os políticos, os imperadores, os heróis, mas se esquecem de estudar
as redes e as correias do poder. Não se percebe como ele foi sendo construído a
partir de verdades particulares, que iam sendo criadas com fins muito bem
definidos.
É importante não perder de vista que o
foco de Michel Foucault ao falar de poder não era olhá-lo como emanante do
Estado, como que se o poder pudesse ser possuído como uma coisa. Para o autor francês as relações de poder
ultrapassam o nível estatal e se estendem e se comunicam por toda a estrutura
social. Ora, o Estado com todo seu
grande aparato tecnológico não é capaz de ocupar todo o campo de relações de
poder. Deve-se olhar para o Estado como
uma super. Estrutura em relação a toda uma série de outras redes de poder.
Segundo Foucault (2006, p.149-150):
Eu não estou querendo
dizer que o aparelho do Estado não seja importante, mas que me parece que,
entre todas as condições que se deve reunir para não recomeçar a experiência
soviética, para que o processo revolucionário não seja interrompido, uma das
primeiras coisas a compreender é que o poder não está localizado no aparelho de
Estado e que nada mudará na sociedade se os mecanismos de poder que funcionam
fora, abaixo, ao lado do aparelho de Estado a um nível muito mais elementar,
quotidiano, não forem modificados.
Observou-se, portanto, que diferentemente
dos teóricos absolutistas, Foucault entende o poder como algo que se exerce e
não como posse de um Homem ou do Estado.
Para Foucault o poder convive diretamente com a articulação de um saber
legitimador que produz mecanismos eficientes sobre os corpos individuais e
sobre o corpo social. A disciplina, ou
as técnicas disciplinares, possibilitaram o aparecimento deste Estado que se
conhece hoje, que tornou obsoleta a figura de um rei como
centro ou fonte do poder . Como também permitiu o surgimento de novos
mecanismos de poder, como a vigilância e o Biopoder[1].
Para Foucault, primeiro se fez
necessária a universalização das vontades particulares para o exercício do
poder sobre as massas. Compreende-se que o poder na verdade não existe, mas se
manifesta através de relações sociais. Não era pretensão do Filósofo Francês
teorizar o poder, mas fazer uma analítica do mesmo. Foucault compreendeu que ao
lado do aparelho estatal existe uma rede de micro poderes e que o poder é a
ação sobre as ações, é uma força que não age apenas de cima para baixo, mas que
direciona-se sim de um indivíduo para o outro e vice e versa.
As técnicas investigativas do autor para
compreender como e para que os saberes eram criados foram chamadas por ele de
estudo genealógico, criado pelo filósofo alemão Nietzsche. A partir desse estudo, o poder na visão
foucaultiana não deve ser visto no sentido jurídico, isto é, em termos
proibitórios e repressivos. Mas deve ser visto como algo que produz saber e
suscita coisas.
Objetivou-se até aqui proporcionar o
debate entre as duas visões diferentes sobre o poder. Fazer perceber o quanto o
saber depende do contexto no qual é produzido e dos interesses daqueles que o
produzem. Em Maquiavel se vê a
centralização do poder na pessoa do Príncipe. As precauções que este deveria
tomar para perpetuar o poder, já em Foucault, percebe-se que ao lado do Estado
existe uma redede micro poderes que em maior ou menor escala se articulam.
Nesse contexto, deve-se agora analisar um evento histórico que servirá como suporte
para se perceber tanto o poder na perspectiva de Maquiavel comona perspectiva
de Foucault. A Revolução Francesa é por assim dizer a grande divisora de águas
da História contemporânea, o mundo foi um antes dela e outro após seu
acontecimento. Através da Revolução de
1789 será feito o embate entre as duas filosofias aqui abordadas.
Na França havia Monarquia absolutista,
havia a figura do rei, tão apreciada por Maquiavel, havia também,intelectuais
que propagaram suas ideias iluministas e que acabaram por conduzir o povo a revolta e ao protesto contra os abusos reais.
Através da Revolução
Francesa percebe-se um Rei no trono e um povo na base. Um rei
indiferente ao sofrimento popular e um povo influenciado pelo desejo de
mudanças estruturais. Deve-se a
Revolução o espírito combativo e protestante às injustiças sociais. O povo,
como diria Maquiavel, deve ser mantido aliado do Rei, caso contrário, este não
encontrará segurança por muito tempo. O povo quando se desperta e exerce seu
poder pode até mesmo destronar um rei.
A revolução Francesa é adequada ao
diálogo proposto por ser uma luta contra a tirania de seu Príncipe, o rei Luís
XVI. É uma luta contra os símbolos do Poder, a Bastilha, os lugares públicos e
governamentais, contra os palácios, contra a coroa, contra a cabeça do
rei. Nela se vê a luta dos sujeitos, as
forças se sobrepondo. Entretanto, não se pode dizer que o povo ficou livre de
imediato e que grandes mudanças ocorreram do dia pra noite. Novos mecanismos de
poder surgem para docilizar os corpos, de maneira mais amena e inteligente.
Segundo Foucault, o povo reagiu com
violência, porque aprendeu com o rei a própria violência. É a pedagogia do
sangue. Os novos mecanismos de poder agiamsob o discurso dos direitos humanos e
da dignidade humana que motivarão o exercício de poder pelos “Marginalizados da
História”[2]
Autor : Frankcimarks Oliveira
Historiador pelas Faculdades Integradas de Patos
[1]
BIOPODER é um termo utilizado por Foucault para caracterizar os novos
métodos políticos de controle da sociedade por parte dos países capitalistas.
Em comparação com a maneira de governar do Antigo Regime, que exercia seu poder
através da morte, vê-se agora através do discurso da vida, uma maneira bem mais
eficiente e discreta de governar os homens. O Biopoder é um método disciplinar
que age diretamente nos corpos dos indivíduos, e que acaba por tornar toda a sociedade
em um corpo, um corpo coletivo.
[2]O termo “marginalizados da História” refere-se
aos indivíduos do séculoXIX na França,
mulheres e operários, usado na obra da escritora Michelle Perrot, Os
Excluídos da História.
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