sexta-feira, 14 de junho de 2013

OS MICRO PODERES NA CONCEPÇÃO DE MICHEL FOUCAULT






O objetivo deste capítulo é discorrer sobre a visão foucaultiana de poder em suas mais variadas manifestações na sociedade. Entender como e para que o poder se exerce em sociedade. Precisa-se, portanto, restringir-se as significações que o autor francês delineou para o mesmo. Logo, faz-se necessário compreender os métodos utilizados por Foucault para investigar os processos que revelam como o poder é exercido. Ressaltando antes de mais nada que Foucault não estudava o poder com fim em si mesmo, mas para a partir dele explicar como ocorre  subjetivação dos indivíduos em suas redes.
Michel Foucault é um Historiador e Filósofo francês  que ao longo de sua vida publicou diversas obras que tinham como foco a construção dos saberes, dos sujeitos e a analítica do poder. Seus escritos são divididos pelos pesquisadores como arqueológicos, genealógicos, e éticos. Segundo Fairclough(2001, p.63):


[...] Em seu trabalho arqueológico inicial, o foco era nos tipos de discurso como regras para a constituição de áreas de conhecimento. Em seus últimos estudos genealógicos, a ênfase mudou para as relações entre conhecimento e poder . E no trabalho dos últimos anos de Foucault, a preocupação era com a ética, ou como o indivíduo deve constituir-se ele próprio como sujeito moral de suas próprias ações [...]


Foucault apropriou-se dos métodos do filósofo alemão Nietzsche, isto é, afirmou seu compromisso para com o método genealógico. Como a própria palavra sugere "gênese", que não significa neste caso, um início "duro" ou origem somente, mas descobrir ou expor uma identidade primeira. É claro que esta especificação soa paradoxal, entretanto apenas aparentemente. Pode-se entender método genealógico como um conjunto de procedimentos que permite conhecer o passado para suscitar  rebelião contra o presente.
A genealogia trava seu combate contra os discursos ditos científicos que legitimam algum tipo de poder. Como isso pode ser feito? A partir da análise das muitas interpretações da História que é contada ou imposta. Então a genealogia é ou se propõe a ser a descrição das múltiplas teorias epistemológicas com seus objetivos últimos. É importante ressaltar que tal método não objetiva fundar uma ciência ou construir um sistema de investigação. A genealogia não crê em essências fixas , nem em leis universais. Apenas visa realizar análises fragmentárias. Com isso Foucault queria traçar uma genealogia das relações entre poder e saber .Mais a frente entender-se-á  seus objetivos mais especificadamente.
Este trabalho fundamenta-se na obra " A Microfísica do Poder”, edição de dois mil e seis, que  permitirá entender o que o autor vinha investigando em outros livros. Entretanto foi na obra " Vigiar e Punir" que Foucault realmente se aprofundou no assunto. Este livro é considerado um marco inaugural de sua fase genealógica . Em a microfísica do poder percebe-se que os mecanismos de poder são exercidos em todos os ângulos do aparelho de Estado. Vale frisar que o Poder é objeto de nossa pesquisa monográfica.
O poder será analisado a partir do diálogo Soberano e sociedade e os debates devem emanar deste centro. Por exemplo, como o Estado moderno construiu verdades para justificar suas práticas em relação aos homens governados. Todavia, cabe-nos também o papel de mostrar que Foucault não acreditava num monopólio de poder estatal, isto é, o Estado não detinha o poder absoluto em suas mãos, mas ao lado deste havia uma rede de micro poderes. Logo, o poder não deve ser visto como algo que flui de um centro, mas a partir dos polos ou extremidades. Portanto, a análise do Estado e o poder a ele atrelado , bem como perpassando as massas, é neste capítulo mais especificamente a visão de Foucault sobre o exercício do poder .
Para Norman Fairclough(2001, p.75):


[...] O caráter do poder nas sociedades modernas está ligado aos problemas de controle das populações. O poder é implícito nas práticas sociais cotidianas, que são distribuídas universalmente em cada nível de todos os domínios da vida social e são constantemente empregadas; além disso o poder  é tolerável somente na condição de que se mascare uma grande parte  de si mesmo. Seu sucesso é proporcional à sua habilidade para esconder seus próprios mecanismos”


Para Foucault o poder não deve ser entendido como em termos de Soberania (proibição ou imposição de uma lei). Muitos entendem ou relacionam poder a algo extremamente dotado de significado negativo e repressivo. Como também acreditam que o poder é algo que se possui e que se manipula. Para isso é necessária a presença de um indivíduo que o tenha em suas mãos e nele o centralize. Entretanto, Foucault diz que o poder se exerce e que ele não está centralizado nas mãos de um Homem, mas que funciona como uma maquinaria, não localizada, disseminada por toda a estrutura social. O poder está em toda parte , pois provém de todos os lugares.
No capítulo "Genealogia e Poder" o autor define genealogia como um conhecimento libertário, doador de capacidade opositora e de enfrentamento ao discurso científico e manipulador. No capítulo"Soberania e Disciplina" o autor buscou  discernir os mecanismos de poder. Procurou perceber a ação deste e seus efeitos em suas extremidades, isto é, nas instituições regionais e locais. Como também procurou estudar o poder pela sua face externa. Neste aspecto Foucault se opõe a Hobbes, visto que não enxerga o Soberano no topo, mas os súditos na base. Os teóricos absolutistas viam o Monarca como a alma do estado, Foucault vê o povo como tal, não negando assim o poder estatal, mas atribuindo ao povo uma participação antes não vista. Na verdade o autor não enxerga o poder como um fenômeno de dominação homogêneo de um indivíduo sobre os outros, mas como algo que circula e que funciona em cadeia, ou seja, o poder não se aplica aos homens, ele passa por eles.
O poder relaciona-se diretamente com o conhecimento ou saber, visto que necessita deste para existir ou ser exercido. Ou seja, é preciso a formulação e organização de um saber, como também a circulação destepara que haja então o exercício do poder, agora legitimado. São esses saberes que constituem e fazem emergir novas técnicas de poder capazes de atuar, como se vê mais adiante, diretamente sobre os corpos dos indivíduos. De acordo com a ênfase de Foucault na produtividade do poder, o poderdisciplinar produz o indivíduo moderno” ( FAIRCLOUGH, 2001, 78)
Mas deve- se perguntar: isso não faz do poder algo opressivo e novamente não lhe dá um significado negativo? Vejamos o que o autor diz em " Verdade e Poder"
Para Foucault (2006,p.8):


[...]O que faz com que o poder se mantenha e que seja aceito é simplesmente que ele não pesa só como uma força que diz não, mas que de fato ele permeia, produz coisas, induz ao prazer, forma saber, produz discurso. Deve-se considerá-lo como uma rede produtiva que atravessa todo o corpo social muito mais que uma instância negativa que tem por função reprimir[...]


A verdade é que o poder de fato deve ser visto como uma força , como diria a Física, que atua contra um corpo, ou melhor, como um agente capaz de alterar o estado natural de um corpo, logo para Foucault o poder é uma ação sobre ações. O que acontece é que os sujeitos estão ha muito tempo sob a docilização a qual se habituaram e mesmo que não sejam completamente obedientes a determinadas normas impostas , sabem que a disciplina é fundamental e a consideram extremamente necessária para a vida em sociedade. Fala-se aqui em disciplina dos corpos , pois ela surge em "Vigiar e Punir " como uma nova tecnologia de poder. Ela está presente nas escolas, nos exércitos, nos hospitais e surge como a forma mais útil para Estado exercer seu poder sobre os homens.
No Período medieval conhecia-se dois tipos de influências sociais, a do pastor ou sacerdote e a do Soberano. O sacerdote exercia seu poder sobre seu "rebanho" ao ponto que identificava-se com ele, visto que conhecia os indivíduos particularmente e se  “apiedava “deles. Diferentemente do Rei que não conhecia cada súdito seu e nem poderia apiedar-se deles. Esta lacuna pôde ser preenchida pelo poder disciplinar, que acabara por substituir ambos os poderes citados. Esta nova tecnologia dava conta de toda a sociedade, pois a vigiava como um pastor e punia como um rei. Logo tornou a figura do Monarca obsoleta. Ver-se-á mais adiante como essa nova tecnologia firmou-se e onde ela aplica-se mais fortemente.
Primeiramente deve-se entender bem a relação poder e saber. Foucault percebeu que os saberes se engendram para atender a vontade de um poder. O autor vai além dessa premissa , pois diz que o saber serve como correias que transmitem o próprio poder a quem serve. Logo o olhar de Foucault sobre os saberes erapara descobrir como eles surgem e para que servem.
 Ele mesmo concluiu que os saberes tornam o poder uma necessidade e gera em nós uma conformidade com essa força que atua em nós, através de nós e também contra nós . Sim, pois os corpos são os principais objetos do poder. De Veiga Neto (2005,p.118):


[...]A descrição e o entendimento de uma microfísica do poder é o horizonte da genealogia, e para chegar lá, ele adota o ponto de vista do corpo, o corpo supliciado, domesticado, marcado, mutilado, descomposto, obrigado, sujeitado, o dos corpos que são repartidos, organizados, separados e reunidos. O efeito desse micro poder é a produção de almas, produção de ideias, de saber , de moral.


Esse saber deve ser visto como uma construção histórica, que produz suas verdades, seus regimes de verdade e que se revelam nas práticas discursivas e não discursivas. Desse modo Foucault está mais uma vez transmitindo aquilo que ele bebeu da fonte filosófica alemã na pessoa de Nietzsche. Para Nietzsche tanto o saber como a verdade eram questões históricas. A verdade era algo que não podia ser encontrado aqui ou acolá, mas devia ser criada. Assim podemos compreender porque Foucault acreditava que o saber legitimava o poder, ambos eram dois lados do mesmo processo articulados pelo discurso.
Parece complicado determinar o que é poder e realmente o é. Foucault não tentou teorizá-lo, mas simplesmente analisá-lo. Pode-se dizer que o poder em si não existe, mas existem, sim, práticas em que ele se manifesta. O filósofo disse que o poder é a ação sobre as ações. Parece precipitação dizer que isso ocorre sempre de cima para baixo, como algo que se impõe. Mas não foi isso que Foucault disse. Na verdade ele se referia a vida em sociedade, onde um individuo também age sobre ações de outros indivíduos e vice e versa. Por exemplo no trabalho, na família, na igreja, etc. Logo percebe-se o poder como algo que circula ou que se transmite em rede e que não é essencialmente repressivo, pois produz, suscita coisas, como também se exerce e atua em rede social. Portanto, na sociedade existem múltiplas sujeições, em que todos agem e sofrem a ação de um poder imediato que atua diretamente nos corpos, não somente vindo do Estado ou de um Soberano. Para Fairclough (2001, p.82-83):


[...]Foucault é acusado de exagerar a extensão na qual a maioria das pessoas é manipulada pelo poder; ele é acusado de não dar bastante peso a contestação das práticas, às lutas das forças sociais entre si, às possibilidades de grupos dominados se oporem a sistemas discursivos e não discursivos dominantes, às possibilidades de propiciar a mudança nas relações de poder mediante a luta, e assim por diante [...]


Quando se fala em corpo, fala-se do corpo individual, que será alvo desta força a qual nomeou-se poder. Entretanto no decorrer do século XIX a própria sociedade será tratada como um corpo, ou seja, um corpo social. Mais explicitamente através da eliminação dos doentes, do controle dos contagiosos e da exclusão dos delinquentes.
O que fez surgir este corpo coletivo foi a materialidade do poder se exercendo sobre cada indivíduo, primeiramente universalizando as vontades particulares.  Foucault dizia que nada era mais corporal que o exercício do poder. O que se vê em repartições públicas é a prática direta do poder sobre os cidadãos. A escola, por exemplo, é o lugar onde  é ensinada a disciplina e a sujeição dos corpos a um sistema muito bem estruturado para a aprendizagem e a fabricação de uma mão de obra barata .
Foi a partir de um olhar sobre essas instituições que o autor procurou compreender os efeitos do poder sobre os corpos e percebeu que o poder está além de um poder repressor, pois então seria muito frágil e facilmente questionado, todavia ele é forte porque também produz efeitos positivos. Ora, o próprio poder produz saber. Entretanto, algumas críticas são feitas a Foucault.  Ainda que o autor defenda que o poder é positivo, muitas vezes temos a impressão contrária. Segundo Fairclough(2001, p.83):


[...] Na totalidade de seu trabalho e nas análises principais, a impressão dominante é das pessoas desamparadamente assujeitadas a sistemas imóveis de poder. Foucault certamente insiste que o poder necessariamente acarreta resistência, mas ele dá a impressão de que a resistência é geralmente contida pelo poder e não representa ameaça. [...]


Para Foucault o que devia ser entendido eram os mecanismos de poder .  Enxergar as correias mais extremas que permitiam a operação do poder nos níveis mais elementares e quotidianos da sociedade.  Estaria aqui o papel do intelectual para o filósofo. Ele acreditava que os intelectuais deviam apenas fornecer os instrumentos de análise para o povo: De acordo com Foucault (2006, p.151):


[...]Trata-se com efeito, de ter do presente uma percepção densa, de longo alcance, que permita localizar onde estão os pontos frágeis e os pontos fortes, a que estão ligados os poderes- segundo uma organização que já tem cento e cinquenta anos- onde eles se implantaram. Em outros termos, fazer um sumário topográfico e geológico da batalha...Eis aí o papel do intelectual. Mas de maneira alguma, dizer: eis o que vocês devem fazer!


Estes mesmos intelectuais descobriram que as massas não necessitavam deles para saber. O povo não precisa que lhe digam o que é uma prisão, pois ele próprio já tem sua teoria e discursos sobre a mesma. Precisam, sim, como fora dito anteriormente, de uma análise mais sólida e substancial, mas não necessitam de que lhe deem ordens. As massas como um todo interessam-se por estes assuntos que direta ou indiretamente lhe envolvem.
Tratando-se da prisão, por exemplo, não só os presidiários tem algo a dizer sobre esta instituição, isto é, um contra discurso, mas a população, até certo ponto. Talvez porque a prisão seja uma das maiores manifestações de poder que se tenha notícia hoje. Segundo Foucault (2006,p.73):


O que é fascinante nas prisões é que nelas o poder não se esconde, não se mascara cinicamente, se mostra como tirania levada aos mais ínfimos detalhes, e ao mesmo tempo, é puro, é inteiramente “ justificável” visto que pode inteiramente se formular no interior de uma moral que serve de adorno a seu exercício: sua tirania brutal aparece então como dominação serena do bem sobre o mal, da ordem sobre a desordem.


As massas reagem porque percebem ,neste exemplo mais claramente, que o poder se exerce em detrimento do povo.  Logo , esta luta não ocorre contra a injustiça, mas contra o próprio poder exercido judicialmente.  Foucault classificou o poder como algo enigmático, presente e ao mesmo tempo oculto, visível e invisível, totalmente onipresente.  Disse que o mesmo era exercido em determinada direção, todavia não se sabia por quem, mas apenas conhecia-se quem não o possuía. Desejar o poder, não implica em tê-lo.  E por mais que muitas vezes o poder pareça agir contra as massas, essas sempre desejam que alguém o exerça sobre elas.
Para Foucault (2006, p.75)


[...] o que é poder? Afinal de contas, foi preciso esperar o séc. XIX para saber o que era exploração, mas talvez ainda não se saiba o que é poder. E Marx e Freud talvez não sejam suficientes para nos ajudar conhecer esta coisa tão enigmática, ao mesmo tempo visível e invisível, presente e oculta, investida em toda parte, que se chama poder[...]


Para o melhor exercício deste poder fora necessária a elaboração de uma nova tecnologia que permitisse um “controle” mais efetivo dos corpos. No texto “ O olho do Poder”, o autor revela como a vigilância pública emergiu como um instrumento extremamente eficaz para o exercício do poder.  Foi necessária também uma reorganização dos espaços públicos para fins econômicos e políticos. Ora, estes dois mecanismos possibilitaram ao Estado um poder onipresente que acabou por modificar a vida e os costumes individuais das pessoas.  O olhar onipresente (Panopticon) causa ou promove a restrição das vontades particulares e a liberdade para fazer o mal. Este artifício exigiu uma pequeníssima despesa para o aparelho estatal. ( sem armas, violência ou coações materiais). A vigilância permitiu a interiorização pelo olhar, isto é, a vigilância pessoal. Através deste sistema todos são vigiados mutuamente, logo é um aparelho de desconfiança.
Hoje esta realidade está cada vez mais aguçada. Cada vez mais os indivíduos são restringidos e vigiados pelas lentes fotográficas dos celulares, das câmeras filmadoras de segurança das ruas e dos condomínios residenciais. Não é somente o Estado que policia, mas a vizinhança também exerce essa função de vigilância.. Ora, a vigilância é bem mais eficaz e rentável que a punição. É por assim dizer um eficiente mecanismo de poder.
Com a vigilância onipresente o estado enquadra os cidadãos e com a prisão, que originalmente deveria reabilitar os criminosos e não o faz, acaba gerando delinquentes ainda mais especializados, o que acaba reforçando a necessidade de um poder policial. Como também reforçam o domínio econômico e político. Sim, pois quando alguém entra na prisão, ele torna-se um infame, rejeitado pela sociedade, logoresta-lhe somente a vida marginal.  Rapidamente um discurso sobre esta classe social foi elaborado para convencer a sociedade de que o delinquente rouba porque é mau.
Os cidadãos perdem muito por não estudarem  os mecanismos de poder. Seus olhares fixaram-se sobre aqueles que “detinham-no”. Estuda-se os reis, os generais, os políticos, os imperadores, os heróis, mas se esquecem de estudar as redes e as correias do poder. Não se percebe como ele foi sendo construído a partir de verdades particulares, que iam sendo criadas com fins muito bem definidos.
É importante não perder de vista que o foco de Michel Foucault ao falar de poder não era olhá-lo como emanante do Estado, como que se o poder pudesse ser possuído como uma coisa.  Para o autor francês as relações de poder ultrapassam o nível estatal e se estendem e se comunicam por toda a estrutura social.  Ora, o Estado com todo seu grande aparato tecnológico não é capaz de ocupar todo o campo de relações de poder.  Deve-se olhar para o Estado como uma super. Estrutura em relação a toda uma série de outras redes de poder.
Segundo Foucault (2006, p.149-150):


Eu não estou querendo dizer que o aparelho do Estado não seja importante, mas que me parece que, entre todas as condições que se deve reunir para não recomeçar a experiência soviética, para que o processo revolucionário não seja interrompido, uma das primeiras coisas a compreender é que o poder não está localizado no aparelho de Estado e que nada mudará na sociedade se os mecanismos de poder que funcionam fora, abaixo, ao lado do aparelho de Estado a um nível muito mais elementar, quotidiano, não forem modificados.


Observou-se, portanto, que diferentemente dos teóricos absolutistas, Foucault entende o poder como algo que se exerce e não como posse de um Homem ou do Estado.   Para Foucault o poder convive diretamente com a articulação de um saber legitimador que produz mecanismos eficientes sobre os corpos individuais e sobre o corpo social.  A disciplina, ou as técnicas disciplinares, possibilitaram o aparecimento deste Estado que se conhece hoje,  que  tornou obsoleta a figura de um rei como centro ou fonte do poder . Como também permitiu o surgimento de novos mecanismos de poder, como a vigilância e o Biopoder[1].
Para Foucault, primeiro se fez necessária a universalização das vontades particulares para o exercício do poder sobre as massas. Compreende-se que o poder na verdade não existe, mas se manifesta através de relações sociais. Não era pretensão do Filósofo Francês teorizar o poder, mas fazer uma analítica do mesmo. Foucault compreendeu que ao lado do aparelho estatal existe uma rede de micro poderes e que o poder é a ação sobre as ações, é uma força que não age apenas de cima para baixo, mas que direciona-se sim de um indivíduo para o outro e vice e versa.
As técnicas investigativas do autor para compreender como e para que os saberes eram criados foram chamadas por ele de estudo genealógico, criado pelo filósofo alemão Nietzsche.  A partir desse estudo, o poder na visão foucaultiana não deve ser visto no sentido jurídico, isto é, em termos proibitórios e repressivos. Mas deve ser visto como algo que produz saber e suscita coisas.
Objetivou-se até aqui proporcionar o debate entre as duas visões diferentes sobre o poder. Fazer perceber o quanto o saber depende do contexto no qual é produzido e dos interesses daqueles que o produzem.  Em Maquiavel se vê a centralização do poder na pessoa do Príncipe. As precauções que este deveria tomar para perpetuar o poder, já em Foucault, percebe-se que ao lado do Estado existe uma redede micro poderes que em maior ou menor escala se articulam. Nesse contexto, deve-se agora analisar um evento histórico que servirá como suporte para se perceber tanto o poder na perspectiva de Maquiavel comona perspectiva de Foucault. A Revolução Francesa é por assim dizer a grande divisora de águas da História contemporânea, o mundo foi um antes dela e outro após seu acontecimento.  Através da Revolução de 1789 será feito o embate entre as duas filosofias aqui abordadas.
Na França havia Monarquia absolutista, havia a figura do rei, tão apreciada por Maquiavel, havia também,intelectuais que propagaram suas ideias iluministas e que acabaram  por conduzir o povo a revolta e ao protesto  contra os abusos reais.
Através da Revolução Francesa percebe-se um  Rei  no trono e um povo na base. Um rei indiferente ao sofrimento popular e um povo influenciado pelo desejo de mudanças estruturais.  Deve-se a Revolução o espírito combativo e protestante às injustiças sociais. O povo, como diria Maquiavel, deve ser mantido aliado do Rei, caso contrário, este não encontrará segurança por muito tempo. O povo quando se desperta e exerce seu poder pode até mesmo destronar um  rei.
A revolução Francesa é adequada ao diálogo proposto por ser uma luta contra a tirania de seu Príncipe, o rei Luís XVI. É uma luta contra os símbolos do Poder, a Bastilha, os lugares públicos e governamentais, contra os palácios, contra a coroa, contra a cabeça do rei.  Nela se vê a luta dos sujeitos, as forças se sobrepondo. Entretanto, não se pode dizer que o povo ficou livre de imediato e que grandes mudanças ocorreram do dia pra noite. Novos mecanismos de poder surgem para docilizar os corpos, de maneira mais amena e inteligente.
Segundo Foucault, o povo reagiu com violência, porque aprendeu com o rei a própria violência. É a pedagogia do sangue. Os novos mecanismos de poder agiamsob o discurso dos direitos humanos e da dignidade humana que motivarão o exercício de poder pelos “Marginalizados da História”[2]




 Autor : Frankcimarks Oliveira
 Historiador pelas Faculdades Integradas de Patos






[1]  BIOPODER é um termo utilizado por Foucault para caracterizar os novos métodos políticos de controle da sociedade por parte dos países capitalistas. Em comparação com a maneira de governar do Antigo Regime, que exercia seu poder através da morte, vê-se agora através do discurso da vida, uma maneira bem mais eficiente e discreta de governar os homens. O Biopoder é um método disciplinar que age diretamente nos corpos dos indivíduos, e que acaba por tornar toda a sociedade em um corpo, um corpo coletivo.
[2]O termo “marginalizados da História” refere-se aos indivíduos do séculoXIX na França,  mulheres e operários, usado na obra da escritora Michelle Perrot, Os Excluídos da História.

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