terça-feira, 6 de novembro de 2012

O Macro e os Micro poderes: Uma análise da obra de Maquiavel e Foucault




OBJETIVO GERAL

Compreender as concepções de poder a partir das obras de Maquiavel e Foucault.

             OBJETIVOS ESPECÍFICOS:

1-      Analisar a obra “ O príncipe “de Nicolau Maquiavel tendo em foco sua compreensão de poder centralizado;
2-      Analisar a obra “ A microfísica do Poder” de Michel Foucault tendo em vista sua compreensão de poder descentralizado;
3-      Discorrer sobre o exercício do poder pelos “marginalizados”

 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA


Quem nunca ouviu a expressão " Fulano é Maquiavélico "? Pois é, até mesmo aqueles que nunca leram uma obra do autor florentino Nicolau Maquiavel já se depararam falando essa expressão, que implica em algo maligno, diabólico e totalmente anticristão. Mas o que nos levou a  esse senso comum sobre  o pensamento daquele que é considerado o pai da política moderna? Alguns se põe  ao lado do escritor italiano, defendendo-o e argumentando que ele fora muito mal compreendido por seus comentaristas.  Por exemplo Rousseau, que disse em " o contrato social" que o Florentino mesmo se dirigindo aos governantes ,ensinava ao povo grandes lições de liberdade. Outros pelo contrário, sustentam que suas idéias acabaram se tornando a inspiração para as maiores ditaduras do mundo moderno, feitas por homens tiranos e sem escrúpulos, que viram em sua principal obra " O príncipe" ,o alicerce intelectual para o exercício do poder sobre as massas, com a desculpa de que a ordem no Estado só se efetivaria com a força de um "Homem proeminente". Portanto, vemos a capacidade desta obra de gerar nos indivíduos que a lêem os mais contraditórios sentimentos, do amor ao ódio, da estranheza à admiração .É por causa de toda a repercussão desta obra, que há mais de quinhentos anos tem suscitado opiniões diversas sobre o assunto, que nos propomos a debater o pensamento filosófico de Maquiavel. Seu livro mais se parece com um manual de instruções para um príncipe que deverá seguir a risca seus conselhos para ser bem sucedido durante o período em que estiver no poder. Devemos entender príncipe como um termo que se refere a qualquer função que exija liderança                                                                                           ( governadores, senhores feudais, reis, condes, duques e presidentes)
[...] O que se poderia dizer de um livro que deixou a muitos perplexos pelos conceitos expostos, que deixou a muitos revoltados com os ataques deferidos pelo autor contra princípios morais e cristãos considerados intocáveis, mas que deixou a muitos sumamente satisfeitos pela visão história e política desse intelecto privilegiado e brilhante? ( Mioranza, 2008. p.9)

Pretendemos também uma análise da obra a partir da visão que o autor tinha acerca do poder. Veremos  que para Maquiavel o poder ou a força  nas mãos de um homem era de extrema importância para o bem comum da sociedade .O autor via a monarquia soberana ou absolutista como fundamental para um contexto como o seu , visto que as mazelas e a corrupção do gênero humano precisariam ser extirpadas e então a população  deveria ser reeducada para assim viver a República.

Na visão do autor florentino a política era o meio pelo qual o inferno seria evitado, ainda que não levasse ninguém ao céu. Sem o auxilio dela o príncipe estaria fadado ao fracasso. Ele teria de compreender bem a natureza humana e seus vícios, que para Maquiavel era imutável, para administrar eficazmente seu reino. A história, sempre repetitiva, deveria ser sua amiga mestra, pois ela lhe ensinaria grandes lições sobre o passado, e poderia prevenir-lhe de erros no presente para que seu futuro fosse seguro e garantido. Ao  apropriar-se dos grandes acontecimentos passados o príncipe poderia  guiar-se de forma mais prudente. Ele perceberia que o homem é naturalmente anárquico e não quer ser dominado. Entretanto, ele, o príncipe, deseja governar, logo isto resultaria em caos. O que fazer?   Ora, o governante deve se por diante do povo não como um ditador ou tirano, mas como um fundador do Estado, ou  melhor ainda, uma espécie de salvador transitório de sua sociedade. O que legitima o poder soberano para Maquiavel é exatamente este caos resultante das vontades opostas, de dominar e não ser dominado, que se faz necessário  como ferramenta educadora.

Para Maquiavel o poder estava relacionado a força e ela era necessária para o Príncipe conquistar aquilo que ele queria, porém apenas a força ou este tipo de poder não era suficiente para que ele se mantivesse no governo. O príncipe deveria possuir virtude, não aquela cristã relacionada a moral, mas aquela virtude contemplada pelos clássicos, capaz de atrair a atenção e o favor da deusa Fortuna e suas muitas riquezas. A virtude mantém o poder, por isso o governante deve buscá-la a todo preço. Ele deve criar as instituições necessárias capazes de facilitar seu domínio. Do mesmo modo deve abrir mão de tudo aquilo que lhe impeça de manter a ordem. Se for preciso utilizar dos vícios mais vis para este fim, então ele deverá fazê-lo.

Já em a Micro física do Poder, de Michel Foucault, percebemos que os mecanismos de poder são exercidos em todos os ângulos do aparelho de Estado. Vale frisar que o Estado é objeto de nossa pesquisa monográfica. O poder será analisado a partir deste e os debates devem emanar deste centro. Por exemplo, como o Estado moderno construiu verdades para justificar suas práticas em relação aos homens governados. Todavia, cabe-nos também o papel de mostrar que Foucault não cria num monopólio de poder estatal, isto é, o Estado não detinha o poder absoluto em suas mãos, mas ao lado deste havia uma rede de micro poderes. Logo, o poder não deve ser visto como algo que flui de um centro, mas a partir dos pólos ou extremidades. Portanto analisaremos o Estado e o poder a ele atrelado, e neste capítulo, “Os intelectuais e o Poder “, mais especificamente a visão de Foucault sobre o exercício do poder.

[...] o que é poder? Afinal de contas, foi preciso esperar o séc. XIX para saber o que era exploração, mas talvez ainda não se saiba o que é poder. E Marx e Freud talvez não sejam suficientes para nos ajudar a conhecer esta coisa tão enigmática, ao mesmo tempo visível e invisível, presente e oculta, investida em toda parte, que se chama poder [...](FOUCALT, 2006 p 75)

Para Foucault o poder não deve ser entendido como em termos de Soberania                       (proibição ou imposição de uma lei). Muitos entendem ou relacionam poder a algo extremamente dotado de significado negativo e repressivo. Como também acreditam que o poder é algo que se possui e que se manipula. Para isso é necessária a presença de um indivíduo que o tenha em suas mãos e nele o centralize. Entretanto, Foucault diz que o poder se exerce e que ele não está centralizado nas mãos de um Homem, mas que funciona como uma maquinaria, não localizada, disseminada por toda a estrutura social. O poder está em toda parte , pois provém de todos os lugares. Vejamos o que Michel Foucault diz sobre o assunto no  capítulo “ Poder e Corpo” da referida obra analisada.
[...] Eu não estou querendo dizer que o aparelho do Estado não seja importante, mas que me parece que, entre todas as condições que se deve reunir para não recomeçar a experiência soviética, para que o processo revolucionário não seja interrompido, uma das primeiras coisas a compreender é que o poder não está localizado no aparelho de Estado e que nada mudará na sociedade se os mecanismos de poder que funcionam fora, abaixo, ao lado do aparelho de Estado a um nível muito mais elementar, quotidiano, não forem modificados.(FOUCAULT, 2006, p 149-150)

No capítulo " Soberania e Disciplina " o autor tentou discernir os mecanismos de poder. Procurou  perceber a ação deste e seus efeitos em suas extremidades, isto é, nas instituições regionais e locais. Como também procurou estudar o poder pela sua face externa. Neste aspecto Foucault se opõe a Hobbes, outro pensador absolutista, visto que não enxerga o Soberano no topo, mas os súditos na base. Os teóricos absolutistas viam o Monarca como a alma do estado, Foucault vê o povo como tal, não negando assim o poder estatal, mas atribuindo ao povo uma participação antes não vista. Na verdade o autor não enxerga o poder como um fenômeno de dominação homogêneo de um indivíduo sobre os outros, mas como algo que circula e que funciona em cadeia, ou seja, o poder não se aplica aos homens, ele passa por eles. 
Parece complicado determinarmos o que é poder e realmente o é. Foucault não tentou teorizar o poder, mas simplesmente analisá-lo. Podemos dizer que o poder em si não existe, mas existem, sim, práticas em que ele se manifesta. O filósofo disse que o poder é a ação sobre as ações. Poderíamos incorrer em precipitação ao dizermos que isso ocorre sempre de cima para baixo, como algo que se impõe. Mas não foi isso que Foucault disse. Na verdade ele se referia a vida em sociedade, onde um individuo também age sobre ações de outros indivíduos e vice e versa. Por exemplo no trabalho, na família, na igreja, etc. Logo percebemos o poder como algo que circula ou que se transmite em rede e que não é essencialmente repressivo, pois produz, suscita coisas, como também se exerce e atua em rede social. Portanto, na sociedade existem múltiplas sujeições, em que todos nós agimos e sofremos a ação de um poder  imediato que atua diretamente em nós, isto é, em nossos corpos, não somente vindo do Estado ou de um Soberano.

Nesta mesma perspectiva  de manifestação do poder, escreve Michelle Perrot. E baseado em alguns de seus textos abordaremos o exercício do poder pelos " marginalizados", isto é, operários, mulheres e prisioneiros.  O Poder disciplinar dentro das fábricas européias do século XIX, por exemplo, acabou por promover as greves  operárias. A greve, então, deve ser vista como uma forma ou mecanismo utilizado pelas massas para reivindicar  melhores condições de trabalho e de vida.
Tantas vezes os trabalhadores levantaram-se contra a modernização das fábricas. Temiam ser substituídos pelas máquinas, temiam perder o lugar que lhes pertencia a gerações. Por isso mesmo não foram poucas as vezes que os mesmos quebraram aquelas que se  tornariam um símbolo do poder burguês. Negavam-se a dividir o mesmo espaço com estas que ameaçavam seu sustento. Principalmente com as grandes máquinas.

Não podemos cometer o pecado de excluirmos as mulheres da história das reivindicações. Aliás, por muito tempo elas foram silenciadas ou porque não dizermos excluídas da História Geral. Sempre vista como improdutiva, a mulher  fora formada pelo homem através de um discurso machista.  No século XIX , principalmente na França , a mulher deveria estar reclusa em sua casa, ser uma boa mãe e cuidar bem de seu esposo, que todos os dias ia buscar o sustento do lar nas fábricas e indústrias modernas. O que podemos dizer de fato é que a mulher foi e continua sendo vítima da história feita pelos dominantes. Entretanto, vemos também no século XIX uma mulher francesa que luta, que reivindica, que reclama e , logo, exerce poder.  Ela, gestora da vida cotidiana, fazedora de trabalhos domésticos, mas portadora de uma voz e de uma vontade de mudança,. Conseguiu o direito de administrar os salários de seus maridos.  Também se revoltaram contra a modernidade inglesa, quebrando máquinas de tecelagem e etc. As máquinas não eram, portanto, apenas inimigas dos homens, isto é, dos maridos, mas também das mulheres, as esposas, que souberam exercer seu poder em forma de protesto, de luddismo,  isto é, a destruição das máquinas industriais , de marchas etc.
A administração do salário é, sem dúvida, uma difícil conquista das mulheres, resultado de uma luta cheia de ciladas, onde o patronato, cioso em favorecer o “bom” uso do salário, por vezes estendeu às mulheres uma mão generosamente compassiva [...](PERROT, 1992 p. 191-192) 

E por fim não deveríamos deixar de citar o caso que nos parece ser o “maior” arquétipo do exercício do poder dessa sociedade contemporânea: a revolução francesa de 1789. No século XVIII  vemos a culminação de um processo histórico insustentável de abusos e exploração dos pobres por parte da nobreza francesa. Por muitos anos o terceiro estado carregou em suas costas todo o esplendor e ostentação dos membros nobres da corte francesa. Era seu suor e trabalho que mantinham a vida regalada dos senhores de terras. Porém, com a crise financeira que a França enfrentava e diversos fatores que propiciaram revoltas e motins populares, a coroa do rei Luís XVI só poderia rolar pelo chão. É por isso que a revolução francesa é tão instigante. O povo luta contra o rei, seu algoz maior. Aquele que era símbolo de poder e favor divino, torna-se aos olhos do povo um grande inimigo. 

Quem teria razão nesta grande discussão, Maquiavel ou Foucault? Talvez aos olhos de Maquiavel,  Luís XVI não foi um homem de virtú, fora incapaz de governar seu povo e por não ganhar sua empatia, fora decapitado. Mas , segundo Foucault, a revolução seria a prova de que o poder não pertence ao Estado ou a um homem, mas é exercido por todos. O povo é soberano!


 Bibliografia:

 FOUCAULT, Michel. A microfísica do poder; organização e tradução Roberto Machado. Rio de Janeiro,   Graal, 22 ed. 2006.

FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: história da violência nas prisões. Tradução de Raquel Ramalhete; Petrópoles, . Editora Vozes.26 ed 2002.
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 MAQUIAVEL, Nicolau. O príncipe. Tradução Ciro Mioranza.São Paulo: Editora Escala.3 ed.  2008

SADEK, Maria Teresa. Nicolau Maquiavel: o cidadão sem fortuna, o intelectual de Virtú; WEFORT, Francisco C. Os clássicos da Política vol. 1.São Paulo. Editora Atica.2001


 NETO, Alfredo Veiga. Foucault e a educação. São Paulo: editora  Autêntica. 2 ed. 2005.

                                          PERROT, Michelle. Os excluídos da História: operários, mulheres e prisioneiros.  Tradução Denise Bottmann, Rio de Janeiro,  Paz e terra. 2  ed.1992.


  Frankcimarks C. de Oliveira
  Licenciado em História Pela Faculdade Integrada de Patos

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