sexta-feira, 14 de junho de 2013

OS MICRO PODERES NA CONCEPÇÃO DE MICHEL FOUCAULT






O objetivo deste capítulo é discorrer sobre a visão foucaultiana de poder em suas mais variadas manifestações na sociedade. Entender como e para que o poder se exerce em sociedade. Precisa-se, portanto, restringir-se as significações que o autor francês delineou para o mesmo. Logo, faz-se necessário compreender os métodos utilizados por Foucault para investigar os processos que revelam como o poder é exercido. Ressaltando antes de mais nada que Foucault não estudava o poder com fim em si mesmo, mas para a partir dele explicar como ocorre  subjetivação dos indivíduos em suas redes.
Michel Foucault é um Historiador e Filósofo francês  que ao longo de sua vida publicou diversas obras que tinham como foco a construção dos saberes, dos sujeitos e a analítica do poder. Seus escritos são divididos pelos pesquisadores como arqueológicos, genealógicos, e éticos. Segundo Fairclough(2001, p.63):


[...] Em seu trabalho arqueológico inicial, o foco era nos tipos de discurso como regras para a constituição de áreas de conhecimento. Em seus últimos estudos genealógicos, a ênfase mudou para as relações entre conhecimento e poder . E no trabalho dos últimos anos de Foucault, a preocupação era com a ética, ou como o indivíduo deve constituir-se ele próprio como sujeito moral de suas próprias ações [...]


Foucault apropriou-se dos métodos do filósofo alemão Nietzsche, isto é, afirmou seu compromisso para com o método genealógico. Como a própria palavra sugere "gênese", que não significa neste caso, um início "duro" ou origem somente, mas descobrir ou expor uma identidade primeira. É claro que esta especificação soa paradoxal, entretanto apenas aparentemente. Pode-se entender método genealógico como um conjunto de procedimentos que permite conhecer o passado para suscitar  rebelião contra o presente.
A genealogia trava seu combate contra os discursos ditos científicos que legitimam algum tipo de poder. Como isso pode ser feito? A partir da análise das muitas interpretações da História que é contada ou imposta. Então a genealogia é ou se propõe a ser a descrição das múltiplas teorias epistemológicas com seus objetivos últimos. É importante ressaltar que tal método não objetiva fundar uma ciência ou construir um sistema de investigação. A genealogia não crê em essências fixas , nem em leis universais. Apenas visa realizar análises fragmentárias. Com isso Foucault queria traçar uma genealogia das relações entre poder e saber .Mais a frente entender-se-á  seus objetivos mais especificadamente.
Este trabalho fundamenta-se na obra " A Microfísica do Poder”, edição de dois mil e seis, que  permitirá entender o que o autor vinha investigando em outros livros. Entretanto foi na obra " Vigiar e Punir" que Foucault realmente se aprofundou no assunto. Este livro é considerado um marco inaugural de sua fase genealógica . Em a microfísica do poder percebe-se que os mecanismos de poder são exercidos em todos os ângulos do aparelho de Estado. Vale frisar que o Poder é objeto de nossa pesquisa monográfica.
O poder será analisado a partir do diálogo Soberano e sociedade e os debates devem emanar deste centro. Por exemplo, como o Estado moderno construiu verdades para justificar suas práticas em relação aos homens governados. Todavia, cabe-nos também o papel de mostrar que Foucault não acreditava num monopólio de poder estatal, isto é, o Estado não detinha o poder absoluto em suas mãos, mas ao lado deste havia uma rede de micro poderes. Logo, o poder não deve ser visto como algo que flui de um centro, mas a partir dos polos ou extremidades. Portanto, a análise do Estado e o poder a ele atrelado , bem como perpassando as massas, é neste capítulo mais especificamente a visão de Foucault sobre o exercício do poder .
Para Norman Fairclough(2001, p.75):


[...] O caráter do poder nas sociedades modernas está ligado aos problemas de controle das populações. O poder é implícito nas práticas sociais cotidianas, que são distribuídas universalmente em cada nível de todos os domínios da vida social e são constantemente empregadas; além disso o poder  é tolerável somente na condição de que se mascare uma grande parte  de si mesmo. Seu sucesso é proporcional à sua habilidade para esconder seus próprios mecanismos”


Para Foucault o poder não deve ser entendido como em termos de Soberania (proibição ou imposição de uma lei). Muitos entendem ou relacionam poder a algo extremamente dotado de significado negativo e repressivo. Como também acreditam que o poder é algo que se possui e que se manipula. Para isso é necessária a presença de um indivíduo que o tenha em suas mãos e nele o centralize. Entretanto, Foucault diz que o poder se exerce e que ele não está centralizado nas mãos de um Homem, mas que funciona como uma maquinaria, não localizada, disseminada por toda a estrutura social. O poder está em toda parte , pois provém de todos os lugares.
No capítulo "Genealogia e Poder" o autor define genealogia como um conhecimento libertário, doador de capacidade opositora e de enfrentamento ao discurso científico e manipulador. No capítulo"Soberania e Disciplina" o autor buscou  discernir os mecanismos de poder. Procurou perceber a ação deste e seus efeitos em suas extremidades, isto é, nas instituições regionais e locais. Como também procurou estudar o poder pela sua face externa. Neste aspecto Foucault se opõe a Hobbes, visto que não enxerga o Soberano no topo, mas os súditos na base. Os teóricos absolutistas viam o Monarca como a alma do estado, Foucault vê o povo como tal, não negando assim o poder estatal, mas atribuindo ao povo uma participação antes não vista. Na verdade o autor não enxerga o poder como um fenômeno de dominação homogêneo de um indivíduo sobre os outros, mas como algo que circula e que funciona em cadeia, ou seja, o poder não se aplica aos homens, ele passa por eles.
O poder relaciona-se diretamente com o conhecimento ou saber, visto que necessita deste para existir ou ser exercido. Ou seja, é preciso a formulação e organização de um saber, como também a circulação destepara que haja então o exercício do poder, agora legitimado. São esses saberes que constituem e fazem emergir novas técnicas de poder capazes de atuar, como se vê mais adiante, diretamente sobre os corpos dos indivíduos. De acordo com a ênfase de Foucault na produtividade do poder, o poderdisciplinar produz o indivíduo moderno” ( FAIRCLOUGH, 2001, 78)
Mas deve- se perguntar: isso não faz do poder algo opressivo e novamente não lhe dá um significado negativo? Vejamos o que o autor diz em " Verdade e Poder"
Para Foucault (2006,p.8):


[...]O que faz com que o poder se mantenha e que seja aceito é simplesmente que ele não pesa só como uma força que diz não, mas que de fato ele permeia, produz coisas, induz ao prazer, forma saber, produz discurso. Deve-se considerá-lo como uma rede produtiva que atravessa todo o corpo social muito mais que uma instância negativa que tem por função reprimir[...]


A verdade é que o poder de fato deve ser visto como uma força , como diria a Física, que atua contra um corpo, ou melhor, como um agente capaz de alterar o estado natural de um corpo, logo para Foucault o poder é uma ação sobre ações. O que acontece é que os sujeitos estão ha muito tempo sob a docilização a qual se habituaram e mesmo que não sejam completamente obedientes a determinadas normas impostas , sabem que a disciplina é fundamental e a consideram extremamente necessária para a vida em sociedade. Fala-se aqui em disciplina dos corpos , pois ela surge em "Vigiar e Punir " como uma nova tecnologia de poder. Ela está presente nas escolas, nos exércitos, nos hospitais e surge como a forma mais útil para Estado exercer seu poder sobre os homens.
No Período medieval conhecia-se dois tipos de influências sociais, a do pastor ou sacerdote e a do Soberano. O sacerdote exercia seu poder sobre seu "rebanho" ao ponto que identificava-se com ele, visto que conhecia os indivíduos particularmente e se  “apiedava “deles. Diferentemente do Rei que não conhecia cada súdito seu e nem poderia apiedar-se deles. Esta lacuna pôde ser preenchida pelo poder disciplinar, que acabara por substituir ambos os poderes citados. Esta nova tecnologia dava conta de toda a sociedade, pois a vigiava como um pastor e punia como um rei. Logo tornou a figura do Monarca obsoleta. Ver-se-á mais adiante como essa nova tecnologia firmou-se e onde ela aplica-se mais fortemente.
Primeiramente deve-se entender bem a relação poder e saber. Foucault percebeu que os saberes se engendram para atender a vontade de um poder. O autor vai além dessa premissa , pois diz que o saber serve como correias que transmitem o próprio poder a quem serve. Logo o olhar de Foucault sobre os saberes erapara descobrir como eles surgem e para que servem.
 Ele mesmo concluiu que os saberes tornam o poder uma necessidade e gera em nós uma conformidade com essa força que atua em nós, através de nós e também contra nós . Sim, pois os corpos são os principais objetos do poder. De Veiga Neto (2005,p.118):


[...]A descrição e o entendimento de uma microfísica do poder é o horizonte da genealogia, e para chegar lá, ele adota o ponto de vista do corpo, o corpo supliciado, domesticado, marcado, mutilado, descomposto, obrigado, sujeitado, o dos corpos que são repartidos, organizados, separados e reunidos. O efeito desse micro poder é a produção de almas, produção de ideias, de saber , de moral.


Esse saber deve ser visto como uma construção histórica, que produz suas verdades, seus regimes de verdade e que se revelam nas práticas discursivas e não discursivas. Desse modo Foucault está mais uma vez transmitindo aquilo que ele bebeu da fonte filosófica alemã na pessoa de Nietzsche. Para Nietzsche tanto o saber como a verdade eram questões históricas. A verdade era algo que não podia ser encontrado aqui ou acolá, mas devia ser criada. Assim podemos compreender porque Foucault acreditava que o saber legitimava o poder, ambos eram dois lados do mesmo processo articulados pelo discurso.
Parece complicado determinar o que é poder e realmente o é. Foucault não tentou teorizá-lo, mas simplesmente analisá-lo. Pode-se dizer que o poder em si não existe, mas existem, sim, práticas em que ele se manifesta. O filósofo disse que o poder é a ação sobre as ações. Parece precipitação dizer que isso ocorre sempre de cima para baixo, como algo que se impõe. Mas não foi isso que Foucault disse. Na verdade ele se referia a vida em sociedade, onde um individuo também age sobre ações de outros indivíduos e vice e versa. Por exemplo no trabalho, na família, na igreja, etc. Logo percebe-se o poder como algo que circula ou que se transmite em rede e que não é essencialmente repressivo, pois produz, suscita coisas, como também se exerce e atua em rede social. Portanto, na sociedade existem múltiplas sujeições, em que todos agem e sofrem a ação de um poder imediato que atua diretamente nos corpos, não somente vindo do Estado ou de um Soberano. Para Fairclough (2001, p.82-83):


[...]Foucault é acusado de exagerar a extensão na qual a maioria das pessoas é manipulada pelo poder; ele é acusado de não dar bastante peso a contestação das práticas, às lutas das forças sociais entre si, às possibilidades de grupos dominados se oporem a sistemas discursivos e não discursivos dominantes, às possibilidades de propiciar a mudança nas relações de poder mediante a luta, e assim por diante [...]


Quando se fala em corpo, fala-se do corpo individual, que será alvo desta força a qual nomeou-se poder. Entretanto no decorrer do século XIX a própria sociedade será tratada como um corpo, ou seja, um corpo social. Mais explicitamente através da eliminação dos doentes, do controle dos contagiosos e da exclusão dos delinquentes.
O que fez surgir este corpo coletivo foi a materialidade do poder se exercendo sobre cada indivíduo, primeiramente universalizando as vontades particulares.  Foucault dizia que nada era mais corporal que o exercício do poder. O que se vê em repartições públicas é a prática direta do poder sobre os cidadãos. A escola, por exemplo, é o lugar onde  é ensinada a disciplina e a sujeição dos corpos a um sistema muito bem estruturado para a aprendizagem e a fabricação de uma mão de obra barata .
Foi a partir de um olhar sobre essas instituições que o autor procurou compreender os efeitos do poder sobre os corpos e percebeu que o poder está além de um poder repressor, pois então seria muito frágil e facilmente questionado, todavia ele é forte porque também produz efeitos positivos. Ora, o próprio poder produz saber. Entretanto, algumas críticas são feitas a Foucault.  Ainda que o autor defenda que o poder é positivo, muitas vezes temos a impressão contrária. Segundo Fairclough(2001, p.83):


[...] Na totalidade de seu trabalho e nas análises principais, a impressão dominante é das pessoas desamparadamente assujeitadas a sistemas imóveis de poder. Foucault certamente insiste que o poder necessariamente acarreta resistência, mas ele dá a impressão de que a resistência é geralmente contida pelo poder e não representa ameaça. [...]


Para Foucault o que devia ser entendido eram os mecanismos de poder .  Enxergar as correias mais extremas que permitiam a operação do poder nos níveis mais elementares e quotidianos da sociedade.  Estaria aqui o papel do intelectual para o filósofo. Ele acreditava que os intelectuais deviam apenas fornecer os instrumentos de análise para o povo: De acordo com Foucault (2006, p.151):


[...]Trata-se com efeito, de ter do presente uma percepção densa, de longo alcance, que permita localizar onde estão os pontos frágeis e os pontos fortes, a que estão ligados os poderes- segundo uma organização que já tem cento e cinquenta anos- onde eles se implantaram. Em outros termos, fazer um sumário topográfico e geológico da batalha...Eis aí o papel do intelectual. Mas de maneira alguma, dizer: eis o que vocês devem fazer!


Estes mesmos intelectuais descobriram que as massas não necessitavam deles para saber. O povo não precisa que lhe digam o que é uma prisão, pois ele próprio já tem sua teoria e discursos sobre a mesma. Precisam, sim, como fora dito anteriormente, de uma análise mais sólida e substancial, mas não necessitam de que lhe deem ordens. As massas como um todo interessam-se por estes assuntos que direta ou indiretamente lhe envolvem.
Tratando-se da prisão, por exemplo, não só os presidiários tem algo a dizer sobre esta instituição, isto é, um contra discurso, mas a população, até certo ponto. Talvez porque a prisão seja uma das maiores manifestações de poder que se tenha notícia hoje. Segundo Foucault (2006,p.73):


O que é fascinante nas prisões é que nelas o poder não se esconde, não se mascara cinicamente, se mostra como tirania levada aos mais ínfimos detalhes, e ao mesmo tempo, é puro, é inteiramente “ justificável” visto que pode inteiramente se formular no interior de uma moral que serve de adorno a seu exercício: sua tirania brutal aparece então como dominação serena do bem sobre o mal, da ordem sobre a desordem.


As massas reagem porque percebem ,neste exemplo mais claramente, que o poder se exerce em detrimento do povo.  Logo , esta luta não ocorre contra a injustiça, mas contra o próprio poder exercido judicialmente.  Foucault classificou o poder como algo enigmático, presente e ao mesmo tempo oculto, visível e invisível, totalmente onipresente.  Disse que o mesmo era exercido em determinada direção, todavia não se sabia por quem, mas apenas conhecia-se quem não o possuía. Desejar o poder, não implica em tê-lo.  E por mais que muitas vezes o poder pareça agir contra as massas, essas sempre desejam que alguém o exerça sobre elas.
Para Foucault (2006, p.75)


[...] o que é poder? Afinal de contas, foi preciso esperar o séc. XIX para saber o que era exploração, mas talvez ainda não se saiba o que é poder. E Marx e Freud talvez não sejam suficientes para nos ajudar conhecer esta coisa tão enigmática, ao mesmo tempo visível e invisível, presente e oculta, investida em toda parte, que se chama poder[...]


Para o melhor exercício deste poder fora necessária a elaboração de uma nova tecnologia que permitisse um “controle” mais efetivo dos corpos. No texto “ O olho do Poder”, o autor revela como a vigilância pública emergiu como um instrumento extremamente eficaz para o exercício do poder.  Foi necessária também uma reorganização dos espaços públicos para fins econômicos e políticos. Ora, estes dois mecanismos possibilitaram ao Estado um poder onipresente que acabou por modificar a vida e os costumes individuais das pessoas.  O olhar onipresente (Panopticon) causa ou promove a restrição das vontades particulares e a liberdade para fazer o mal. Este artifício exigiu uma pequeníssima despesa para o aparelho estatal. ( sem armas, violência ou coações materiais). A vigilância permitiu a interiorização pelo olhar, isto é, a vigilância pessoal. Através deste sistema todos são vigiados mutuamente, logo é um aparelho de desconfiança.
Hoje esta realidade está cada vez mais aguçada. Cada vez mais os indivíduos são restringidos e vigiados pelas lentes fotográficas dos celulares, das câmeras filmadoras de segurança das ruas e dos condomínios residenciais. Não é somente o Estado que policia, mas a vizinhança também exerce essa função de vigilância.. Ora, a vigilância é bem mais eficaz e rentável que a punição. É por assim dizer um eficiente mecanismo de poder.
Com a vigilância onipresente o estado enquadra os cidadãos e com a prisão, que originalmente deveria reabilitar os criminosos e não o faz, acaba gerando delinquentes ainda mais especializados, o que acaba reforçando a necessidade de um poder policial. Como também reforçam o domínio econômico e político. Sim, pois quando alguém entra na prisão, ele torna-se um infame, rejeitado pela sociedade, logoresta-lhe somente a vida marginal.  Rapidamente um discurso sobre esta classe social foi elaborado para convencer a sociedade de que o delinquente rouba porque é mau.
Os cidadãos perdem muito por não estudarem  os mecanismos de poder. Seus olhares fixaram-se sobre aqueles que “detinham-no”. Estuda-se os reis, os generais, os políticos, os imperadores, os heróis, mas se esquecem de estudar as redes e as correias do poder. Não se percebe como ele foi sendo construído a partir de verdades particulares, que iam sendo criadas com fins muito bem definidos.
É importante não perder de vista que o foco de Michel Foucault ao falar de poder não era olhá-lo como emanante do Estado, como que se o poder pudesse ser possuído como uma coisa.  Para o autor francês as relações de poder ultrapassam o nível estatal e se estendem e se comunicam por toda a estrutura social.  Ora, o Estado com todo seu grande aparato tecnológico não é capaz de ocupar todo o campo de relações de poder.  Deve-se olhar para o Estado como uma super. Estrutura em relação a toda uma série de outras redes de poder.
Segundo Foucault (2006, p.149-150):


Eu não estou querendo dizer que o aparelho do Estado não seja importante, mas que me parece que, entre todas as condições que se deve reunir para não recomeçar a experiência soviética, para que o processo revolucionário não seja interrompido, uma das primeiras coisas a compreender é que o poder não está localizado no aparelho de Estado e que nada mudará na sociedade se os mecanismos de poder que funcionam fora, abaixo, ao lado do aparelho de Estado a um nível muito mais elementar, quotidiano, não forem modificados.


Observou-se, portanto, que diferentemente dos teóricos absolutistas, Foucault entende o poder como algo que se exerce e não como posse de um Homem ou do Estado.   Para Foucault o poder convive diretamente com a articulação de um saber legitimador que produz mecanismos eficientes sobre os corpos individuais e sobre o corpo social.  A disciplina, ou as técnicas disciplinares, possibilitaram o aparecimento deste Estado que se conhece hoje,  que  tornou obsoleta a figura de um rei como centro ou fonte do poder . Como também permitiu o surgimento de novos mecanismos de poder, como a vigilância e o Biopoder[1].
Para Foucault, primeiro se fez necessária a universalização das vontades particulares para o exercício do poder sobre as massas. Compreende-se que o poder na verdade não existe, mas se manifesta através de relações sociais. Não era pretensão do Filósofo Francês teorizar o poder, mas fazer uma analítica do mesmo. Foucault compreendeu que ao lado do aparelho estatal existe uma rede de micro poderes e que o poder é a ação sobre as ações, é uma força que não age apenas de cima para baixo, mas que direciona-se sim de um indivíduo para o outro e vice e versa.
As técnicas investigativas do autor para compreender como e para que os saberes eram criados foram chamadas por ele de estudo genealógico, criado pelo filósofo alemão Nietzsche.  A partir desse estudo, o poder na visão foucaultiana não deve ser visto no sentido jurídico, isto é, em termos proibitórios e repressivos. Mas deve ser visto como algo que produz saber e suscita coisas.
Objetivou-se até aqui proporcionar o debate entre as duas visões diferentes sobre o poder. Fazer perceber o quanto o saber depende do contexto no qual é produzido e dos interesses daqueles que o produzem.  Em Maquiavel se vê a centralização do poder na pessoa do Príncipe. As precauções que este deveria tomar para perpetuar o poder, já em Foucault, percebe-se que ao lado do Estado existe uma redede micro poderes que em maior ou menor escala se articulam. Nesse contexto, deve-se agora analisar um evento histórico que servirá como suporte para se perceber tanto o poder na perspectiva de Maquiavel comona perspectiva de Foucault. A Revolução Francesa é por assim dizer a grande divisora de águas da História contemporânea, o mundo foi um antes dela e outro após seu acontecimento.  Através da Revolução de 1789 será feito o embate entre as duas filosofias aqui abordadas.
Na França havia Monarquia absolutista, havia a figura do rei, tão apreciada por Maquiavel, havia também,intelectuais que propagaram suas ideias iluministas e que acabaram  por conduzir o povo a revolta e ao protesto  contra os abusos reais.
Através da Revolução Francesa percebe-se um  Rei  no trono e um povo na base. Um rei indiferente ao sofrimento popular e um povo influenciado pelo desejo de mudanças estruturais.  Deve-se a Revolução o espírito combativo e protestante às injustiças sociais. O povo, como diria Maquiavel, deve ser mantido aliado do Rei, caso contrário, este não encontrará segurança por muito tempo. O povo quando se desperta e exerce seu poder pode até mesmo destronar um  rei.
A revolução Francesa é adequada ao diálogo proposto por ser uma luta contra a tirania de seu Príncipe, o rei Luís XVI. É uma luta contra os símbolos do Poder, a Bastilha, os lugares públicos e governamentais, contra os palácios, contra a coroa, contra a cabeça do rei.  Nela se vê a luta dos sujeitos, as forças se sobrepondo. Entretanto, não se pode dizer que o povo ficou livre de imediato e que grandes mudanças ocorreram do dia pra noite. Novos mecanismos de poder surgem para docilizar os corpos, de maneira mais amena e inteligente.
Segundo Foucault, o povo reagiu com violência, porque aprendeu com o rei a própria violência. É a pedagogia do sangue. Os novos mecanismos de poder agiamsob o discurso dos direitos humanos e da dignidade humana que motivarão o exercício de poder pelos “Marginalizados da História”[2]




 Autor : Frankcimarks Oliveira
 Historiador pelas Faculdades Integradas de Patos






[1]  BIOPODER é um termo utilizado por Foucault para caracterizar os novos métodos políticos de controle da sociedade por parte dos países capitalistas. Em comparação com a maneira de governar do Antigo Regime, que exercia seu poder através da morte, vê-se agora através do discurso da vida, uma maneira bem mais eficiente e discreta de governar os homens. O Biopoder é um método disciplinar que age diretamente nos corpos dos indivíduos, e que acaba por tornar toda a sociedade em um corpo, um corpo coletivo.
[2]O termo “marginalizados da História” refere-se aos indivíduos do séculoXIX na França,  mulheres e operários, usado na obra da escritora Michelle Perrot, Os Excluídos da História.

O MACRO PODER NA CONCEPÇÃO DE MAQUIAVEL : “O ESTADO NAS MÃOS DO PRÍNCIPE”





Quando se ler a obra do escritor florentino Nicolau Maquiavel "O PRÍNCIPE" percebe-se que ele instrui o governante a lidar com as mais diversas situações de um governo; diz-lhe o que fazer e como não proceder em determinadas ocasiões. Assegura-lhe que para haver ordem no Estado faz-se necessária a presença de um homem de Virtú, habilidoso e preparado para preservar seu poder.
Maquiavel dizia que “chegar ao poder não é difícil, muitos o fizeram. Árduo mesmo é mantê-lo”.(MAQUIAVEL, 2008) Logo, entende-se que para ele o poder seria algo não só possível de ser conquistado, mas guardado em mãos
Hoje muito se tem falado sobre a obra deste escritor que é considerado por alguns como anticristão, perverso e amoral.  Outros se põe ao lado do escritor italiano, defendendo-o e argumentando que ele fora muito mau compreendido por seus comentaristas.  Por exemplo Rousseau, que disse em " o contrato social" que o Florentino mesmo se dirigindo aos governantes ,ensinava ao povo grandes lições de liberdade. ( SADEK, 2006). Outros pelo contrário, sustentam que suas idéias acabaram se tornando a inspiração para as maiores ditaduras do mundo moderno, feitas por homens tiranos e sem escrúpulos, que viram em sua principal obra " O príncipe" ,o alicerce intelectual para o exercício do poder sobre as massas, com a desculpa de que a ordem no Estado só se efetivaria com a força de um "Homem proeminente". Portanto, vemos a capacidade desta obra de gerar nos indivíduos que a leem os mais contraditórios sentimentos, do amor ao ódio, da estranheza à admiração. Para Sadek(2006 , p 13) :


[...] Maquiavélico e maquiavelismo são adjetivo e substantivo que estão no discurso erudito, no debate político, quanto na fala do dia a dia. Seu uso extrapola o mundo da política e habita sem nenhuma cerimônia o universo das relações privadas. Em qualquer de suas acepções, porém, o maquiavelismo está associado a idéia de pérfida, a um procedimento astucioso, velhaco, traiçoeiro"[...]


O objetivo deste capítulo é analisar a obra literáriaque originalmente intitulava-se "De Principatibus" ( dos principados) e que ficou mais conhecida sob o título de  ' O Príncipe" que foi dado pelo editor romano Antônio Blado.  Não pretende-se ,contudo, analisar cada um dos vinte e seis capítulos do livro, mas de uma forma geral entender as principais ideias, ou o pensamento central da obra. De acordo com Mioranza( 2008 , p.9)


[...] O que se poderia dizer de um livro que deixou a muitos perplexos pelos conceitos expostos, que deixou a muitos revoltados com os ataques deferidos pelo autor contra princípios morais e cristãos considerados intocáveis, mas que deixou a muitos sumamente satisfeitos pela visão histórica e política desse intelecto privilegiado e brilhante?


Também é por causa de toda a repercussão desta obra, que há mais de quinhentos anos tem suscitado opiniões diversas sobre o assunto, que buscou-se debater o pensamento filosófico de Maquiavel nesta obra. Seu livro mais se parece com um manual de instruções para um príncipe que deverá seguir a risca seus conselhos para ser bem sucedido durante o período em que estiver no poder.
Deve-se, portanto, entender o Príncipe como um termo que se refere a qualquer função que exija liderança. (governadores, senhores feudais, reis, condes, duques e presidentes). Pretende-se também uma análise da obra a partir da visão que o autor tinha acerca do poder. Ver-se-á ao longo deste capítulo que para Maquiavel o poder ou a força nas mãos de um homem era de extrema importância para o bem comum da sociedade .O autor via a monarquia soberana ou absolutista como fundamental para um contexto como o seu , visto que as mazelas e a corrupção do gênero humano precisariam ser extirpadas e então a população  deveria ser reeducada para assim viver a República.
O que levou Maquiavel a escrever este livro?  Dentre tantos motivos pode-se afirmar alguns, que vistos pelo prisma de seu contexto histórico fará ao menos algum sentido. Nicolau Maquiavel nasceu na Itália do século quinze, que se encontrava politicamente fragmentada. Filho de advogado aprendeu desde cedo a educação clássica e aos vinte e nove anos, pelo que se sabe, assumiu um cargo de destaque na vida pública. Maquiavel passou a ser perseguido quando os Médici retomaram o poder, sendo demitido, e torturado na prisão, graças a acusações de conspiração contra o poder recém chegado.
Seria uma forma de se redimir perante os Médici que Nicolau Maquiavel escreveu seu mais famoso tratado político. Pois é sabido que a referida obra analisada fora dedicada a Lorenzo Dei Médici, que governou o ducado de Florença a partir de 1513, sob a autoridade de seu tio e Papa Leão X ou Giovanni dei Médici. Se bem que no original não constam nem a dedicatória nem a introdução do que se tem hoje nas  milhares de edições.  ( MAQUIAVEL, 2008 , p.17).Uma coisa se sabe, sua obra preocupa-se com o Estado real e concreto, e não com aquele idealizado por  antigos filósofos. Segundo Sadek( 2006, p 17):[...]” Sua preocupação em todas as suas obras é o Estado. Não o melhor Estado, aquele tantas vezes imaginado, mas que nunca existiu. Mas o Estado real, capaz de impor ordem (...) Seu ponto de partida e de chegada é a realidade concreta[...]
No trecho acima denota-se aquilo que é chamado no pensamento de Maquiavel de  a “ verdade efetiva das coisas”. Diferente de muitos outros pensadores que idealizavam um Estado com olhos que partiam do “abstrato”, Maquiavel defendia que a realidade concreta devia ser percebida para então se agir sobre ela. No que se refere a ordem imposta pelo Estado, é necessário entender que para o autor a ordem é sempre uma construção humana,  que deve ser feita a fim de evitar a barbárie e o caos. Sendo resultado de feixes de forças que derivam das ações dos homens em sociedade, ou seja, da Política.
Na visão do autor florentino ,  sem o auxilio da política ,o príncipe estaria fadado ao fracasso. Ele teria de compreender bem a natureza humana e seus vícios, que para Maquiavel era imutável, para administrar eficazmente seu reino. A História, sempre repetitiva, deveria ser sua amiga mestra, pois ela lhe ensinaria grandes lições sobre o passado, e poderia prevenir-lhe de erros no presente para que seu futuro fosse seguro e garantido. Ao apropriar-se dos grandes acontecimentos passados o príncipe poderia guiar-se de forma mais prudente. Ele perceberia que o homem é naturalmente anárquico e não deseja ser dominado. Entretanto, ele, o príncipe, almeja governar, logo isto resultaria em caos. O que fazer?   Ora, o governante deve se colocar diante do povo não como um ditador ou tirano, mas como um fundador do Estado, ou melhor ainda, uma espécie de salvador transitório de sua sociedade. O que legitima o poder soberano para Maquiavel é exatamente este caos resultante das vontades opostas, de dominar e não ser dominado, que se faz necessário como ferramenta educadora para o Príncipe.
Agora pode-se relacionar , ainda que brevemente, este discurso político de Maquiavel com aquilo que Michel Foucault diz acerca do saber legitimador das práticas sociais.  Para Foucault o saber e o poder estão articulados (FOUCAULT, 2006)Pode-se afirmar que Maquiavel como pai de uma ciência, acabou por gerar um saber que se mostra muito conveniente para aqueles que acreditam ser os donos ou possuidores do poder. No segundo capítulo desta obra ver-se-á melhor o que Foucault disse sobre saber e poder.
“O príncipe” ao ler este livro poderia entender que o supremo poder está em suas mãos, se bem que o próprio Maquiavel também diz que é melhor ter o povo como aliado do que como inimigo, pois o contrário disso implicaria num governo ameaçado de ruir a qualquer instante. Logo entende-se que Maquiavel atribuía ao povo determinado poder, até mesmo capaz de destronar um Déspota. Segundo Maquiavel (2008, p.67) :


[...] Quando o povo é inimigo, um Príncipe jamais estará garantido, por serem muitos os que compõem o povo [...] Concluirei, apenas que a um príncipe é necessário ter o povo como amigo, caso contrário não terá salvação nas adversidades.


No capítulo nove de sua obra intitulado “Do principado civil” o autor diz que um cidadão pode chegar ao Poder de duas formas, ou pelo favor dos grandes ou do povo.
De acordo com Maquiavel (2008, p.65-68):.


Porque em toda cidade se encontram essas duas tendências diversas e isso decorre do fato de que o povo não quer ser mandado nem oprimido pelos poderosos e os poderosos desejam governar e oprimir o povo. E desses dois anseios diversos surgem nas cidades um dos três efeitos: principado ou liberdade ou desordem. O principado é constituído pelo povo ou pelos grandes, conforme uma ou outra dessas partes tenha oportunidade, porque os grandes, vendo que não podem resistir ao povo, começam a emprestar prestígio a um dentre eles e o fazem príncipe para poderem, sob sua sombra, dar vazão a seu apetite, o povo também, vendo que não pode resistir aos poderosos volta sua estima a um cidadão o faz príncipe para ser defendido com sua autoridade


Em partes Maquiavel atribui ao povo uma demanda de poder e isso concorda com o que Foucault diz, pois para ele o poder não estava centralizado nas mãos de um homem ou de uma classe, mas circulava por toda a sociedade, sendo que todos o exerciam. Segundo Foucault(2006,p. 75):


[...] Sabe-se muito bem que não são os governantes que o detêm [...] Onde há poder, ele se exerce. Ninguém é propriamente falando, seu titular, e, no entanto, ele sempre se exerce em determinada direção, com uns de um lado e outros do outro, não se sabe ao certo quem o detém, mas se sabe quem não o possui [...].

Entretanto, Maquiavel dá ao poder um sentido mais negativo de dominação e opressão. Talvez seja isso o reflexo do que ele chamava de natureza anárquica do ser humano. Logo seria natural para as massas ver o poder como algo mau e manipulador. Então, ”eleger” um príncipe que o proteja é de fato um exercício de poder.( MAQUIAVEL, 2008, p.66)

Percebe-se também até certo ponto uma rede de poder circulando naquela sociedade estudada por Maquiavel. Ora, os poderosos, ou seja, a nobreza, para preservar seu lugar de prestígio, apoiavam um dentre os seus para o principado , a fim de através deste também governar. E o povo do mesmo modo, mas para proteger-se dos abusos dos grandes. Logo , se vê um exercício de poder derivando de todas as classes sociais, atravessando os corpos e instituições. Para Sadek (2006, p.22) :


Dessa forma, o poder que nasce na própria natureza humana e encontra seu fundamento na força é redefinido. Não se trata mais apenas da força bruta, da violência, mas da sabedoria no uso da força, da utilização virtuosa da força. O governante não é,pois, simplesmente o mais forte- já que tem condições de conquistar mas não de se manter no poder- mas sobretudo o que demonstra possuir virtú, sendo assim capaz de manter o domínio adquirido e se não o amor, sendo capaz de manter o respeito dos governadores


Para Maquiavel o poder estava relacionado a força e ela era necessária para o Príncipe conquistar aquilo que ele queria, porém apenas a força ou este tipo de poder não era suficiente para que ele se mantivesse no governo.
O príncipe deveria possuir virtude, não aquela cristã relacionada a moral, mas aquela virtude contemplada pelos clássicos, capaz de atrair a atenção e o favor da deusa Fortuna e suas muitas riquezas. A virtude mantém o poder, por isso o governante deve buscá-la a todo preço. Ele deve criar as instituições necessárias capazes de facilitar seu domínio.  Do mesmo modo deve abrir mão de tudo aquilo que lhe impeça de manter a ordem. Se for preciso utilizar dos vícios mais vis para este fim, então ele deverá fazê-lo.
Tem se visto que Maquiavel é sem sombra de dúvidas um autor que deixou um grande legado a Política Moderna. Amado por muitos e odiado por milhares, ele conseguiu suscitar centenas de debates acerca de seu principal livro “ O Príncipe”, que é ao mesmo tempo um manual prático de governar o Estado, como também uma tentativa do escritor de recuperar seu antigo emprego. É uma obra que denota a necessidade da centralização do Poder.
Muitos o tem como um livro diabólico, que nega as principais virtudes cristãs, ensinando o ódio e a prática de ações tiranas. Um dos críticos de Maquiavel na atualidade é o filósofo brasileiro Olavo de Carvalho que lecionou Filosofia Política nos cursos de pós- Graduação em Administração Pública da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (Sul do Brasil) de 2001 a 2005. É autor de doze livros e colunista semanal do Jornal do Brasil (Rio de Janeiro) e do Diário do Comércio (São Paulo). Em seu livro “ Maquiavel ou a confusão Demoníaca” o autor apresenta alguns dos principais críticos do escritor italiano, e as mais diversas maneiras que o interpretaram . Ora, não se pode perder de vista que analisar Maquiavel é quase o mesmo que analisar suas concepções de poder e aquilo que o levou a suas conclusões políticas. Seu nome confunde-se com sua principal obra “ O Príncipe”.
Olavo argumenta que a filosofia moderna tornou-se muito mais difícil de se compreender devido a quantidade de fontes e pelo fato de a língua escrita ainda vigorar. O mesmo não ocorre com a filosofia antiga ( Platão e Aristóteles), que ainda que sendo poucas as fontes e as línguas já serem mortas, vê-se menos contradições do que aquelas. Para Carvalho (2007, p.2) :


O que isso demonstra para além de qualquer possibilidade de dúvida é que a dificuldade de chegar a um consenso na interpretação de filosofias como a destes últimos não é extrínseco, mas intrínseco . Não somos nós, os leitores, os estudiosos, que custamos a compreendê-las. São elas que ou se explicam mal, ou trazem no seu bojo contradições implícitas não resolvidas, talvez nem mesmo percebidas. [...]


Entretanto, é a modernidade ali “inaugurada” que se apresenta como dissipadora das trevas. Logo não deveria existir lugar para confusões assim.
De acordo com Carvalho( 2007,p.2):


Dos pensadores modernos Nicolau Maquiavel é o primeiro a entregar ao público uma doutrina desencontrada e confusa. Tão desencontrada e confusa que um de seus melhores interpretes, Benedetto Croce, resumiu quatro séculos de investigações na conclusão desencontrada de que o pensador florentino é um enigma que jamais será resolvido. Depois de Croce, outros estudiosos acreditaram poder resolver o enigma, porém as soluções que lhe ofereceram divergiam tanto uma das outras que só conseguiam multiplicá-lo.


O que Olavo propõe é debater toda esta dita confusão maquiavélica pretendendo torná-lo mais claro. Se é que é possível. Afinal de contas Maquiavel inspirou golpes e revoluções, fundou regimes políticos e nações, todavia continuou sendo incompreensível
Como já dissemos muitas, são as imagens que o mundo formulou do escritor “desafortunado”. Muitos o tem como imoralista cínico, teórico da violência política e professor da maldade. Ao ponto de os bons o acharem mau, e os maus, piores do que eles mesmos. Jean Bodin o denominou de leviano e vicioso;Frederico II , imperador da Prússia, chegou a escrever o Anti Maquiavel, afim de “defender” a humanidade do “monstro” florentino.( CARVALHO, 2007, p 2-3)
Cabe aqui uma investigação das múltiplas faces de um dos maiores escritores da modernidade. Primeiro, Ver-se-á Maquiavel como o imoralista. Neste sentido ele se opõe aos valores cristãos em detrimento da segurança e da grandeza do Estado, isto é, o poder nada tem que ver com a religião e a moralidade. Segundo Carvalho (2007 ,p.3) :


Maquiavel nessa perspectiva, era o apóstolo da razão de Estado, que em nome da grandeza e segurança da Pátria concedia aos governantes o salvo conduto para mentir, delinqüir, roubar , oprimir, matar e infringir enfim todos os mandamentos da Igreja e da moralidade comum.


As duas outras imagens criadas para o autor político é a de Democrata e de cientista. Democrata porque muitos creem que de maneira indireta, Maquiavel ensinava o povo as “verdades do poder”. Sua intenção era prevenir as massas, fazendo-as enxergar o poder que detinham. Elas deveriam viver a República. Por outro lado, o título de Cientista Natural advém do fato de o autor ser um estudioso do Homem, isto é, de seus comportamentos. Maquiavel discorreu bastante sobre a natureza humana, acreditando ser ela a mesma em todos os tempos da História.
Entretanto, vê-se também uma quarta faceta acerca do autor : o Patriota. Esta se justifica por aqueles que acreditavam que Maquiavel almejava mesmo a unificação da península itálica. Seus leitores deviam enxergar não um homem interessado em questões pessoais, mas no bem coletivo. Pode-se também chamá-lo de “artista”Afinal Maquiavel foi quem desenhou a máquina do Estado. Sua obra é tão ambígua e múltipla que chega a ser uma obra de arte. Para Carvalho(2007,p.5):


Todas essas interpretações tem sua parte de verdade, na política de Maquiavel há elementos de imoralismo despótico, de republicanismo democrático, de patriotismo, de descrição fria e de idealização artística. Também aconteceu que muitos leitores ilustres, ao longo das épocas, sem criar interpretações radicalmente novas, procuram enfatizar em Maquiavel este ou aquele aspecto que o tornava de algum modo um precursor deles próprios.


Mesmo com tantas facetas diferentes, não podemos negar que em todas o poder concentrado no Estado, tendo em vista que o Estado era o próprio Príncipe, estava presente. Maquiavel foi o primeiro a perceber claramente que a substância do Estado é o poder. Como um pintor desenhara o príncipe ideal, ou como um feiticeiro, criara aquele que num futuro remoto poderia ser invocado. Digo isto, pois o mesmo autor também é interpretado por alguns como “Maquiavel, o Profeta ou o Falso profeta”.
Teria o escritor “diabólico” se tornado o profeta que abriu o mar vermelho da política moderna?  O que se pode dizer de fato é que em Maquiavel , política e religião, andam de mãos dadas, ainda que pareçam tão conflituosas. E de fato, são nessas duas esferas da vida que o poder manifesta-se mais claramente.
Para o profeta florentino ,o príncipe deveria estar sempre aparelhado com um bom exército, e demonstrar a todos o seu poder militar. A repressão e o medo são artifícios que o ajudariam e muito no meio de sua sociedade caótica. Maquiavel previa o advento de uma terceira Roma, fundada sob a autoridade onipotente do Príncipe.
Não se pode esquecer que Maquiavel fora polêmico não só pelo que ensinou ao Príncipe, mas pelo que dizia de seus ensinamentos e por sua própria vida , repleta de tantas contradições.  Ele ensinara como os humildes chegariam no poder, mas ele mesmo nunca chegara a tal,  pois vivera quatorze anos como subalterno.  Criticava aqueles que por meio de seus escritos tentavam mudar o curso natural das coisas, entretanto ele mesmo fizera isso ou tentara fazer através de sua obra mais conhecida.  E para dificultar ainda mais as coisas ele mesmo dissera que tudo que dizia era mentira. “Não digo jamais aquilo em que creio, nem creio naquilo que digo, e se descubro algum pedacinho da verdade, trato logo de escondê-lo sob tantas mentiras que se torna impossível encontrá-lo”(Carvalho, 2007.p.8)
Diante de tantas faces de um mesmo homem, Olavo de Carvalho teria razão de intitular seu livro de “Maquiavel e a confusão demoníaca”. Mesmo com o tema central de sua principal obra sendo a soberania, a natureza do governo, os modos de conquistar o poder e conservá-lo, e até mesmo perdê-lo, parece que “O príncipe” é um rio muito profundo e obscuro, que permite as mais diversas interpretações. Deixa qualquer um atordoado e de certa forma mais confortável com Platão e Aristóteles. Pelo menos é o que diz Carvalho.
           Talvez Maquiavel não seja nada do que disse de si mesmo, ou nem mesmo do que outros disseram dele. Talvez ele seja a mescla de tudo isso. Tudo isso apenas contribui para que sua obra permaneça sempre atual e discutível. Todas os debates permitiram que Maquiavel permanecesse vivo, mesmo depois de morto. Ou deve-se dizer que a razão de tanto sucesso derive de sua temática: 

 Autor : Frankcimarks Oliveira
Licenciado Pelas Faculdades Integradas de Patos.

segunda-feira, 29 de abril de 2013

A Obra de Capistrano : Capítulos da História Colonial


         Seus primeiros capítulos são apenas apresentações do que seria sua obra. O Primeiro capítulo por exemplo, é uma descrição geográfica do Brasil e de seus moradores: os índios. Vale ressaltar que o autor apresenta tanto o Europeu como o Africano como elementos exóticos. Este é o tema de seu Segundo capítulo. Podemos dizer que o início de sua obra assemelha-se muito ao modelo de Vanhagen no que se refere as descrições. Entretanto, diferente de Vanhagen, que se identificava com os brancos, Capistrano se põe no lugar do indígena, ou seja, na praia olhando para as caravelas no mar. Ele se coloca como brasileiro analisando a colonização.
         O Historiador brasileiro localiza Portugal em seu contexto histórico, disserta sobre sua Hierarquia social e como já foi dito, apresenta o português como o primeiro elemento exótico, isto é , um invasor. O Segundo elemento “estranho” nas terras indígenas é o negro. Sobre este muito pouco é falado, seu assunto logo se esgota. Capistrano se interessava mesmo pela relação entre o branco e o nativo, bem como pelo Mameluco sertanejo.
         No terceiro capítulo de sua obra, o autor questiona : Por que os portugueses vieram para o Brasil? Ele mesmo responde : Por motivos geográficos, religiosos, militares e comerciais. Para compreender as expectativas européias, Capistrano muitas vezes se coloca no lugar do Português. Neste capítulo vemos os vários nomes dados a terra descoberta: “Terra dos Papagaios, Ilha de Vera Cruz, Terra de Santa Cruz”. Aborda a exploração do Pau brasil e a questão da misciginação. O Escritor ao analisar as diferenças etnicas perguntava-se cmo seria possível sair  de tudo isso uma nação. Segundo ele foi apenas no séc. XVII que surgiu uma possível união brasileira. Mas é somente em 1654 que de fato o brasileiro passa a existir. A vitória contra os Holandeses despertou um novo sentimento naqueles que aqui moravam.
         Podemos classificar a Obra de Capistrano da seguinte maneira:
         1-   Descobrimento do Brasil na perspectiva de Vanhagen;
          2-   O Surgimento de um novo povo ( Brasileiro ou mesmo o sertanejo)
O autor analisa a interiorização do território pelos bandeirantes e parece não simpatizar com o fato. Pois sempre defendeu o nativo. Era contrário sua exploração e extermínio. Sobre a interioização ele aponta alguns  pólos principais : São Vcente , Piratininga e Maranhão; A agropecuária e as Minas.
O autor diz que a partir do séc.XVIII a consciência patriótica se aprofundou, ou seja, os brasileiros não mais se sentiam enferiores aos metropolitanos. Daí passam a existir conflitos entre brasileiros e portugueses. Entetanto havia muito cetiscismo em relação ao futuro do Brasil que aspirava independência, mas a sociedade não tinha consciência política. Os brasileiros sentiam-se incapazes de assumir  o país plenamente. Ao mesmo tempo que o autor elogia a luta, ele se decepciona com a não concretização da independência. Os brasileiros aceitaram a independência via portugueses.
Sua Obra fez o seu nome ser o elo entre as gerações do século XIX e o IHGB e o século XX e as universidades. Seu método inovador de duvidar do passado foi estremamente importante para a historiografia brasileira. Capistrano olhava para o passando com criticidade, queria reiventar a história contada por Vanhagen. Queria olhar sua própria história como brasileiro sertanejo. Foi ao mesmo tempo um grande admirador e crítico de seu antecessor. Capistrano é sem sombra de dúvida uma leitura obrigatória para todo aquele que deseja conhcer  mais a a história do Brasil.

domingo, 28 de abril de 2013

O Processo de Redemocratização do País





O governo de Geisel prometeu fazer uma abertura lenta, gradual e segura para a democatização do Brasil. Diferente de Médici  que fazia uma linha mais dura, Geisel apresentava-se como um governante mais brando. Entretanto, não devemos pensar que a ditadura deixou de usar seus poderes.
Seu Mandato sentiu as variações da inflação, pois o preço dos alimentos aumentava rapidamente, gerando grandes insatisfações no seio popular. Para agravar mais ainda a nossa economia, o custo do petróleo aumenta drasticamente, fazendo com que se invista em Álcool e energia nuclear. Surge então a Usina Angra dos Reis.
A população movia-se exigindo o retorno da democracia. Em 1977 a sociedade paulista ouve do Jurista Godoffredo da Silva a “ Carta aos Brasileiros”, em que o Estado de Direito era a palavra de Ordem e o desejo universal  de toda  gente .
Neste período ressurge também a Une, união nacional dos estudantes, que  após protestarem em frente a PUC em São Paulo sofrem opressão militar. Cerca de 2 mil jovens são presos.  O que pode-se perceber é que a atmosfera nacional estava contagiada por um sentimento de mudanças. O protesto era a única maneira de chamar a atenção. Todos estavam cansados da ditadura e ansiavam pela antiga liberdade política, artística e social.
Ora, os salários estavam desvalorizados. Cerca de 31 % de seu valor real em desprestígio. As greves e os movimentos sindicais ressussitam no País como forma de expressão de uma gente sofrida que vê nestes movimentos o exercício de sua cidadania e de seu poder. Um nome que se destaca nas siderúrgicas paulistas neste momento é o de Luís Inácio da Silva, o Lula.
Em 1979 alguma coisa de democracia é vista no cenário nacional. Pois é decretado o fim do AI-5 e é suspensa a censura à Imprensa. O que se vê no governo de Geisel é um governo no meio de um fogo cruzado. Ao mesmo tempo que se pretendia um retorno gradual a democracia por parte de alguns, vê-se também por outro lado, outros tentando preservar o estilo autoritário de governo.
Neste mesmo ano assume a presidência por eleição indireta o candidato de Geisel, João Batista Figueiredo, que governou seis anos o país. Também assumiu o compromisso com o retorno a Democracia. Entretando logo na década de 1980 reagiu de forma contrária aos movimentos grevistas dos metalúrgicos, mandando suspender e prender seus líderes. Figueiredo volta atrás em sua decisão e concede um ajuste de 63% nos salários.
Toda a população brasileira começava  a aderir às greves. Cerca de 3 ,2 milhões de trabalhadores pararam  as indústrias.  Porém  nem  todos obtiveram  o mesmo sucesso. Mas querendo ou não, todas aquelas manifestações estavam surtindo efeito. O Congresso Baiano da Une em 1979 exigindo anistia a todos os presos políticos conseguiu  em  Agosto a aprovação de uma lei que concedia liberdade a todos quantos foram alvos da opressão ditatorial. Neste mesmo ano é decretado o fim do Bipartidarismo político ( Arena x MDB) e é implantado o pluripartidarismo no mês de Novembro. O Arena torna-se o PDS e o MDB, o PMDB. Os sindicalistas formam o PT, além de outros mais partidos que surgem neste momento de redemocratização do País.
Mais foi na década de 80 que de fato se viu um relance real de direito político. As eleições para governador e Senador voltam a ser pelo voto direto da população. Entretanto, não pode se perder de vista que a Linha dura do governo continuava insatisfeita com todos esses avanços “democráticos”. Neste momento surgem os atentados terroristas que objetivavam paralisar ou retardar o processo gadual de redemocratização no País. Então, tanto no governo de Geisel quanto no de Figueiredo percebe-se um fogo cruzado de interesses. De uma lado o povo exigindo mudanças estruturais, do  outro, militares que se opunham até mesmo a autoridade presidencial.
Para aumentar apressão, nossa economia só afundava. O Pib caíra terrivelmente e nossa dívida externa só crescia, na velocidade da luz. Tudo isso só proporcionou a organização do maior evento popular nacional, isto é, o movimento de “Diretas Já”. Só foi possível graças a União da frente liberal com o PMDB, que em um jogo político muito bem articulado consegue eleger a elite conservadora . Tancredo Neves e seu vice José Sarney assumem a presidência, tendo derrotado Paulo Maluf . O que mais chama a atenção é que Sarney foi um mão direita da Ditadura, mas de alguma forma foi ele quem foi escolhido para governar  o país no “retorno” a Democracia. Tancredo Neves adoece e morre, passando assim a faixa presidencial para seu vice.