quarta-feira, 9 de março de 2016

Educação religiosa feita pelos missionários da Companhia de Jesus na colônia portuguesa e sua expulsão


Muito se escreveu sobre os métodos pedagógicos dos missionários da companhia de Jesus. Sua atuação intensa, de fato, deu uma nova identidade à gente que morava aqui. Portanto, o educador deve compreender sua atuação e perceber o poder que possui. Deve também analisar os métodos que utiliza, e então enxergar a melhor maneira de lecionar. Na história do ensino religioso, notou-se o abuso do poder, de acordo com a maior parte das fontes, e o uso da imposição dogmática, sem respeitar as peculiaridades das culturas, julgando-as como” carnais e diabólicas”, sob a ótica judaico-cristã.
Existe, portanto, uma predominância historiográfica quando se trata da ação jesuíta, em avaliá-la de modo negativo, como já mencionado. Seu principal crítico é o português ilustre Luís Antônio Verncy, autor de “O verdadeiro método de estudar, 1746.”  O missionário da companhia de Jesus é visto como um vilão, agente da coroa portuguesa, associada a Igreja Católica. Ele é encarado como mal porque violenta a vontade indígena, fere sua cultura e acima de tudo o explora como mão de obra barata. A ação desses educadores passa a ser questionada por seus próprios membros, que vêem na proliferação de suas escolas, o abuso da parte de alguns padres.
O problema se dá pelo tratamento diferenciado dado pelos jesuítas aos habitantes da colônia. Os colonos recebiam melhor assistência do que os índios, o que acabou gerando uma divisão entre aldeias e povoados. Isso passou a ocorrer a partir da segunda leva de missionários enviados à América portuguesa em 1560. Por isso se diz que a primeira comissão missionária era mais benevolente com os pagãos. Esse fato só reforça a vilania atribuída aos jesuítas com o passar do tempo e sua fama de injustos. Inclusive, em questões culturais, a primeira leva era considerada mais tolerante com os costumes nativos, permitindo até mesmo uma mistura de ritos e melhor aceitação destes. Tanto que se diz que os aldeamentos eram uma boa forma de explorar os nativos, aculturá-los e amansá-los. Todavia, também se diz que estes aldeamentos eram refúgio para índios fujões, que temiam os brancos portugueses. Portanto, conclui-se que a figura do jesuíta é controversa na História. Ora, ele é demonstrado como associado aos interesses políticos de Portugal, ora, ele é símbolo de acolhimento e amor cristão.
Uma coisa não se pode negar: a história da educação no Brasil é dividida em tuas etapas, antes e depois da expulsão dos jesuítas pelo Marquês de Pombal em 1759. Ora, ainda que boa parte das produções sobre esses padres os apresentem de maneira obscurantista, deve-se questionar essa visão também. Até mesmo porque outras ordens religiosas atuaram juntamente com os missionários de Jesus, como os Franciscanos, carmelitas, beneditinos. Todavia, a ordem que mais se destacou foi a de Inácio de Loiola.
Essa companhia era conhecida como resistente à mudanças, sendo classificada como extremamente conservadora. Eles ensinavam as primeiras letras e depois o Ratio Studiorum (fundamental, médio e superior), que era formado por letras, filosofia, artes e teologia.
Gadotti ( 2006, p. 72), sobre a rattio studiorum, afirma:
A rattio studiorum é o plano de estudos, de métodos e base filosófica dos jesuítas. Representa o primeiro sistema organizado de educação católica. Foi promulgada em 1595, depois de um período de elaboração e experimentação.
 O curso de Letras durava dez anos. Era composto de gramática, humanidades, retórica, grego, cronologia, história e geografia. O Curso de Filosofia e artes durava três anos e sete meses. Geralmente para aqueles que desejavam a vida eclesiástica. Compunha-se de dialética, lógica, física, metafísica. O curso de Teologia era o de maior nível. Durava quatro anos. Compunha-se de teologia escolástica, sagrada escritura, hebreu, casuística. As aulas exigiam grande preparo dos professores e ótima memória dos alunos, visto que utilizavam bastante o método decorativo. Os jesuítas também exploravam muito o conhecimento através de disputas orais. Sua metodologia era repetir e imitar textos clássicos, gregos e latinos. Baseava-se na religiosidade católica, obviamente. E era voltada principalmente para a elite colonial. Fundamentava-se em Aristóteles e São Tomás de Aquino. Havia até um haxioma português que recomendava nunca se apartarem de Aristóteles.
A pedagogia jesuítica se opunha radicalmente ao espírito científico emergente. Refutava o experimentalismo, era universalista, não dando tanta importância as especificidades coloniais, com exceção, no entanto, do ensino da língua tupinambá. Todavia, não é porque se opunha ao novo conhecimento, que lhe estava alheio.
Deve-se olhar para esse agente da fé católica de maneira que se perceba nele um objeto poderoso, tanto para os interesses econômicos da coroa lusitana, como para os interesses da religião cristã católica, que encontrava-se ameaçada na Europa. Portanto, é fundamental apreender a importância histórica do padre jesuíta em terras coloniais a partir do século dezesseis. Para Mattos (1958, p. 31)
A catequese era de fundamental importância para o êxito do empreendimento colonial. Só através da aculturação sistemática e intensiva do indígena é que Portugal lançaria raízes profundas e definitivas aqui.
Não se pode esquecer que o regime de capitanias hereditárias encontrava-se em série crise. O Governo Geral é criado com o intuito de auxiliar as mesmas. Dom João III, vê nos padres Jesuítas a mão necessária para fortalecer a colonização. Visto que a organização escolar seria a ferramenta básica para consolidar o modelo agrário exportador dependente entre metrópole e colônia.
Sabe-se que educação e política andam de mãos dadas. Por isso aqui é pertinente a indagação: O que motivou a colonização? A resposta é simples: interesses capitalistas da burguesia mercantil que necessitava de mão de obra barata. A função do Jesuíta era amansar os nativos para forjar neles bons trabalhadores. Estes padres deveriam manter seus olhos focados nos indígenas, educá-los e catequizá-los. Todavia, acabaram se dedicando mais aos colonos e seus filhos, por interesses particulares. Ribeiro ( 2003, p.22)  diz:
Nota-se que a orientação contida no Ratio, que era a organização e o plano de estudos da companhia de Jesus, publicado em 1599, concentra sua programação nos elementos da cultura europeia. Evidencia dessa forma um desinteresse ou constatação da impossibilidade de instruir também o índio.

            Logo, os investimentos feitos pelos padres, destinavam-se quase sempre em pontos estratégicos, isto é, nos filhos dos colonos, que seriam os futuros sacerdotes da ordem. Portanto,
Verifica-se desta maneira, que os colégios jesuíticos foram instrumento de formação da elite colonial (2003, P.23). Prossegue a autora.
Assim, pode-se afirmar que o plano Real se distanciou do plano legal, feito pelos padres. Desse modo, os nativos seriam apenas catequizados, objetivando apenas formar novos adeptos do catolicismo. Ribeiro ( 2003, P.24) afirma:
A elite era preparada para o trabalho intelectual segundo um modelo religioso, mesmo que muitos de seus membros não chegassem a ser sacerdotes [...]
 É tão evidente a diferenciação que os padres faziam dos habitantes da colônia, que houve um episódio em que os moços pardos, rejeitados pelas escolas, foram aceitos apenas em 1689, porque foram obrigados a serem admitidos. A companhia de Jesus, viera às terras brasílicas com um discurso salvacionista, em nome da fé, pregar e proteger o catolicismo, todavia, suas ações descriminavam e distinguiam as pessoas que os circuncidavam. Ribeiro ( 2003, p. 25) prossegue:
[...] a formação intelectual oferecida pelos jesuítas, e portanto, a formação da elite colonial, será marcada por uma intensa rigidez na maneira de pensar e consequentemente, de interpretar a realidade.
            Como já dito outrora, a companhia de Jesus era extremamente conservadora. Marcada pelo isolacionismo intelectual moderno, isto é, não dialogava com novos paradigmas científicos. Também fomentava em seus discípulos a idéia de que o mundo civilizado era o de fora da colônia, gerando assim um espírito superior nos mais letrados, e fazendo-os querer ir para Europa, consequentemente.
            O espaço da companhia de Jesus só crescia e sua atuação se expandia e tomava proporções cada vez maiores. Estavam aqui para conquistar um capital capaz de transferir a etapa mercantil para a indústria do regime capitalista. Ribeiro ( 2003, p. 28):

A importância social destes religiosos chegou a tal ponto, que se transformaram na única força capaz de influir no domínio do Senhor de Engenho. Isto foi conseguido não só através dos colégios, como do confessionário, do teatro e particularmente, pelo terceiro filho, que deveria seguir a vida religiosa

            Claro que todo esse poder conquistado não deixaria a coroa em estado de passividade. A coroa requereu o governo de volta. Alegou que os jesuítas educavam para seu próprio benefício e não para o desenvolvimento do país. Ribeiro ( 2003, p. 33) diz:
A companhia de Jesus é atingida diretamente e chega a ser expulsa em 1759. O motivo apontado era o fato de ela ser um empecilho na conservação da unidade cristã e da sociedade civil .
            Através do Marquês de Pombal, considerado um reformador educacional, na história do ensino no Brasil, vê-se agora com a expulsão dos jesuítas, o surgimento de um novo modo de educar. Segundo Ribeiro ( 2003, p. 33):
Surge com isso, um ensino público propriamente dito. Não mais aquele financiado pelo Estado, mas que formava o indivíduo para a Igreja, e sim financiado pelo e para o Estado.
            Claro que se fazia necessário mudanças radicais em toda a estrutura governamental da colônia. O cenário mundial estava mudando. A economia e o mercado estavam sendo monopolizados pela Inglaterra. Daí a “importância” e a urgência nessas reformas. A autora prossegue ( 2003, p. 35):

Assim, fica evidenciado que as Reformas pombalinas visavam transformar Portugal numa Metrópole capitalista, a exemplo do que a Inglaterra já era há mais de um século. Bem como, provocar algumas mudanças no Brasil, com o objetivo de adaptá-lo, enquanto colônia, à nova ordem pretendida em Portugal

            O século XVIII   foi um período de grandes mudanças com certeza. Ideais liberais surgiam na Europa, revoluções burguesas, o capitalismo industrial florindo e se consolidando cada vez mais na Inglaterra. E Portugal via-se extremamente submetido àquele, através de acordos protecionistas, em troca de relações comerciais.
            Na colônia Portuguesa vê-se antes desse período a mudança de pólo econômico, do nordeste para o sudeste, em Minas Gerais. Só agora Portugal se propunha explorar materiais preciosos. Toda a riqueza das minas ficavam nas mãos dos ingleses. Serviam como pagamento de dívidas. É verdade que as condições enfrentadas pelos lusitanos não eram tão favoráveis, visto que de 1580 à 1640, estavam sob domínio espanhol. Ocorreram invasões holandesas em Pernambuco, bem como resistência quilombola
            Em 1759 os padres da companhia de Jesus são expulsos das terras coloniais. Cerca de treze anos após esse fato, vê-se a implantação do ensino público. Num contexto global, os Estados Unidos da América consegue sua independência e a França deflagra uma grande revolução, em 1776 e 1789, respectivamente.
Sobre a expulsão dos missionários Inacianos, Aranha ( 2006, p.191) diz:

Após a expulsão dos Jesuítas, os bens dos padres foram confiscados, muitos livros e manuscritos importantes destruídos. Segundo alguns historiadores, de início o desmantelamento da estrutura educacional montada pela companhia de Jesus foi prejudicial, porque de imediato, não se substituiu o ensino regular por outra organização escolar, enquanto os índios, entregues á sua própria sorte, abandonavam as missões.

            Desse modo, de imediato, as reformas educacionais pombalinas para a colônia teriam fracassado. Sobre a estrutura ou espaços de ensino. Aranha ( 2006, p.192) diz que:
Não podemos imaginar alunos assistindo a aulas em prédios escolares, como hoje, porque os lugares de estudo eram improvisados [...].
            É obvio que não se pode achar que de uma hora para a outra um sistema substituiria o outro de modo “perfeito”. Como acabou de se vê, nem mesmo as estruturas escolares estavam determinadas. A figura clerical era muito forte na história do ensino. Suas igrejas, seus colégios vizinhos aos templos, eram na maioria os espaços de aprendizagem. Por isso mesmo Aranha ( 2006, p. 193) prossegue afirmando:
Embora a reforma pombalina não tivesse repercutido de imediato na colônia, foram lançadas as sementes de um novo processo que iria amadurecer aos poucos a partir do século seguinte .
 É importante se compreender o quanto o ensino e a educação moldam as culturas. Ao longo da História se percebe movimentos de “reformas educacionais” que contribuíram para mudanças estruturais no seio da sociedade. Exemplo disso é a transição do ensino pagão para o ensino cristão, pós queda do Império Romano. As escolas leigas continuaram funcionando, ainda que por pouco tempo. Os colégios religiosos, erguidos ao lado de mosteiros e catedrais, substituíram as antigas escolas, bem como, os religiosos aos antigos mestres. Aranha ( 2006, p. 106) diz em “História da educação brasileira e da pedagogia” que:
Criar escolas não era a finalidade principal dos mosteiros, mas a atividade pedagógica tornou-se inevitável à medida que era preciso instruir novos irmãos.
            Na idade média os mosteiros assumiram o monopólio da ciência. Suas bibliotecas depositavam a cultura grego latina. Foi no século oitavo que o ensino e a aprendizagem declinaram, devido a necessidade do Estado em relação ao clero em questões administrativas. Porém, outra reforma seria feita, agora por Carlos Magno, no século nono. Era o renascimento Carolíngio que buscava através do ensino palatino, reformar todo o sistema de ensino eclesiástico.
Outro fato histórico que também viabilizou o ensino secular na Europa foi a consolidação da Burguesia no século XII. Com ensino da língua local, história, geografia, ciências naturais. E assim como posteriormente fez o Marquês de Pombal no século dezoito em terras coloniais portuguesas,rompendo com o clero, com o pretexto de que a Igreja educava para si, os burgueses afirmavam que o ensino secular deveria priorizar a sociedade e não a Igreja. Essa briga entre Estado e clero se acentuou quando se tratou de quem controlaria as primeiras universidades

:Autor : Frankcimarks Conceição de Oliveira,
 Historiador e especialista em ciência das religiões.

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