Este trabalho pretende analisar
comoo Processo Inquisitorial foi legitimado e moldado a partir do medo, quais
foram os agentes causadores desse medo e de que forma esses fatores
influenciaram nas relações sociais e cotidianasno
Brasil Colonial.
A Inquisiçãoque desempenhou um
importantíssimo papel dentro da Igreja como um instrumento de afirmação e manutenção do Cristianismo,
motivada e mantida mais pelo medo do que pela fé, buscava combater as heresias,
que simbolizavam uma ruptura na ordem natural estabelecida por Deus.
Assim, como os povos antigos
que viam no medo um poder mais forte do que os homens, sendo esse fator
decisivo nos destinos tanto individuais quanto coletivos, a Inquisição
controlava as ações dos fieis através do medo, criando um ambiente de
desconfiança, em que as pessoas tinham medo dos seus vizinhos, dos seus amigos
e até dos desconhecidos, pois qualquer um poderia denunciar um herege, assim
como ninguém estava isento de ser condenado. Havia também o medo do pecado, medo
de si próprio, temendo tornar-se um agente do diabo, medo da ira de Deus, medo
da mortee principalmente o medo de condenar a sua alma por toda a eternidade.
Desta forma, a Igreja
utilizava-se desses medos para coibir as pessoas de praticarem qualquer tipo de
comportamento que não estivesse de acordo com os dogmas da Igreja, tais como
poções mágicas, práticas curativas, benzeduras, culto à ídolos pagãos, entre outros.
Não foi realizado nenhum auto
de fé no Brasil, no entanto houveramprisões, torturas, confiscos dos bens e até
morte. Os hereges que cometiam os crimes mais graves, e tinham como sentença a
morte, eram encaminhados para Portugal.
O processo Inquisitorial no
Brasil durou cerca de 300 anos, foi um grande instrumento de disseminação do
Cristianismo, uma ferramenta poderosa no controle das massas além de ter
acarretado grandes transformações no âmbito social, religioso, econômico e
cultural da colônia.
OBJETIVO
GERAL
Analisar
os agentes causadores do medo na Inquisição no Brasil Colonial.
·
Examinar o papel da Igreja enquanto detentora
da verdade absoluta e da salvação.
·
Compreender a relação entre Medo e Inquisição
no Brasil Colonial.
·
Analisar os reflexos das ações inquisitoriais
no cotidiano da sociedade Colonial.
FUNDAMENTAÇÃOTEÓRICA
Desde a queda do Império Romano com
a consolidação do Cristianismo, a Igreja católica estendeu seus domíniosem
todos os aspectossociais e políticos que caracterizavam a Europa Medieval. Dentro
da sociedade o clero não se submetia as leis dos homens, mas as leis dos homens
necessitavam da aprovação divina. A Igreja que já eradetentora do poder
espiritual, dona da verdade absoluta e da salvação, passou a ter suas
práticas associadas ao poder temporal, e
chegou a ter posse de cerca de um terço das terras da Europa.
O culto aoCristianismofoi legalmente
liberado por Constantino no ano de 313, e gradativamente se disseminou por toda a Europa, tomando proporções
gigantescas, as pessoas não tinham o livre arbítrio de escolher entre ser ou
não ser cristão. Era-se cristão simplesmente. A Igreja era o único caminho, o
único meio de livrar os fiéis do mal que habitava dentro de cada um, através
das práticas heréticas. As pessoas eram assoladas pelo medo de perder a própria
alma. Havia a crença no sobrenatural, no poder das trevas e de seus demônios no
mundo, segundo Richards (1993, p. 82):
[...] Acreditava
também nabruxaria, que era uma explicação conveniente tanto para as catástrofes
naturais súbitas (fome, epidemias, tempestades, enchentes, destruição de safras
e animais) quanto para problemas familiares recorrentes, tais como impotência,
infertilidade, crianças natimortas e mortalidade infantil.
A Igreja oferecia aos seus fieis uma
tábua de salvação, de vida eterna e que somente por intermédio dela os homens
seriam poupados do fim apocalíptico para o qual a sociedade caminhava.
Apesar do controle imponente e
inquestionável da Igreja, não foi possível conter a difusão das heresias,
principalmente dos cátaros ou albigenses do sul da França nos séculos XII e
XIII, visto que suas práticas constituíram-senuma espécie de Igreja diferente
da Igreja de Roma. Para os Cátaros, a Igreja não necessitava de dogmas, a
religião tinha que sersimples, de acordo com os ensinamentos de Cristo, já na
visão da Igreja Romana tais práticas
eram inaceitáveis, pois colocavam em dúvida a infalibilidade da
Igreja,contestavam os dogmas e abalavam o poder e a força da Santa Fé.
Como forma de conter asheresias, e manter
o domínio da Igreja, a Inquisição medieval foi responsável porperseguições e
atos de extrema crueldade, dizimou populações inteiras e levou a fogueira
milhares de hereges.“Em sua origem, aInquisição foi produto de um mundo brutal,
insensível e ignorante. Assim, o que não surpreende foi ela própria insensível
e ignorante”, como afirmam Baigent e Leigh (2001, p. 15)
Assim como a Inquisição medieval,a
Inquisição Moderna agia em nome da Fé, buscando unificar e expandir o
Cristianismo e suas práticas tinham como justificativa de salvar almas, mesmo
que para isso tivessem que lhes queimar a carne dos infiéis como forma de
purificação. Outra principal característica era a manipulação dos fieis por
intermédio do medo, as pessoas viviam angustiadas, num ambiente de incertezas e
insegurança. Segundo Delumeau(2009, p. 34) “Como o medo, a angustia é
ambivalente. É pressentimento do insólito e espera da novidade; vertigem do
nada e esperança de plenitude [...]”
A Inquisição Modernateve seu apogeu
durante os séculos XVI, XVII e XVIII,
principalmente na PenínsulaIbérica, tinha o seu território composto por
Cristãos, muçulmanos, judeus, Mouros, entre outros grupos. Então a Inquisição
na Península teve um caráter de unificação.
As
terras reconquistadas foram reorganizadasem reinos ibéricos, no final do século
XV e início do século XVI, houve a união dos reinos de Castela e Aragão. Essa
união também estava vinculada ao poder da Igreja, na figura do Papa. Essa união valia-se do princípio da Fé, no entanto
era motivada por interesses próprios, enquanto os Reis garantiam recompensas
financeiras, a Igreja garantia o seu legado, como afirma Novinsky (1986, p. 30):
A Inquisição ibérica
ultrapassou de longe a crueldade e intensidade da inquisição papal na Idade
Média. Foi estabelecida com a autoridade do papa, mas seu idealizador foio rei,
com o objetivoprincipal não de resolver um problema aparentemente religioso,
mas social.[...]
Com
o apoio da burguesia, o rei se fortaleceu, justificando as suas ações eo seu
poder absoluto como sendo a vontade divina. “Se o rei era soberano pela vontade
e graça de Deus, nada mais lógico que jurasse defender o Cristianismoe
fazer tudo para mantê-lo intacto”, como afirma Siqueira (1998, p.14).
Este processo de retomada da Península
Ibérica conculminou com as grandes navegações, ao conquistar novas terras o
reino poderia obter metais preciosos, matérias-primas, e produtos inexistentes
na Europa. Até mesmo a Igreja Católica estava interessada nesteempreendimento,
pois significava novos fieis.
A
presença da Inquisição no mundocolonial era uma forma lucrativa de manter esse
novo mundo unido a Metrópole e submetido ao poder do rei. O Tribunal se adequou a vida dos povos
ibéricos da maneira mais completa possível. “A instalação do Santo Oficio nas
colônias da Espanha e de Portugal foi portanto, uma decorrência do processo de
colonização”, como afirma Siqueira (1998, p.23).
Assim
como na Metrópole houveram perseguições, principalmente aos Judeus, visando
confiscar seus bens. As acusações eram feitas por intermédio dedenúncias,
muitas vezes sem provas. Ao longo da colonização três Tribunais se instauraram
nas colônias espanholas: na cidade do México, onde se realizou omaior auto de
fé, na cidade do Peru e em Goa.
Os reis de Portugal e da Espanha viram
no Tribunal do Santo Ofício uma maneirade combater as práticas heréticasque
ameaçavam a ordem natural de Deus, motivada e mantida mais pelo medo do que
pela fé. A Igreja Católicafoi uma peça
fundamental tanto na disseminação, quanto no combate do medo.
O maior agente causador do medo,o Diabo, ou seja, o
mal personificado rodeava a vida das
pessoas, os fieis viam-se assim segmentado em medos nomeados e explicados pela
Igreja Católica como afirma Delumeau (2009, p. 44) :
Uma ameaça global de
morte viu-se assim segmentada em medos, seguramente temíveis, mas ‘nomeados’ e
explicados, porque refletidos e aclarados pelos homens deIgreja. Essa
enunciação designava perigos e adversários contra os quais o combate era se não
fácil, ao menos possível, com a ajuda da graça de Deus.
Os medos podiam ser cíclicos, que eram
aqueles que surgiam de um momento para outro e que da mesma forma
desapareciam,como por exemplo, o medo das epidemias, das mazelas, dos impostos,
dos forasteiros, medo do desconhecido.
Existiam também os medos permanentes que agonizavam as mentes
assombradas.
Esses
medos não tinham distinção de classe social, eeram alimentados pelas sagradas
escrituras – Bíblia, ou por intermédio de membros do clero. Dentre esses medos
o principal deles era: Medo do demônio, de ser corrompido pelo mal.Existia
outros medos como, por exemplo: medo do mar, das estrelas, medo de pecar, medo da
ira de Deus, medo da morte.
Observa-se
que a Igreja católica era um instrumento tanto de combate aos agentes
causadores do medo, quanto uma grande fonte de disseminação do medo, como
afirma Delumeau (2009, p. 44):“[...] Desmascarar Satã e seus agentes e lutar
contra o mal era, além disso, diminuir sobre a Terra a dose de infortúnios de
que são a verdadeira causa [...].”
Diferentemente da Inquisição
Espanhola, a Inquisição Portuguesa não estabeleceu nenhum Tribunal formalmente,
no entanto a ausência de uma sede fixa não impediu a Inquisição de estabelecer
regras de comportamento dentro da sociedade colonial. O Brasil
recebeuvisitações da Inquisição durante
os três séculos da colonização. Apesar
de não ter havido um Tribunal do Santo Oficio nacolônia, houveram
perseguições, confiscos, prisões,
torturas e até morte. Quando um réu era
condenado a penas mais graves ele era encaminhado para a Metrópole.
Váriosfatores
contribuíram que não fosse instaurado um
Tribunal do Santo Ofício na colônia,
dentre eles: as doenças, a precariedade
das viagens, a não
socialização do índio e principalmente
o fato de não haver um retorno
financeiro imediato.
A ideia de um mundo sem regras
incomodava a Igreja.A própria menção da palavra Brasil estava associada a
práticas heréticas, em que a cor vermelha, do pau-brasil, simbolizava a figura
da brasa quente, como o inferno e a prática dos colonos viverem em fornicações.
Assimcomo
na Metrópole a Inquisição
Portuguesa fazia o uso de tormentos e torturas para conseguir as delações e confissões.
Qualquer umestava a mercê de ser
considerado um herege. Criandouma
atmosfera de medo e desconfiança,
em que as pessoas tinham medo dos seus
vizinhos, dos seus amigos e até dos
desconhecidos.
Qualquerprática que fosse
contra os dogmas da Igreja era punida com severidade, como comer carne nos dias de quaresma, não
jejuar, tomar banhos nas Sextas-feiras, ler livros proibidos. Bastava ter uma
ideia contrária ao catolicismo ou acobertar alguém que compartilhasse,as ações
inquisitoriais moldaram o comportamento da sociedade colonial.
Os Cristãos-novosforam o principal
alvo da Inquisição no Brasil, a Igreja acreditavam que eles eram disseminadores
de heresias, no entanto, outro fator
mais importante era o aspecto econômico, que poderia dar aos cristãos –novos
uma maior autonomia e um poder maior de
ação no meio social. Segundo Novinsky (1986, p. 79):
O auge de perseguições
inquisitoriais no Brasil deu-se na primeira metade doséculo XVIII, quando a
produção do ouro dominava a economia colonial [...] Aproximadamente 500 cristãos novos, entre
homens e mulheres, foram levados para
os cárceres da Inquisição em
Portugal, acusados de
serem judaizantes [...]
Fórmulas mágicas para cura, rezas também
foram denunciadas, devido a falta de profissionais da saúde, e
também devido as grandes distâncias eram comuns o uso de curandeiros, o uso das plantas nativas
misturadas a saliva e aplicadas obre os ferimentos.Para a Inquisição, essas
pessoas eram possuídas por demônios e tinham que se libertadas. Como afirma Siqueira
(1998, p.29) “ [...] como tudo isso era
feito acreditando que as doenças tinham sua origem em malefícios e bruxarias, supunha-se que os curandeiros tinham relação íntima com forças
sobrenaturais que provavelmente vinham do demônio.”
Não existia apenas o controle do
corpo, existiao controle da mente. As
pessoastinham os seus desejos, suas
vontades oprimidas, segundo Vainfas (2010, p.61) “Para livrar os fieis
de tão terrível destino os nossos pregadores acenavam a confissão, único meio
de reconciliá-los com Deus, desde que
confessassem perfeita e verdadeiramente
todos os pecados, sem exceção.”
A Inquisição nacolônia foi
responsável, por muitas das práticas doutrinárias existentes até os dias
de hoje, e as suas ações contribuíram para moldar a sociedade em
todos os aspectos: culturais, político, religioso e por que não
econômico. Segundo Novinsky (1986, p.87) “[...]durante os três séculos, podemos dizer que a
Inquisição, com o apoio do Estado, atacando os cristãos-novos [...] impediu o
desenvolvimento do capitalismo comercial. A
burguesia portuguesa que nascia [
...] foi castrada pela Inquisição [...]”.
Walnísia Nóbrega,
Licenciada pelas Faculdades Integradas de Patos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
DELUMEAU,
Jean. História do Medo no Ocidente
1300-1800: uma cidade sitiada; TraduçãoMaria Lucia
Machado; Tradução de
notas Heloisa Jahn. São Paulo:
Companhia das Letras, 2009.
NOVINSKY,
Anita Waingort. A Inquisição. São
Paulo: Brasiliense, 1986.
RICHARDS,
Jeffrey. Sexo,desvio e
danação: as minorias na
Idade Média. Rio de Janeiro:
Zahar, 1993.
SIQUEIRA,
Sônia Aparecida. A inquisição. São
Paulo: FTD, 1998.
VAINFAS,
Ronaldo. Trópico dos pecados: moral,
sexualidade e inquisição no Brasil.Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
2010.
BAIGENT, Michael; LEIGH, Richard.A Inquisição. Rio
de Janeiro: Imago, 2001.
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