segunda-feira, 12 de novembro de 2012

As chamas políticas da Inquisição: ações e interesses



 
A Inquisição foi uma instituição religiosa criada com o intuito de investigar e punir pessoas acusadas de heresia, nela estavam presentes tanto pessoas do clero quanto leigos. Teve seu início na Idade Média onde a Igreja Católica já detinha enormes poderes e, portanto não aceitava divergência, já que seus dogmas eram “incontestáveis”. Com esse cenário surgiu a Inquisição medieval, ou seja, a raiz do terror que se deu principalmente na luta política e ideológica contra o catarismo no sul francês na cidade de Albi.

 Mas a Inquisição ficou conhecida, principalmente, na Península Ibérica onde atuou por mais de três séculos e ganhou enormes proporções e, portanto ficou caracterizada pela falta de freios e de suas ligações fortes com o Estado, com isso suprimiu e calou muitos contestadores, além de torturar e perseguir os que eram contra a Igreja Católica.
O jogo de interesses pode ser percebido nas ações que os Reis Católicos, tomaram diante do possível usufruto do tribunal inquisitorial. Da Inquisição procuraram manter o controle e com ela submeter a população aos seus interesses, principalmente porque a parte espanhola da Península estava fragmentada devido a guerra de Reconquista contra os muçulmanos e com isso poderiam da Inquisição tirar algum usufruto, como, por exemplo, o dos bens confiscados, que serviriam para ampliar a força do Estado na guerra.

Os cidadãos que eram considerados hereges e que caiam nas garras da Inquisição sofriam variadas penas, entre elas, a tortura, a morte, o degredo, a humilhação pública e também o confisco dos bens, este que servia para ampliar e consolidar o poder, dos reis, nobres e clérigos, enfraquecendo ainda mais os hereges.
A falta de tolerância da Inquisição pode ser vista através dos índices de intolerância religiosa e jogo político que se fez presente, em tal instituição e sendo assim o principal objetivo deste trabalho é, perceber e analisar como se deu esse jogo de interesses na Península Ibérica.
Sintetizando minha pesquisa concluo que a Inquisição teve suas consequências tanto nos estados ibéricos, como também nas colônias e que ficou marcada como um rastro obscuro na história da humanidade.

Levando-se em consideração a importância do início do período moderno, e o interesse em propagá-lo para o meio social, já que determinadas situações ligadas a Inquisição não foram completamente destacadas e esclarecidas, buscarei de forma clara despertar nos estudantes e pesquisadores do tema o interesse da temática abordada para que busquem aprofundar-se mais em seus conhecimentos e que possam de alguma forma observar e analisar este momento da história humana que deixou tantas marcas.

Tem por objetivo ainda despertar em alunos e professores de História ou até mesmo religiosos, o desejo de perceber e questionar situações ocorridas neste período, dado a importância desse fato histórico e as suas consequências. Recriando a construção de uma consciência crítica em relação à determinadas situações históricas, evitando assim, julgamentos precipitados que possam trazer consigo discriminação e preconceito, ou seja, a preocupação em manter o respeito pelo próximo.
Este trabalho servirá para mostrar algumas situações que nos passam despercebidas e que exigem uma observação cuidadosa, por último, procura abrir o horizonte de pesquisadores e estudantes para que não condenem o passado, mas sim o compreendam.


OBJETIVO GERAL

Analisar como se deu o jogo político na Inquisição Ibérica;

 OBJETIVOS ESPECÍFICOS

Perceber o cristianismo no final do Império Romano;
Examinar a Inquisição medieval como semente do terror;
Compreender as ações dos reis e papas durante a Inquisição Ibérica;

 Como se deu o jogo político na Inquisição Ibérica? 

Os interesses políticos puderam ser vistos nas ações que os reis que compunham a Península Ibérica e o papado tomaram, pois antes do estabelecimento da Inquisição a briga em torno do usufruto dos seus benefícios foi muito forte. Mas ao mesmo tempo precisavam agir juntos para que a caça a heresia surtisse efeito tanto para Roma como para os monarcas.
A perseguição feita contra a heresia pode ter ocorrido não somente por questões religiosas, mas também nas possíveis condições que os chamados hereges ocupavam com relação aos católicos, ou seja, o choque de interesses. Além de que em ambos os Estados ibéricos, Espanha e Portugal, prevalecia o desejo de centralização do poder monarca.
A política inquisitorial dava um bom suporte para as mais fortes facções de poder presentes na Península que eram a nobreza, a coroa e por último o clero.
 

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 

As perseguições com envoltos religiosos foram algo frequente durante o percurso da História, e não foi diferente com o Cristianismo que antes de ser legalizado em 313 d.C. por Constantino era amplamente combatido pelos pagãos do Império e também pelos Imperadores, dado ao passo que a nova religião desprezava a divinização incumbida aos imperadores e, portanto, tendia a questionarem o seu poder. E mesmo porque a nova religião não aceitava a escravização, esta que formava a base da economia imperial. Dado que pregava uma mensagem de amor e igualdade, não condizente com a realidade romana e que podia fazer minar as bases do mundo até então conhecido.
Mas, como as heresias que posteriormente surgiriam em contrapartida a Roma Clerical, o Cristianismo cresceu e se fortaleceu no seio do cambaleante Império Romano, tendo como base principal da cristandade pobres ou mesmo os escravos. Visto um Império cada vez mais abalado, o Imperador Teodósio então oficializou no ano de 390 d.C. o Cristianismo como religião oficial do então desestruturado Império Romano, e a partir daí de alguma forma a estrutura da Igreja passa a servir a fins de organização imperial, que consequentemente ofereceram certos usufrutos aos Imperadores.
Depois de legalizada, oficializada e consolidada a nova religião cresceu e tomou proporções que os seus primeiros adeptos e disseminadores jamais imaginariam. Consequentemente como tudo aquilo que conquista poderes consideráveis ou mesmo absoluto não aceita, na maioria das vezes, contestação,. assim foi a Igreja Católica diante das heresias que no decorrer da história apareceram.

A Inquisição teve sua gênese na Idade Média onde o poder e a influência da Igreja Católica foram muito forte. Era tamanha a sua força que ela conseguiu moldar tanto o pensamento como o comportamento da sociedade medieval, sem falar que a mesma era detentora de grande poder econômico. Sendo chamada por alguns historiadores de “Senhora Feudal”.
O poder da Igreja foi conseguido através de uma inteligente adaptação, em que ela usou a queda do Império Romano e consequentemente a invasão bárbara para dar a sua cartada no jogo. Foi neste momento que ela conseguiu agradar a romanos e os povos bárbaros, como expõe Franco Júnior (2004, 67),

 [...] Ao negar diversos aspectos da civilização romana, ela criava condições de aproximação com os germanos. Ao preservar vários outros elementos da romanidade, consolidava seu papel no seio da massa populacional do Império. Desta maneira, a Igreja pôde vir a ser o ponto de encontro entre aqueles povos[...] A Igreja passava a ser a herdeira natural do Império Romano.
Foi desta maneira que a Igreja conseguiu se consolidar e tomar proporções gigantescas, pois segundo Baigent e Leigh (2001, p.19) “oferecia caminhos mais curtos para o Paraíso”, justamente numa época de incertezas e instabilidades. Assim, com enorme poder começam a surgir os primeiros abusos de quem a compunha, com vidas luxuosas e muitas vezes extremamente pecaminosas, entrando, portanto em choque com a verdadeira razão do cristianismo.

É com esse contexto que surgiu as primeiras heresias em contrapartida com o exuberante modo de vida eclesiástica, um contexto em que o dominante tem características e ligações com mundo espiritual e temporal, destarte não aceitavam opiniões distintas ou contrárias. Segundo os primeiros hereges, que foram os chamados “cátaros” ou “albigenses” do sul da França no século XIII, eles estariam mais próximos de Deus, pois viviam de forma bem simples, o que fazia com que ficassem mais próximos do estilo de vida ao qual Jesus teria adotado juntamente com seus apóstolos.

Diferentemente Roma tinha outro estilo de vida, luxuoso e em alguns casos mundanos. Com esta ideia de sobrevivência e pregação, o catarismo começou a crescer e tomar o lugar da Igreja Católica principalmente no sul francês, o que poderia levar a queda da hierarquia Católica nesta região. O catarismo de acordo com Baigent e Leigh (2001, p.26), “de uma maneira mais prática, oferecia uma fuga do ubíquo clero de Roma, da arrogância clerical e dos abusos de uma Igreja corrupta, cujas extorsões se tornavam cada vez mais insuportáveis“.

Com esta ideologia herética, o catarismo começou no inicio do século XIII a suplantar o lugar da Igreja Católica, sendo a partir daí considerada uma forte heresia e merecendo, portanto, uma atenção redobrada ou mesmo uma reconversão, pois o terreno e as arrecadações romanas estavam a cair por terra. Então, a primeira ação tomada veio com o Papa Inocêncio III, pedindo de início ao Rei da França para que se tomasse alguma providência mesmo que isso implicasse em uma luta armada e consequentemente em mortes. A chamada Cruzada Albigense, trazia consigo inúmeros benefícios de quem dela participasse a favor de Roma, como afirmam Baigent e Leigh (2001, p.28),

Todos os que participassem dessa campanha seriam imediatamente postos sob a proteção do papado. Seriam liberados de pagamento de todo juro sobre suas dividas e isentos da jurisdição dos tribunais seculares. Receberiam plena absolvição de seus pecados e vícios, contanto que servissem um mínimo de quarenta dias.
Os que desta Cruzada participaram levavam consigo não a proteção da unidade da fé Católica, mais sim os interesses próprios em busca de recompensas que assim lhes seriam garantidos. Contudo o que queria mesmo a Igreja era garantir sua força e sua hierarquia. Isso pode ser visto na infame frase do legado papal Arnald-Amaury, quando indagado sobre, como identificar os verdadeiros católicos? Ele simplesmente disse “matai todos eles. Deus reconhecerá os Seus”6, se não bastasse a restauração da força da Igreja, era desejada pelos cruzados a exterminação completa das heresias.
Lança-se a partir daí as sequências de morte na fogueira, marca registrada das Inquisições e que apesar da violência não conseguiu suplantar totalmente a heresia cátara, pois como todas as outras que na sequência apareceram, fizeram-se vivas e contagiosas na clandestinidade. E passaram desta forma a se tornarem os bodes expiatórios dos donos do poder, tanto que determinados pontífices incentivaram a localização e caça desses ditos hereges.

Todos esses fatores deram suporte para a mais conhecida das Inquisições que atuou na Península Ibérica. Ou seja, a Inquisição Ibérica teve suas raízes de intolerância ainda na Idade Média, mas foi na época Moderna que ela tomou proporções até então, inimagináveis. Naquele momento tinha-se em cenário, uma Península em consolidação, onde os reis procuravam manter sob seu domínio a fim de atender os seus interesses, o controle inquisitorial, o que mostra o caráter político que ganhou a Inquisição na Espanha e em Portugal, já que não foi somente controlada pelo papado, mas principalmente pelos reis.

Nas palavras de Cintra Franco e Reinhardt Santana (1995, p. 30), “o tribunal foi utilizado como um instrumento de ação política, social e econômica: os bens confiscados dos acusados como hereges contribuíam para reafirmar e ampliar o poder dos reis, da nobreza e do clero”, desta forma, percebemos que no caso da Espanha, que durante muitos anos lutou para retomar seus territórios, quando os conseguiu, necessitava então consolidar o reino espanhol sob um só poder. Percebendo isto, dois dos reis que compunham a Espanha naquele momento, em uma jogada resolveram casar-se e assim ampliarem o domínio que até então lhes pertencia, mas que aumentaria e muito com a união.

Da união entre Isabel de Castela e Fernando de Aragão resulta o fim da paz encontrada entre as várias religiões e dá início a um período onde a religião ganha um caráter político muito forte. A Inquisição espanhola teve seu inicio no ano de 1478 e teve como alvo principal os judeus, já que aos olhos cristãos eles detinham uma posição econômica privilegiada, que derivava possivelmente das explorações às quais sofriam os católicos. Assim, o choque entre duas burguesias, a cristã e a judaica, e esta última recebeu sobre suas costas a causa de todos os males que ali ocorreram.

Essa foi uma das políticas dos reis católicos para desviar o olhar, dos soberanos e classes dominantes para os hereges como fonte dos males. Essa discriminação chegou até os cargos oficiais o que segundo Novinsky (1986, p.28) “mostra claramente que se tratava de um problema social, mesmo que tivesse envolvimento religioso”. Consequentemente todas as ações tomadas pelos soberanos para ampliarem o poder de atuação tinham como base o apoio dos homens da Igreja dos da cidade e financeiramente se dava através dos bens confiscados provenientes dos hereges
O impacto da Inquisição ibérica foi maior que sua antecessora medieval tanto no campo político, já que era uma política real como também no repressor e religioso, tanto que para Novinsky (1986, p.31), 

A Inquisição ibérica ultrapassou de longe a crueldade e intensidade da Inquisição papal na Idade Média. Foi estabelecida com a autorização do papa, mas seu idealizador foi o rei, com o objetivo principal não de resolver um problema aparentemente religioso, mas social.
Tendo como moldes de funcionamento o modelo espanhol, em Portugal a Inquisição teve também um caráter político muito forte, este começou no estabelecimento do tribunal, pois tanto o papado quanto rei queria o poder em suas mãos, já que os donativos confiscados ficavam com quem tivesse o controle da instituição. O resultado só veio depois da jogada do rei português, após ter oferecido uma enorme fortuna ao papa, que no ano de 1536 emitiu uma bula papal permitindo o funcionamento inquisitorial.

O caráter político da Inquisição portuguesa confirma-se nas palavras de Novinsky (1986, p.36), que diz que “todas as negociações entre Roma e Portugal para se estabelecer o Tribunal tiveram por base o dinheiro”. O embate foi grande dado ao fato de que Roma via o quanto poderia enfraquecer se o controle da Inquisição ficasse nas mãos portuguesas, já que era frequente em todas as negociações corrupção, suborno e intrigas, pois tudo girava em torno da centralização do poder.
O que deveria ser um movimento de caráter religioso acabou sendo objeto de consolidação de poderes não religiosos, como expõe Novinsky (1986, p.37), 

Apesar de todo aparato religioso e da auréola divina com que o Tribunal da Inquisição se revestiu, apesar das funções “santas” que alegou, foi uma instituição vinculada ao Estado. Respondeu aos interesses das facções do poder: coroa, nobreza e clero.
A corrida pela unidade da fé, na verdade era a busca da submissão e centralização de dos poderes soberanos, interessados nos lucros obtidos, isso porque os principais alvos foram os homens de negócio. Além de que quando estabelecido o Tribunal, o rei e inquisidor eram a mesma pessoa, ou seja, a Inquisição era um instrumento que servia para acabar e silenciar as perturbações politicas que apareciam.

A Inquisição deixou enormes marcas, tanto nos reinos quanto nas colônias por onde também atuou cruel e vigilantemente, além de deixar marcas profundas na história da humanidade, tanto que para Green (2011, p.32) “a Inquisição foi nada menos do que a primeira semente dos governos totalitários e da institucionalização do abuso racial e sexual”.


Lázaro Henrique, 
Licenciado Pelas Faculdades Integradas de Patos. 

Referências bibliográficas

GREEN, Toby. Inquisição: o reinado do medo. Rio de Janeiro. Objetiva, 2011.
FRANCO JÚNIOR, Hilário. A Idade Média: o nascimento do ocidente. São Paulo. Brasiliense, 2004.
BETHENCOURT, Francisco. História das Inquisições: Portuga, Espanha e Itália – séculos XV-XIX. São Paulo. Companhia das Letras, 2000.
BAIGENT, Michael; LEIGH, Richard. A Inquisição. Rio de Janeiro. Imago, 2001.
NOVINSKY, Anita Waingort. A Inquisição. São Paulo. Brasiliense, 1986.

 











 

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