PALAVRAS
CHAVE: CORPO, CONTROLE, CIVILIZAÇÃO,
OBJETIVOS:
Apresentar
as intencionalidades do europeu em colonizar o Brasil;
Discutir a relação que o europeu tinha com o
seu corpo;
Analisar o discurso europeu em relação ao
corpo do índio.
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FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
O
descobrimento das terras americanas ocasionou certo tumulto na Europa,
sobretudo em virtude do modo de vida dos seus habitantes que de longe se
diferenciavam do conceito de civilidade que se instalava na Europa, conceito
esse que servia para controlar os corpos e uni-los em torno de um bem comum a
fim de monitorar suas intimidades e integra-los num sistema onde seus hábitos,
costumes e sua vida íntima eram relacionados ao corpo, segundo Jacques Revel
(1991, p.169):
[...]
Com efeito, o século XVI é o de um intenso esforço de codificação e controle
dos comportamentos. Submete-os às normas da civilidade, isto é, às exigências
do comércio social. Existe uma linguagem dos corpos, sim, porém destina-se aos
outros, que devem poder captá-la. [...]
Em
virtude desse pensamento, fez-se necessário na América Portuguesa uma
colonização que atendesse ao mercantilismo, que estava em alta na época das
grandes navegações e em como os habitantes das novas terras seriam inclusos a
esse sistema “civilizatório” tendo em vista que os mesmo deveriam ter seus
corpos domesticados para atender a demanda exigida pelo sistema. A influência
do pensamento renascentista do embate entre o bem e o mal que marcou o período
na Europa colocando em voga tensões como o inferno e o paraíso, pensamento
laico e religioso e assim por diante, também teve continuidade na colônia
brasílica.
No
Brasil esse embate se fez presente quando analisamos as intencionalidades dos
portugueses, segundo Laura de Mello e Souza (1993, p.22):
Tensão entre o racional e o maravilhoso, entre o
pensamento laico e o religioso, entre o poder de Deus e do Diabo, embate,
enfim, entre o bem e o mal marcaram desta forma concepções diversas acerca do
novo mundo. Para os primeiros colonizadores e catequistas da América, que
viveram numa época em que contendas religiosas dilaceravam a Europa, o recurso
a tal embate não era simples retórica, mas índice de mentalidade onde o plano
religioso ocupava lugar de destaque, mostrando-se presente nos mais diversos
setores da vida cotidiana.
Ao
mesmo tempo em que os portugueses procuravam novos mercados para comercializar
existia a preocupação de trazer novas almas ao rebanho da Santa Madre Igreja,
os catequistas tiveram um papel muito importante na colonização, uma vez que a
evangelização servia tanto para trazer a alma do nativo a Deus como também
servia para domesticá-lo e inclui-lo no sistema colonizador, com o objetivo de
transformar a colônia numa verdadeira réplica de Portugal, sendo necessário
para isso a demonização da imagem do nativo. O português se via então com a
carga de ser o enviado de Deus para evangelizar os gentis, segundo Laura de
Mello e Souza (2009, p.49): “Os portugueses se imbuíram sinceramente de seu
papel missionário. Os outros homens, por instituição divina, tem só a obrigação
de ser católico: o português tem obrigação de ser católico e de ser apostólico
(...)”. Era um pensamento constante que circulava em Portugal, principalmente
no meio dos eclesiásticos que em meio a tantos outros povos, Deus tinha
escolhido Portugal para a missão de colonizar e fazer as terras
recém-descobertas produzir riquezas e também resgatar as almas dos seus
habitantes para Deus. Vemos então que a expansão da fé e a colonização
caminharam juntas, então, nada mais simples do que justificar a dominação dos
nativos brasileiros a partir do pressuposto de que eles não tinham nem leis nem
religião, portanto possuíam um nível civilizatório inferior aos do europeu.
Então
em nome de Deus, os portugueses agiram e tentaram a todo custo moldar os
costumes, práticas... Enfim a cultura do índio para torná-lo um ser dócil capaz
de realizar diversos trabalhos como o da exploração do Pau Brasil e também a
agricultura. O ameríndio possuía seu próprio sistema de agricultura, mas era um
sistema que visava apenas o necessário para se manter, não era o objetivado
pelo português, que usando desses argumentos para a dominação do índio, chegou
a compara-los com os negros que eram escravizados, estes estavam habituados a
manter essas relações de trabalho, portanto eram considerados mais
“civilizados” que os índios, segundo Mary Del Priore e Renato Pinto Venâncio
(2001, p.24):
[...] Os portugueses ignoravam a identidade dos povos
indígenas, acusando-os de não ter religião ou de desconhecer a agricultura.
Consideravam que seu nível civilizatório era inferior ao dos nativos africanos;
parecer que muito breve iria justificar a exploração e a catequese obrigatória
de tribos inteiras [...]
Fica
claro que os portugueses se preocuparam em fazer as terras brasileiras gerarem
as riquezas que aqui não encontraram, e que uma das suas principais intenções
seria moldar um corpo que estava habituado a um modo de vida totalmente
diferente do seu, o do índio, para um corpo com características muito mais
próximas das suas, em que qualquer sinal diferente seria motivo para banimento
ou escravidão forçada dos mesmos.
A
normalização e o combate às práticas culturais dos indígenas por parte dos
portugueses é uma continuidade das práticas que estavam ocorrendo na Europa.
Com o Renascimento, os humanistas entraram em evidência e os padrões mudaram
lentamente, o corpo ganhou destaque e as regras para controlá-lo iam sendo
normatizadas, Segundo Mary Del Priore (2011, p.13):
[...] A vida quotidiana naquela época era regulada por leis
imperativas. Fazer sexo, andar nu ou ter reações eróticas eram práticas que
correspondiam a ritos estabelecidos pelo grupo no qual se estava inserido[...]
Na
Europa o corpo era, portanto, regulada a partir do grupo social em que o
indivíduo estava inserido, sendo codificados todos os movimentos corporais do
mesmo, desde sua postura até seu modo de falar. As regras começaram a ser
divulgadas, e o comportamento passou a ser definido como regra geral para
identificar o grupo social ao qual o indivíduo pertencia, regras que iam desde
o modo de se comportar das crianças, até os mais velhos. O corpo passa a ser
visto como principal meio civilizador, e nele é que essa ideia ia ser aplicada,
segundo Jacques Revel (1991, p.174):
[...]
Assim são proscritos num mesmo plano os gestos e atitudes que poderiam arrancar
a humanidade de si mesma e arrastá-la para a animalidade, por exemplo, (o riso
equino, a voz nasal que lembra o elefante, a postura curvada como a das aves
pernaltas); os que perturbam a harmonia, confundindo os gêneros (e tudo o que
se refere em particular à indistinção sexual), mas também expressando paixões
individuais com demasiada indiscrição [...]
Dessa
forma, todo e qualquer comportamento que estivesse fora dos padrões
estabelecidos era tido como anormal e era imediatamente corrigido. O objetivo
era eliminar todo e qualquer indício que mostrasse alguma animalidade, a
naturalidade do corpo era cada vez mais reprimida, e quanto mais ele se
afastasse de sua naturalidade, mais civilizado ele seria. As regras se
distanciavam e o “pudor” tinha significados e variações diferentes quando
relacionado a práticas de homens ou de mulheres, ou de diferentes grupos
sociais, segundo Mary Del Priore (2011, p.19): “(...) Mesmo na Europa, pudor de
sentimento & pudor corporal tinham significados diferentes entre os
diferentes grupos: ricos ou pobres, homens ou mulheres”. Portanto, prática que
poderiam ser concebidas aos homens na maior naturalidade, para as mulheres já
não era permitida por questões de pudor, da mesma maneira com as classes
sociais, a nobreza gozava de muitas regalias a práticas que se cometidas por
classes como a burguesia, seria motivo de vergonha e consequências por parte
das autoridades superiores.
No
Brasil o discurso europeu buscou legitimar o seu domínio sobre os índios, várias
tentativas para moldá-lo e tentar inseri-lo no sistema de colonização português
foram utilizadas, buscando assim uma representação mais próxima possível do
modelo de cristandade vivido na Europa. O corpo do nativo foi o principal alvo
dessa ideologia cristianizadora. O primeiro contato que os portugueses tiveram
com os índios não causou muito espanto, pois a nudez do índio foi associada a
sua pobreza e inocência, mais a medida que o contato entre eles foi se
intensificando os costumes e prática dos índios causou certos desconfortos nos
portugueses, que se utilizaram dos mesmo para justificar a colonização das
terras e a catequização dos índios, a primeira preocupação foi com a nudez,
segundo Mary Del Priore (2011, p.17):
[...] Vesti-lo era afastá-lo do mal e do pecado. O corpo
nu era concebido como foco de problemas duramente combatidos pela Igreja nesses
tempos: a luxúria, a lascívia, os pecados da carne. Afinal, como se queixava
padre Anchieta, além de andar peladas, as indígenas não se negavam a ninguém.
A
nudez, foco de situações constrangedoras e aflitivas para o europeu passou a
ser combatida com o pretexto de assim se combater os pecados nefandos da carne,
principal foco disciplinar da Igreja. A medida que a colonização ia avançando,
a igreja percebeu que o perigo maior residia no uso que o nativo fazia do seu
corpo, e qualquer característica diferente encontrada num grupo, ou numa tribo
era motivo de catequização forçada, afim de se banir por completo esses
costumes, segundo Márcia Amantino (2011, p.18):
Com
exceção da presença ameaçadora do pajé, todos os demais problemas identificados
como perturbadores da boa conduta eram decorrentes, direta ou indiretamente,
dos usos que os indígenas faziam de seus corpos e dos alheios. O corpo
indígena, nu e praticante de atos considerados pelos religiosos como ofensivos
a Deus, precisava ser domado.
A
preocupação agora residia no uso que o índio fazia do seu corpo e do corpo do
próximo, práticas como a antropofagia, homossexualidade e a poligamia passaram
a ocupar o topo da lista das atividades a serem duramente combatidas pelos
catequizadores. A medida que a evangelização ia avançando os religiosos percebiam o quão difícil estava sendo a
aculturação desses povos, que insistiam em continuar com suas práticas, mesmo
se transformando exteriormente, no seu interior continuavam com o mesmo
pensamento e conservando sua cultura, a imagem do bem e do mal ressurgia nesse
contexto, segundo Laura de Mello e Souza (2009, p.95): “(...) Conforme se
iniciou a ação dos soldados de Cristo, passaram a existir “índios índios” e
“índios conversos”, sujeitando-se estes a Deus e aqueles ao diabo (...)”.
As
fugas se intensificavam e os que fugiam eram estereotipados como “não
civilizados”, e o interior da colônia, o sertão, era visto como “lugar
infernal” por esconder a maior parte dos Tapuias(índios maus e não
civilizados), e a parte litorânea era habitada pelos Tupis (bons e civilizados)
esses passaram por transformações corporais, fruto de sua colonização e
catequização. Os índios “não civilizados” passaram a ser caracterizados a
partir de seus corpos, quanto mais bizarros mais selvagens seriam, os artefatos
usados, suas vestimentas, e o uso que faziam de seu corpo e do próximo passaram
a identificar o nível de civilidade que cada tribo possuía, fato que justificou
as guerras e a dizimação de tribos inteiras. Segundo Márcia Amantino (2011,
p.41):
Mesmo autores que não faziam claramente tal distinção
entre os grupos e defendiam os índios da escravidão, da exploração e do
confisco de suas terras identificavam-nos como seres exóticos, primitivos,
destituídos de praticamente todas as benesses da civilização. Seus corpos eram
os cenários em que essas características ficavam claramente definidas.
Quanto
mais estranho e bizarro ao olhar europeu fosse às características de um grupo
de índios, mais longe da civilização eles estavam, e precisavam ser catequizados
e domesticados, mesmo com uso da violência, pois de nada serviam para a
colônia, pelo fato de não servirem para o trabalho, restando apenas suas almas
para Deus.
Walmar Machado ,
Licenciado nas Faculdades Integradas de Patos.
REFERÊNCIAS
AMANTINO,
Marcia. E eram pardos, todos nus, sem coisa alguma que lhes cobrisse suas
vergonhas. In: AMANTINO, Marcia; PRIORE, Mary Del (orgs.).
História do corpo no Brasil. São
Paulo: Editora Unesp, 2011. Cap. 1. p. 15 – 43.
PRIORE,
Mary Del. Histórias Íntimas:
sexualidade e erotismo na história do Brasil. São Paulo: Editora Planeta do
Brasil, 2011.
________;
VENÂNCIO, Renato Pinto. O livro de ouro
da história do Brasil. Rio de Janeiro: Ediouro, 2001.
REVEL,
Jacques. Os usos da civilidade. In:
ARIÈS, Philippe; DUBY, Georges (orgs.). História
da vida privada 3: da renascença ao século das Luzes. São
Paulo: Companhia das Letras, 1991. Cap. 2. p. 169 – 210.
SOUZA,
Laura de Mello e. Inferno Atlântico:
demonologia e colonização séculos XVI – XVIII. São Paulo: Companhia das Letras,
1993.
_________.
O diabo e a terra de Santa Cruz:
Feitiçaria religiosidade popular no Brasil colonial. São Paulo: Companhia das
Letras, 2009.
Wal arrasou!!!!!!
ResponderExcluirParabéns!!! :D