De 1964 a 1985, com o golpe dado pelos militares, a
renúncia do então presidente João Goulart (Jango) e a ascensão ao poder do Marechal
Castelo Branco, foi instaurado no Brasil a Ditadura Militar, um período onde a
perseguição política, a opressão aos que não eram a favor do regime militar e a
falta de democracia tiveram seu momento ápice.
Regida por
um contexto de muitas revoltas, a ditadura vai, em diversas vezes, se deparar
com movimentos que bateram de frente com suas ideologias, na tentativa de
extinguir tal regime.
Com os
jovens à flor da pele, teve-se a fortificação da UNE (União Nacional dos
Estudantes) que lutava por liberdade; a criação do movimento Tropicalista que,
influenciado pelo movimento Hippie (Ideologia que contesta os valores
tradicionais, o poder militar e econômico, originada nos Estados Unidos) e
pelas guitarras eletrônicas, acrescentaram novos costumes a Música Popular
Brasileira e aos seus próprios corpos, passando, com a promulgação do AI5
(conhecido como o mais cruel ato institucional já visto que proibia qualquer
tipo de manifestação), a protestar contra o Regime Militar através das letras
de suas músicas e de sua própria imagem que vai se tornar o “oposto” do que era
aceito na época.
A
Tropicália contou com Caetano Veloso (Alegria, Alegria), Gilberto Gil e os
Mutantes (Domingo no Parque) como principais nomes, que tiveram bastante
destaque no III Festival de Música Popular Brasileira exibido pela Rede Record.
Até então esses músicos eram conhecidos como “Grupo Baiano”; foi ainda no mesmo
ano do Festival que eles, influenciados pela obra de Hélio Oiticica intitulada
Tropicália, apropriaram-se do nome para o movimento.
Diante do
contexto a cima, podemos evidenciar a temática do referente projeto, a estética
Tropicalista e a oposição ao Regime Militar. Nascido no interesse pelo assunto
em uma aula de Antropologia Cultural do curso de História das FIP no ano de
2010 que desenvolveu oficinas com temas relacionados à década de 1960, dentre
eles o Tropicalismo. A partir de então surgiu o desejo de dar continuidade ao
tema.
Portanto,
temos como objetivo analisar o contexto da Ditadura Militar de 1964 e os
movimentos de esquerda, dando ênfase a Tropicália e a forma que sua estética se
opunha ao Regime.
O
Movimento Tropicalista foi um fato que trouxe diversas contribuições para a
formação sócio-cultural da sociedade brasileira, pois, de acordo com seu
desenvolvimento, abriu um grande leque inovações e mudanças, dentre elas a
busca pela liberdade corporal; a inserção da guitarra eletrônica nas músicas,
que se infiltraram em todas as camadas sociais possibilitando a formação novos
costumes que se encontram presentes em nossas vidas ate os dias atuais.
Porém a bibliografia em torno da temática
ainda é muito escassa e, diante disso, existe uma necessidade de um número
maior de fontes que ofereçam informações aos pesquisadores.
A partir de algumas experiências acadêmicas
em função deste tema, como já citado, surgiu o interesse de um aprofundamento
sistematizado, de modo a estruturar um projeto de pesquisa.
Acredita-se que este projeto tem relevância
e contribuirá na área de História mostrando uma das faces da cultura brasileira
e sua repercussão a nível nacional, além disso, se justifica pelos poucos
trabalhos de pesquisa relacionados ao Tropicalismo.
OBJETIVO GERAL
Analisar a Estética Tropicalista e sua
forma de oposição ao Regime Militar.
OBJETIVOS ESPECÍFICOS
Apresentar os fatores que levaram ao
Golpe de 64;
Discutir a Ditadura Militar e a
oposição do meio artístico;
Analisar a Estética Tropicalista,
dando ênfase aos movimentos que a influenciaram e sua forma de oposição a
Ditadura.
De que forma a Estética Tropicalista se
opõem ao Regime Militar?
A
Tropicália, regida por uma antropofagia de costumes vindos dos Estados Unidos da
América (que vivenciava a inserção da guitarra eletrônica em suas músicas e o
movimento Hippie, principais influências do Tropicalismo) e por uma visão do
novo, se opôs ao Regime Militar através dos corpos de seus integrantes, que se
tornaram o oposto do que era aceito na época devido suas roupas diferenciadas
por uma mistura de cores estampas; seu modo de agir e falar que evidenciava uma
busca por liberdade; e por suas músicas que, de maneira indireta, protestavam
contra os abusos de poder então vivenciados.
Esses fatores fizeram com que um movimento
nascido em um programa de televisão se tornasse um grande propulsor de cultura,
enfrentando um Estado que no presente momento se via como ditador de regras,
costumes e moralidades.
FUNDAMENTAÇÃO
TEÓRICA
O Golpe de 64 não foi algo que ocorreu
repentinamente; houve diversos fatores que, desde a década de 1930, planejaram
a derrubada de governos populares e a implantação de um modelo onde a classe
dominante teria o controle. O apoio internacional, a difusão midiática, foram
alguns dos fatores de maior relevância. Segundo Chiavenato:
A
conspiração contra o governo foi tão ampla que às vezes chegou a ser pública.
Contou com financiamentos do exterior, cooptação de intelectuais e ativa
participação da imprensa. No plano econômico, à sabotagem interna juntou-se a
decisiva retração dos investimentos Norte-Americanos (1994, p. 41)
Logo após a renúncia de Jânio Quadros a
presidência da república em 1961, sete meses depois de assumi-la, tomou posse o
seu vice, João Goulart, que, com formas governamentais e interesses que batiam
de frente com a elite, veio a despertar na mesma o interesse em retira-lo do
poder. Dentre o plano de governo de Jango (apelido do presidente) estavam as
reformas de base que visavam a diminuição da desigualdades sociais no Brasil.
Sendo elas a Reforma Agrária, Política e Universitária que, segundo Munteal, “seria
a questão nacional com maior urgência a ser tratada pelo estado, e as suas
singularidades e dificuldades diante de um estado ausente das suas
responsabilidades.” (MUNTEAL, 2008, p.
14).
Diante de um Governo de controvérsias
políticas que ameaçavam a elite, houveram diversas tentativas para a retirada
de Jango do poder e não sendo possível a derrubada do mesmo por meios lícitos,
foi criado pela classe mais abastarda um cenário ideológico voltado contra o
então presidente.
No dia 13 de março de 1964 Goulart,
acompanhado da esposa e dos governadores Lionel Brizola e Miguel Arraes,
promoveu um comício em praça pública com o intuito ratificar as reformas de
base, no qual contou com grande apoio popular e com a desaprovação total das
forças conservadoras. Segundo Toledo:
De
fato, 13 de março de 1964 pode ser considerado um marco decisivo na recente
história política brasileira. Para grande decepção das esquerdas, o dia 13
significaria não a emergência de um governo nacionalista, democrático e popular
mas, sim o ultimo ato da chamada “democracia populista”. (2004, p. 99)
Apoiadas pelos Norte-Americanos, pela
igreja e pela mídia, os conservadores, difundiram a ideia de que tal governo
traria a implantação do Comunismo no Brasil. De acordo com Carmo (2003), Jango,
como era chamado o presidente, não era comunista, mas, segundo acreditava as
elites, era comandado pelos comunistas.
Influenciados por tal afirmação os
militares, temendo perder sua hierarquia, organizaram um movimento, na
madrugada do dia 31 de março, que alegava a o abuso de poder por Goulart e visava
seu afastamento, liderados pelo chefe da IV Região Militar, general Mourão
Filho, conseguiram o apoio dos militares e políticos de direita em todo país,
inclusive do general Kruel do II Exército brasileiro, que constituía a
principal resistência contra o movimento. Este foi o estopim para o golpe.
Segundo Chiavenato (1994), a pouca resistência possível terminou quando o
General Kruel, do II Exército, em São Paulo, pronunciou-se em favor do golpe.
Já não tendo como evitar as ações dos
golpistas o governo de Jango caiu, em primeiro de abril, e o mesmo foi exilado
no Uruguai. A partir de então, o primeiro ministro, Raniere Mazzilli, presidiu
o Brasil durante quinze dias e posteriormente assumiu o poder o chefe do Estado
Maior do Exército, general Humberto de Alencar Castelo Branco.
Os militares tomaram o poder e mudaram
totalmente a estrutura política do Brasil, erradicando toda a liberdade da
população, infringindo seus direitos e implantado um governo regido pela
institucionalização da ditadura que ia contra qualquer tipo de movimento oposto
as suas leis.
De acordo com Chiavenato, os militares
subverteram o conceito de nacionalidade. “Adotaram uma teoria de segurança
nacional que ditou sua ideologia política. (...) Após a tomada do poder, eles
desprezaram os políticos, menosprezaram as instituições e instalaram sua
ditadura.” (1994, p. 102).
Mesmo com as fortes repressões ditatoriais
que prendiam, torturavam e até exilavam os não eram a favor do Regime, houveram
diversos movimentos que, na maioria das vezes indiretamente, criticaram a
repressão então vivida.
Com a difusão da TV pelo Brasil, percebe-se
a grande aceitação do público aos meninos do “iê-iê-iê” (Roberto Carlos, Erasmo
Carlos, Wanderléa). Influenciados pelo rock norte-americano, em especial pelos
Beatles com a canção: She loves you/ yeah, yeah, yeah, vão dar inicio a Jovem
Guarda que, com músicas leves, animava as terdes de domingo e não representavam
nenhum risco à Direita. Porém não foi apenas a Jovem Guarda que ficou conhecida
na época, teve-se também a presença de artistas que, ao contrário dos “meninos
do Rock” e de maneira camuflada, protestavam contra o regime vivido e
consideravam a o movimento musical acima citado como “um grupo de jovens
alienados e submissos à influencia maléfica do imperialismo cultual
norte-americano.” (Carmo, 2003).
Nesse contexto, a televisão vai promover
festivais para o ‘entretenimento’ da população. Em 1967, houve o III Festival
da Música Popular Brasileira que teve a participação de Caetano Veloso com a
música Alegria, Alegria; Gilberto Gil e os Mutantes com Domingo no Parque,
criticando, de maneira indireta, através de suas músicas, as repressões
sofridas durante o regime.
Influenciados pela obra de Hélio Oiticica,
que evidenciava uma mistura de cores, informações e contextos, denominada
Tropicália, criaram em 1968 um movimento que se apropriou do título da obra, já
que a mesma traduzia o espirito de mudança almejado pelo grupo.
Em setembro de 1968, houve o Festival
Internacional da Canção, no Rio de Janeiro, que contou com a presença de vários
interpretes, dentre eles Geraldo Vandré que concorria com a música “pra não
dizer que não falei das flores” que retrava, de maneira explícita, a realidade
vivenciada no momento. Os versos de
maior ofensa aos militares foram: “Há soldados armados, amados ou não, / Quase
todos perdidos de armas nas mãos. / Nos quartéis lhes ensinam uma antiga lição,
/ De morrer pela pátria e viver sem razão.” (1968, Vandré). A partir de então a
música tornou-se o hino dos movimentos de esquerda e Vandré o único a promover
uma canção de protesto propriamente dita, visto que, sua principal composição,
acima citado, foi proibida de tocar, enquanto as outras canções, que se diziam
de protesto, não. Ou seja “música de protesto que passa na censura não é música
de protesto.” (TINHORÃO, 1997) De acordo com Carmo (2003, p. 72):
Proibida
logo após o festival, a música, porém resistiu e até a atualidade é cantada
entusiasticamente em praças públicas pelas oposições. Geraldo Vandré, caçado,
se escondeu no interior de São Paulo antes de fugir para o Chile.
No mesmo ano, no governo de Costa e Silva
teve-se a promulgação do AI-5, o ato institucional mais severo de todos, visto
que a opressão que se vivera foi a mais intensa.
A
população
teve que aceitar a repressão aos movimentos sociais e manifestações de
oposição, assim como censura aos meios de comunicação a aos artistas, que não
podiam citar nada sobre o assunto. Segundo Carmo, “com as oposições caladas e a
censura aos meios de comunicação, o discurso político oficial busca esconder o
caráter ditatorial do regime.” (2003, p. 41-42).
Diante das oposições musicais, acima
citados, o que teve a maior influência no cotidiano da época foi o movimento
Tropicalista, que revolucionou não só a música brasileira, como também os
costumes, além de, indiretamente, criticar a ditadura. Segundo Favaretto (1996, p.99):
O
movimento tropicalista cujo período incide na seguinte datação: setembro de
1967 a dezembro de 1968 constituiu um desafio à crítica cultural dessa década.
Os tropicalistas, influenciados pela produção de paradigmas da mudança
cultural, da transformação estética e política da época, indicam uma situação
nova.
No ano 1967, com a Guerra do Vietnã, que
começaram a surgir os movimentos de contracultura nos Estados Unidos da
América. Com o objetivo de cessar os ataques, houve uma manifestação em Nova York, no dia 15 de abril, com o lema
“Faça Amor, não faça Guerra”. Esse movimento se difundiu por todas as Cidades
Norte-americanas e pelo Brasil. Dessa manifestação se originou o movimento
Hippie, que, com seus cabelos longos, roupas coloridas e “espalhafatosas”, e a
busca por uma vida tranquila regida por o lema “Paz e Amor”, vão bater de
frente com os mandatos oficias de convocação para a guerra e com a ideologia já
arraigada no cotidiano desse período.
Nessa mesma época viveu-se, ainda na
América do Norte, a inserção de um novo instrumento musical, a guitarra
elétrica, que revolucionou a maneira de se fazer e se encarar a música.
Foi nesse contexto que a Tropicália se
formou. Regida pela antropofagia (conceito desenvolvido por Oswald de Andrade
que apoiava a absorção e superação de culturas externas) desses movimentos, o
grupo transfere a cultura brasileira um grande leque de inovações.
Os primeiros indícios do movimento surgiram
com a apresentação de Gilberto Gil, Os Mutantes e Caetano Veloso no Festival de
música da Record, quando Gilberto, um cantor negro, acompanhado pelo grupo Os mutantes,
interpretam a canção “Domingo no Parque”, e Caetano Veloso, acompanhado pelo
grupo Beat Boys, interpreta “Alegria, Alegria” ao solo de uma guitarra. Fatores
que não era comum à época, um cantor negro e grupo ‘diferente’ defendendo uma
melodia e uma letra duvidosa quanto o sistema e um outro agredindo a imagem da
MPB (Música Popular Brasileira) com o uso de um instrumento eletrônico.
A partir daí, os mesmos acima citados, Gal
Costa, Tom Zé, Nara Leão e outros que se engajaram no movimento, apropriando-se
do título da obra de Hélio Oiticica, deram início a mais nova manifestação que
rompeu com as barreiras da música e dos costumes brasileiros. Segundo Contier
(2003, p. 141)
Nessa
área, a influência foi dada pela manifestação ambiental de Hélio Oiticica
(1937-1980) intitulada Tropicália, em
1964. Na verdade essa obra era um penetrável, no qual podiam ser vistos
plantas, araras, areia, brita, poemas enterrados, raízes de cheiro, objetos de
plástico e um aparelho de tevê ligado.
Seria essa a obra a tradução do desejos
tropicalistas, pois enfatizava uma mistura de cenas e cores, onde todos soavam
em perfeita harmonia formando uma bela paisagem.
Guiados pelo movimento Hippie modificaram
o modo se vestir e de se comportarem, adotaram a guitarra elétrica como principal
instrumento e em 1968 lançaram um disco manifesto, Tropicália ou Panis et
circenses, que, de acordo com Contier (2003, p. 146) canalizava as idéias,
mensagens, motivos e intenções do movimento: a busca pelo novo de caráter
estético e cultural.
Porém, no auge do Tropicalismo é
promulgado o AI-5 que obriga todos os artistas e intelectuais a se manterem
calados.
Encarados como “esquerdistas”, após a
promulgação, Caetano e Gil, líderes do movimento, foram presos, em 1968, e
exilados em Londres, em 1969.
Percebemos que a Tropicália, movida por
sede de mudança, se opôs ao Regime Militar através das letra de suas músicas e
de seus próprios corpos, que não aceitando a lei de submissão aos militares,
expressavam a ideia de liberdade, passando a difundir um novo costume no
vestuário, na maneira de agir e pensar das pessoas.
JARDEANE SILVA MOREIRA,
Licenciada pelas Faculdades Integradas de Patos
REFERÊNCIAS
BRUZANDELLI,
Victor Creti. As apropriações estéticas
da cena tropicalista. Disponível em: <http://musica.universidadarcis.cl/wm/descarga/aud1brasil/Estetica%20Tropicalista.pdf>.
Acesso em: 24 set. 2012.
CALADO,
Carlos. Tropicália: a história de
uma revolução musical. São Paulo: 34. 1997.
CARMO,
Paulo Sérgio do. Culturas da rebeldia:
a juventude em questão. São Paulo: Sennac. 2003.
CHIAVENATO,
Júlio José. O golpe de 64 e a ditadura
militar. São Paulo: Moderna. 2004.
CONTIER,
Arnaldo Daraya et al. O movimento tropicalista
e a revolução estética. Disponível em <http://www.mackenzie.br/fileadmin/Pos_Graduacao/Mestrado/Educacao_Arte_e_Historia_da_Cultura/Publicacoes/Volume3/O_movimento_tropicalista_e_a_revolucao_estetica.pdf>.
Cadernos de Pós-Graduação em Educação, Arte e História da Ciltura. São Paulo,
V. 3, n. 1. p. 135-159, 2003. Acesso em: 23 set. 2012.
FAVARETTO,
Celso. Tropicália, alegoria, alegria.
São Paulo: Ateliê Editoral. 1996.
MUNTEAL,
Oswaldo. As reformas de base na era
Jango. São Paulo: ABRAS, 2008.
TINHORÃO,
José Ramos. Música Popular: um
debate em questão. São Paulo: 34, 1997.
TOLEDO,
Caio Navarro. Governo Goulart e o golpe
de 64. São Paulo: Brasileinse, 2004.