sexta-feira, 28 de junho de 2013

A UNE: UMA IMAGEM ESTUDANTIL.



Conforme autores que abordam o golpe militar é perceptível a participação de estudantes e intelectuais atuando junto com os movimentos de esquerda contra a ditadura militar a partir de 1964. Contudo, para entender como esses estudantes deixaram de se dedicar apenas as lutas estudantis e ingressam na luta armada é preciso compreender o que os motivaram. A princípio os movimentos estudantis protestavam contra a política educacional no governo de Castelo Branco e a falta de liberdade democrática. Existia ainda a influência americana que visava tornar rentável a universidade pública, que além de preferir investir em mão de obra qualificada queriam acabar com a administração estudantil. Segundo Carmo (2003, p. 83): Durante os anos de 1964 e 1965, a intervenção e o fechamento de faculdade por parte dos militares geraram um clima de indignação. Em 1966, uma manifestação em Belo Horizonte foi reprimida pela polícia. Como resposta ao ato violento ocorreram passeatas de solidariedade no Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba e Vitória. Em quase todas elas, e por muito tempo, a UNE atuou na ilegalidade. Muitas vezes ocorriam violentos confrontos de rua.

O movimento estudantil desde o princípio lutou a favor das melhorias educacionais, a UNE era sua principal entidade, criada no 1º Conselho Nacional de

Estudantes13 em 11 de agosto de 1937 durante o governo de Getúlio Vargas, sendo esta legalizada oficialmente apenas em 1942 pelo decreto-lei nº 4.105, pelo então presidente Getúlio Vargas. Sendo reconhecida oficialmente pelo Estado brasileiro, a UNE passou a receber verbas federais para sua administração e manutenção. Apesar da UNE no início não querer atuar como entidade política e ter como fins apenas uma representação legal diante do governo para melhorias educacionais, esta em decorrência do seu destaque passou a ser alvo dos militares desde os primeiros momentos do dia 31 de março de 1964, a exemplo do incêndio no prédio da UNE que ficava situado na Praia do Flamengo no Rio de Janeiro, como mostram Bortot e Guimaraens (2008, p.15) Noite de 31 de março de 1964. As informações sobre o que realmente acontecia no Brasil eram difusas e incertas. No auditório da União Nacional dos Estudantes, integrantes do Centro Popular de Cultura comemoravam a notícia de que uma tentativa de golpe militar fora rechaçada, e o País voltava à normalidade, como se algo pudesse ser considerado normal naqueles dias nervosos de embates políticos diários, em que o governo radicalizava em direção às reformas de base e a direita conspirava abertamente. As rajadas de metralhadora disparadas por terroristas de direita contra o prédio da Praia do Flamengo (RJ), naquela noite, mostraram que a suposta resistência não passava de ilusório boato. No dia seguinte, a sede amanheceu em chamas, os autores desse atentado nunca foram identificados, especula-se que faziam parte do MAC (Movimento Anti-Comunista), mas o que se sabe de fato é que esse foi apenas o primeiro ato contra o movimento estudantil.

Num primeiro momento a atuação estudantil estava voltada apenas para o que acontecia dentro das faculdades e universidades. O sistema educacional não estava mais suprindo a procura de vagas para entrar na faculdade, visto que, naquela época já em meados do ano de 1967 o vestibular não era classificatório e sim seriam aprovados apenas aqueles que atingissem nota mínima para ocupar uma vaga, contudo o número de instituições estava inferior a demanda. Em seguida foi resolvido o problema como cita Carmo (2003, p. 83-84):

13 De imediato, aprovou-se “uma proposta do representante do Diretório Central dos Estudantes de Minas Gerais, proibindo, expressamente, a discussão de temas políticos”. Sobre o assunto ver: SALDANHA, Alberto. A UNE e o mito do poder jovem. Maceió: Edufal, 2005, p.19.

[...] Posteriormente, o Ministério da Educação “resolveu” o problema implantando o sistema classificatório e permitindo a abertura acelerada de faculdades particulares. Mas os protestos na época extrapolaram para o campo da política, não mais se limitando à exigência de mais vagas. E, mais, os estudantes se tornaram representantes dos setores descontentes e muitos se consideravam a “vanguarda” da luta popular.
No segundo momento, esses mesmos estudantes que lutavam a favor de reformas educacionais já estavam engajados em lutas políticas contra o regime militar.

A ditadura militar na década de 1960 viria para marcar o movimento estudantil, uma vez que o palco de atuação dos estudantes não seriam apenas nos congressos e sim nas próprias ruas em ações que caracterizava-se pela resistência ao autoritarismo do regime militar.

A partir de 1964, o que houve com a UNE foi um processo crescente de radicalização, onde em seu discurso passou-se a enfatizar não apenas o que lhe interessava sobre as reformas educacionais, mas grandes questões de cunho nacional.
Segundo Saldanha (2005, p.16):

Ao investigar “os tempos de antes” da UNE poder-se-á reavaliar a dimensão que tem a “auto-imagem” do movimento estudantil junto à sociedade como um movimento nacionalista e progressista, capaz de perdurar até hoje, mesmo que, a partir do final da década de 1960 (o início do período de luta armada e dos grupos guerrilheiros), esse próprio movimento tenha forjado uma nova “auto-imagem”. Não mais nacionalista e progressista, porém revolucionária e socialista.

Ao observar a história do movimento estudantil e, mais precisamente, o da UNE durante as décadas de 1960 e 1970, ela irá se confundir bastante com a história da luta contra a repressão e da luta armada contra a ditadura.

O movimento estudantil se alastrou ao longo das décadas de 1960 e 1970 em protestos, ganhando cada vez mais adeptos e em seus congressos o número de participantes só aumentava.
A geração de 1960 e 1970, apesar de possuir um ensino defasado e elitizado, ficou conhecida como uma geração, segundo Saldanha (2005, p. 52) “cuja percepção estética e aprendizado intelectual foram construídos pela leitura.

Estabeleceram com a linguagem escrita uma cumplicidade que a televisão não permitiria depois.” A grande cartada que os estudantes dessa época tiveram foi à aquisição cultural por meio de leituras que os ajudaram em meio à repressão, desenvolverem táticas de quebrar a censura e expor o radicalismo da ditadura militar para a população, táticas essas, muitas vezes reprimidas. Esse mesmo movimento estudantil estava dividido em dois níveis, por um lado se discutia as reivindicações dos diversos setores na sociedade, do outro o discurso da luta armada. O ano mais intenso para o movimento estudantil foi o 1968, este ano ficou marcado não só pela atuação de movimentos que eclodiram no Brasil mais em diversas partes do mundo, quase que ao mesmo tempo, como mostra Carmo (2003, p. 76): O movimento estudantil explodia e tomava conta das ruas em quase todos os cantos do planeta. Difuso, o processo deixou desnorteados os analistas políticos. Cada uma das “revoluções estudantis” se afastava de modelos, previsões e explicações simplistas. 

As manifestações eclodiram em Santiago, Belo Horizonte, Valência, Madri, Polônia, Iugoslávia, para citar algumas. Nesse período, a Organização das Nações Unidas (ONU) chegou a contabilizar manifestações estudantis em cerca de cinqüenta países. O que estava surgindo era à nova esquerda que rejeitava o conservadorismo burguês e se alastrava como rebeliões em prol da radicalização de ideologias e execução dessas idéias revolucionárias. Esses mesmos estudantes que lutaram em prol da redemocratização do país são os mesmos filhos das famílias brasileiras que saíram as ruas para apoiar o novo regime militar de 1964.
Os principais acontecimentos do movimento estudantil em 1968 se deu de forma rápida, não muito diferente do tão conhecido Maio de 6814 francês.

14 Houve diversos acontecimentos em maio de 1968 na França, o movimento eclodiu primeiramente em prol de reformas contra o sistema arcaico de ensino. Sobre o assunto ver: ROTMAN, Patrick. Maio de 68: Explicando aqueles que não viveram. Lisboa: Guimarães Editores, SA, 2009.

A cada ano que se passava a ditadura reprimia ainda mais, o governo fechava o cerco para conter os movimentos estudantis, implantando decretos e leis que de fato traziam cada vez mais restrições no meio estudantil.

Em 9 de novembro de 1964 é implantada a Lei n° 4.464 conhecida como Lei Suplicy de Lacerda15 que põe a UNE definitivamente na ilegalidade. Porém, os estudantes desafiavam essa Lei, como cita Bortot e Guimaraens (2008 p.19): Mas Mesmo na clandestinidade, os estudantes resistiam. A UNE continuava viva, elegia suas direções em encontros secretos e discutia formas de resistência à ditadura. Os estudantes desafiavam a Lei Suplicy de Lacerda e constituíam centros acadêmicos livres que, muitas vezes, funcionavam fora das universidades. Os encontros continuavam existindo, agora de forma secreta, possivelmente nos porões dentro das Universidades e até mesmo fora delas, mais sempre para discutir formas de resistência contra a ditadura. Manifestações como pichações, panfletagens, organização de passeatas e comícios relâmpagos eram meios que os estudantes encontravam para quebrar a barreira da repressão e divulgar e denunciar o que de fato acontecia no país como mostra Coelho (2011, p.36): A organização dessas passeatas muitas vezes entrava “noite adentro”. Os estudantes compravam spray para colocar dizeres nas faixas. No dia das passeatas colocavam as faixas grandes pelo lado de fora dos ônibus. Representavam uma forma de sair de dentro da universidade, de fazer a denúncia, de mostrar os problemas enfrentados pelos estudantes, e claro, de demonstrar o repúdio ao regime militar, exigir democracia, liberdade. [...]. Essas manifestações eram as principais formas de reivindicação dos estudantes que por sua vez geravam intensos confrontos com a polícia militar.

15 A lei ganhou esse nome em homenagem ao então ministro da Educação. A lei determinava que o funcionamento da UNE estava proibido, os centros acadêmicos seriam substituídos por diretórios e esses diretórios seriam subordinados a direção das universidades. Sobre o assunto ver: BORTOT, Ivanir José; GUIMARAENS, Rafael. Abaixo a Repressão!: Movimento Estudantil e as Liberdades Democráticas. Porto Alegre: Libretos, 2008, p. 16.

 OS ESTUDANTES ASSUMEM A RESISTÊNCIA

O ano de 1968 seria um dos mais conturbados e turbulentos para o governo, os protestos intensificavam-se, o governo não conseguia conter os movimentos e o estopim de tudo que estava acontecendo foi à morte do estudante Edson Luís, que foi atingido por arma de fogo usada por policiais, como afirma Gorender (2003, p.160):

Do ponto de vista da agitação estudantil, o ano de 1968 começou no dia 28 de março, quando um choque da Polícia Militar invadiu o restaurante do calabouço, que servia refeições a estudantes no centro da antiga capital da República. Alegou-se que ali se preparava uma passeata para atacar a Embaixada dos Estados Unidos, na rua México. Os policiais usaram armas de fogo em recinto fechado contra jovens desarmados. Feriram vários deles e mataram o secundarista Edson Luís de Lima Souto. O cadáver foi levado ao saguão da antiga Câmara Municipal, na Cinelândia, e a notícia do assassinato do quase-menino de 18 anos se difundiu por todo o Brasil. Sessenta mil pessoas acompanharam o caixão mortuário na tarde do dia seguinte. Os protestos prosseguiram e a repressão provocou novas mortes e milhares de prisões nas principais cidades. Os universitários, cujo número total não ia além de 140 mil, recebiam o apoio impetuoso de dois milhões de secundaristas.

A morte de Edson Luís foi apenas o primeiro passo de uma série de atos por parte do movimento estudantil, como também do próprio governo militar.

O confronto que terminou com a morte de um estudante, culminaria em um processo mais radical contra a ditadura e repressão por parte do governo.
A própria elite vai ficar a favor dos movimentos estudantis. Uma sequência de acontecimentos irá favorecer com que cada vez mais essa classe média apóie as manifestações. No dia 1º de abril mais uma vez os estudantes saem às ruas, sendo que desta vez como quem iam à guerra.
Agora mais do que nunca o movimento estudantil tinha razões para combater a ditadura. Nesses confrontos mais estudantes foram mortos e alguns feridos, para muitos estudantes os confrontos estavam se tornando rotina.

É perceptível compreender que aquela elite, que antes saíram às ruas defendendo um governo militarista, agora lutava contra esse mesmo governo. O resultado de tudo culminou na famosa „Passeata dos Cem Mil‟ no dia 26 de junho do mesmo ano, esta que reuniu estudantes, artistas, intelectuais e representantes das elites como mostra Carmo (2003, p.86):

O auge das manifestações se dá com a histórica passeata dos Cem Mil, no Rio de Janeiro, reunindo estudantes, intelectuais, artistas, padres e mães. Para aquela época, cem mil manifestantes era um número assustador. Mesmo que a quantidade real de manifestantes na passeata fosse menor, o fato é que, dessa vez, o regime de 1964 estava tão acuado e exposto que a passeata dos Cem Mil chegou a assustar os militares. Os manifestantes haviam conquistado a simpatia da opinião pública. Após a passeata foi marcada audiência com o presidente da República.

As passeatas eram verdadeiros espetáculos para os que viam e ouviam, palavras de ordens eram cantadas, os grupos comungavam da mesma ideologia que só o povo derrubava a ditadura, sejam os que iam armados ou organizados, o fato é que para eles a união era o que fazia a força.

O ano de 1968 ficava cada vez mais conflitante, parecia que não ia acabar e os estudantes mais do que nunca haviam conseguido seu espaço nas lutas e o apoio de grupos políticos como o PCB (Partido Comunista Brasileiro), AP (Ação Popular), a JUC (Juventude Universitária Católica), entre outras tendências políticas.
Segundo Saldanha (2005, p. 53):

A Ação Popular defendia que o papel da UNE era denunciar a ditadura militar e imperialismo, marcando a luta universitária com grandes manifestações públicas, visando assim se defrontar com as forças representativas do Estado.

O que a AP estava propondo era um primeiro passo de organização da luta universitária e não efetivamente engrenar-se na luta armada, mas através de um processo que auxiliasse as massas a despertar uma consciência crítica na sociedade, afim de que a mesma tomasse conhecimento sobre o que de fato estava acontecendo no país.

A UNE estava cada vez mais ativa mesmo que na clandestinidade, seus congressos perpetuavam até o seu XXX Congresso em Ibiúna fracassar. Muitos acreditam que a realização do congresso foi um verdadeiro suicídio para a entidade, como afirma Gaspari (2004, p.325):

Ibiúna terminou como era de se supor. A polícia sabia local, dia e hora da reunião. Cercou-a com tropas da Polícia Militar na madrugada fria de 12 de outubro. Prenderam toda a UNE, sua liderança passada, presente e futura. No maior arrastão da história brasileira, capturaram-se 920 pessoas, levadas para São Paulo em cinco caminhões do Exército e dez ônibus.50 O movimento estudantil se acabara. Dele restou um grande inquérito policial, que se transformou em mola para jogar na clandestinidade dezenas de quadros das organizações esquerdistas. Nos seis anos seguintes, militando em agrupamentos armados ou na guerrilha rural, morreriam 156 jovens com menos de trinta anos. Deles, pelo menos dezenove estiveram em Ibiúna.
Não bastava o novo Ato Institucional o AI-5, os estudantes se deparavam com o fracasso do XXX Congresso de Ibiúna sendo este resultado da imparcialidade do movimento estudantil em manter sigilo das suas ações.

O movimento estudantil desafiava a chamada Doutrina de Segurança Nacional subestimando os militares, existia ainda o CCC (Comando de Caça aos Comunistas) era uma das organizações de que comandava a direita universitária que travava conflitos contra a esquerda, isso fez com que as lutas em massa entrassem em declínio e assim a UNE cada vez mais se encurralasse em um beco sem saída.


 A LUTA ARMADA: OS EMBATES IDEOLÓGICOS ENTRE MILITARES E ESTUDANTES.

A censura estava escancarada, a violência e as torturas tomavam de conta e mais uma vez culminava em centenas de mortes. Os estudantes ainda tentavam conter a Doutrina de Segurança Nacional, porém o movimento estudantil estava enfraquecido.
O que houve após o recrudescimento da ditadura, foi uma ruptura aos integrantes do movimento estudantil, o que autores que abordam o movimento estudantil consideram é a ideia de houve uma derrota do movimento estudantil desarticulando suas entidades.

No entanto, esses mesmos estudantes que foram “derrotados” pela repressão do regime optaram por outras formas de combate ao governo. Muitos foram para a luta armada aderindo aos grupos e organizações de guerrilha como afirma Carmo (2003, p. 32) “Com a decretação do AI-5, o regime brasileiro intensificou a repressão e os estudantes foram varridos das ruas. Fechadas todas as vias de participação política, muitos aderiram às organizações de guerrilha e viveram na clandestinidade”.

A ideia de ir a guerrilha ficou sendo o principal foco dos integrantes do movimento estudantil após endurecimento do regime militar e a prisão de líderes como José Dirceu, Luís Travassos e Vladimir Palmeira, estes que foram exilados mais tarde por terem seus nomes na lista de prisioneiros a serem libertados em troca do embaixador norte-americano sequestrado pelo MR-8.
Segundo Carmo (2003, p.94):

Centenas de jovens estudantes ingressaram na guerrilha urbana a partir de 1968, influenciados pelas ações de Marighella e por toda a efervescência revolucionária ocorrida em Cuba além da incitação de Guevara para criar “Um dois, três, mil Vietnãs”. Nos vários grupos que se formaram, houve muitos desentendimentos internos, divergências táticas e ideológicas e atitudes intempestivas.

É importante ressaltar que os estudantes foram elementos fundamentais para vários grupos de esquerda, o próprio MR-8 contou a participação do estudante Fernando Gabeira no sequestro do embaixador norte-americano.

A ALN e a VPR também contaram com a participação estudantil, contudo a Guerrilha do Araguaia teve em sua maioria de integrantes os procedentes do movimento estudantil.
Carmo (2003, p. 105) afirma que “Em meados dos anos 70 os militantes da guerrilha já estavam mortos, presos ou exilados, e mergulhados durante alguns anos no silêncio dos cemitérios”. A década de 1970 para os estudantes que participavam da guerrilha como também para as organizações de esquerda em que os mesmo faziam parte, foi uma época de perseguição e violência, muitos inclusive eram tachados como terroristas.

As panfletagens, pichações ou qualquer outro tipo de manifestação contra o regime passaram a ser considerados como de risco, uma vez que com a intensificação da repressão, o enfraquecimento dos movimentos, e falência de algumas organizações levara ao movimento estudantil silenciar, embora, quando assumiu o cargo de presidente em 1974 Ernesto Geisel deu início a abertura política e o fim da repressão
Poucos eram os estudantes que após a repressão se aventuravam em confrontar o regime, muitos continuavam com essas ações, ainda que de forma clandestina, dentro das universidades através de manifestações culturais, visto que não havia como sair às ruas após a intensificação da repressão.
Segundo Carmo (2003, p. 134):

Diferentemente da geração dos anos 60, pode-se dizer que a dos anos 70 saiu-se vitoriosa. Uma a uma, as bandeiras de luta foram sendo conquistadas. Enquanto a geração de 1968 caiu no emudecimento, mergulhando nas trevas do AI-5 e, a seguir, sendo brutilizada pela repressão, a do final dos anos 70 viu brotar a anistia, o novo sindicalismo, o movimento das mulheres e o do custo de vida.

O movimento estudantil foi bastante perseguido no final dos anos de 1960 e início dos anos de 1970, contudo, ao diminuírem sua participação na luta armada, uma vez que cassados, presos e torturados numa guerra onde quem estava vencendo era à repressão dos militares, os estudantes foram aos poucos tomando rumo, voltando a ótica para os diretórios acadêmicos.
Segundo Bortot e Guimaraens (2008, p.237):

O ciclo das grandes manifestações estudantis da década de 70 chegava ao fim. As principais lideranças começavam a deixar a universidade e buscar outros campos no ativismo político no sindicalismo e nos partidos recém-criados. Como precursor de uma ampla mobilização pela reconquista da democracia do País, o movimento estudantil saia de cena, abrindo espaços para novos protagonistas: o sindicalismo, os movimentos comunitários, os trabalhadores sem-terra, as lutas ambientais e os novos partidos. A principal tarefa fora cumprida. A reconstrução da UNE representava uma vitória concreta contra a ditadura.

O movimento estudantil voltava a ativa por volta do fim dos anos de 1970 quando o desgaste do regime militar favorecia a sua ascensão, novamente os estudantes saiam as ruas em passeatas, contudo a censura aos meios de comunicação se perpetuava os impediam de prestar qualquer notícia sobre os assunto.
O ano de 1977 foi marcante para o movimento estudantil garantir a sua ascensão, já que uma vez desgastada pelos casos de corrupção e pelo fracasso da política econômica o regime militar não conseguia mais abafar tais acontecimento com a censura, sendo assim o movimento estudantil voltaria a todo vapor, como mostra Carmo (2003, p.133):

“Pelas liberdades democráticas” foi o grito mais ouvido naquele ano de 1977 entre os estudantes brasileiros. Não era pra menos: para aquela época a frase soava subversiva, ousada. Era cutucar a ditadura militar. Mas havia grupos mais radicais como o Liberdade e Luta (Libelu), que ia além ao gritar “Abaixo a ditadura”.
Impulsionados com o rumo que o movimento estudantil estava tomando, o ano de 1977 era propício ao movimento estudantil reagir e voltar a enfrentar a repressão.

A partir de então houve inúmeras passeatas, os manifestantes saíam às ruas para denúncias a prisão dos militantes presos e assim aos poucos acabam por denunciar os efeitos do regime militar.
O processo de redemocratização do país foi lento, contudo, as esquerdas junto com a participação do movimento estudantil, a UNE e as entidades ligas a ela, foram peças fundamentais para que finalmente em 1985 fosse feito a eleição para presidente, sendo que desta vez não mais determinada por quem detinha o poder durante o regime militar e sim pela participação do povo.

Autora :

Franciene Mendes, Licenciada pelas FIP

OS ATOS INSTITUCIONAIS E O SURGIMENTO DOS MOVIMENTOS DE ESQUERDA.



Este capítulo tem por objetivo abordar o papel dos principais movimentos de esquerdas como entidades que atuaram contra o governo de direita e contra a ditadura militar.
Os emblemáticos “anos de chumbo” começaram com a tomada do governo pelos militares. O golpe veio para ficar. Segundo Gaspari (2002, p.85) “[...] nenhuma força à esquerda do presidente tomou iniciativa militar relevante durante o dia 31” exceto a mobilização liderada por Brizola em Porto Alegre, que segundo Gorender (2003, p.134):
No dia 31 de março de 1964, o Governador Meneghetti fugiu para Passo Fundo e Brizola teve Porto Alegre sob seu controle. Dezenas de milhares de pessoas encheram as ruas da capital e várias unidades do Exército continuavam sob o comando de oficiais nacionalistas. Brizola incentivou a mobilização popular, porém não fez o que podia consolidar a frente antigolpista: a instalação de um governo provisório alternativo na capital do Estado. Quanto ao Grupo de Onze, já seriam 24 mil em todo o País, nada se soube das iniciativas deles.
Já no exílio em Montevidéu, Brizola adotara a ideia do tipo guerrilheiro os quais adeptos do nacionalismo pequeno burguês de Brizola irão formar o MNR (Movimento Nacionalista Revolucionário).
Uma série de movimentos surgiu contra a ditadura, alguns já existiam, contudo seus protestos eram apenas a favor do bem comum que os mesmo defendiam, ou seja, eram movimentos isolados que ganharam grande repercussão política com o avanço da ditadura.
Segundo Habert (1992, p.33):
O processo de surgimento das novas organizações de esquerda foi contemporâneo ao conflito sino-soviético, às experiências das revoluções cubana e chinesa, à guerra do Vietnã, às guerrilhas latino-americanas, a Che Guevara, às idéias de "foco guerrilheiro" defendidas por Régis Debray, às críticas ao stalinismo.
Para conter o avanço dos protestos de esquerda que iam surgindo, e executar a ditadura sem que os artigos da Constituição de 1946 os barrassem, a Junta militar criou os Atos Institucionais.
Os Atos Institucionais serviram como mecanismos de legitimação e legalização das ações políticas dos militares, eram dispositivos que os militares precisavam para estabelecer suas próprias regras e poder cassar mandatos, prender, suspender direitos políticos e até mesmo aposentar qualquer pessoa que fosse tida como ameaça a segurança nacional, ou seja, os Atos Institucionais eram a principal argumentação dos militares para reprimir, censurar, prender e até mesmo torturar qualquer um quer fosse tido como ameaça para o governo.
À medida que iam renovando os atos, esses iam se intensificando, favorecendo ainda mais a opressão, principalmente quando se tratava da resistência da esquerda.
O 1º Ato Institucional foi decretado em 9 de abril de 1964, que além de dar ao governo militar o poder de alterar a Constituição, também permitia eleições indiretas para a presidência da República. Este ficou conhecido como o AI-1.
A partir deste outros 17 foram instaurados, contudo o que causou maior repercussão foi o AI-5, que segundo Carmo (2003, p. 89):
[...] O Ato Institucional nº 5, porém, teve maior repercussão devido ao seu rigor ditatorial e aos poderes absolutos que conferia ao presidente: o Congresso foi fechado, mandatos de políticos foram cassados, efetuaram-se prisões se acusação formal, intensificou-se a censura e o presidente Costa e silva mergulhou o país no período sombrio de autoritarismo.
O AI-5 entrou em vigor no dia 13 de dezembro de 1968, ele foi uma resposta das Forças Armadas sobre um discurso do deputado Márcio Moreira que pedia ao povo brasileiro que boicotasse o dia 7 de setembro, esse discurso foi uma ofensa aos militares.
Percebe-se que a ditadura estava munida com os Atos Institucionais, contra os partidos políticos de esquerdas, a imprensa e qualquer outro movimento que surgisse para derruba-lá.
O PCB (Partido Comunista Brasileiro) considerado como o principal partido político de esquerda, servia de referência em todas as organizações de esquerda sejam elas operárias, camponesas, estudantis e até mesmo nas campanhas antiimperialistas. Sua principal inspiração era marxista e contava como líder Luís Carlos Prestes, que possuía bastante prestígio biográfico.
Contudo, a prudência dos seus líderes em não tornar o PCB em um partido de esquerda radical o levou a divergências internas e membros de dentro do próprio partido o fez caíram em desavença, enquanto alguns estavam dispostos a ir para a luta armada, outros preferiam a resistência política. Chiavenato (2004, p.160) afirma que:
A prepotência do PCB pretendia encobrir a sua inércia revolucionária. Após o golpe de 64, essa passividade tornou-se muito evidente. As discussões internas que aconteciam havia algum tempo explodiram nos „rachas‟. Surgiram as dissidências. A mais importante foi a do Partido Comunista do Brasil (PC do B), com uma proposta clara de luta armada. Outros grupos escolheram permanecer dentro do PCB, aceitando a tática da „resistência política‟.
O PCB reunia no todo um grupo de teóricos e militantes. Porém, o grupo estava dividido e essas desavenças internas tiveram seu auge no 6º congresso do PC em 1967, que teve como consequência a criação grupos ditos revolucionários, os membros do PCB que não aceitavam a política pacífica do PCB em denunciar o golpe através da resistência política e romperam definitivamente com PCB a fim de criar grupos mais radicais, entre esses o PC do B (Partido Comunista do Brasil).
Skidmore (1982, p.336) vai afirmar que os “[...] jornalistas políticos do Brasil falavam das „esquerdas‟ e não da „esquerda‟. [...]” ou seja, não havia dentro da esquerda uma unanimidade política, as ideologias poderiam ser as mesmas quando se tratava de vencer a direita, contudo, os meios para vencer o governo burguês eram extremamente diferentes.
Segundo Chiavenato (2004, p.156):
Divididas ideologicamente e desunidas na prática política, as esquerdas brasileiras não conseguiram formar uma frente única contra a ditadura. Do Partido Comunista Brasileiro (PCB) saíram vários grupos que fundaram pequenos partidos, com escassos recursos e poucos militantes. Foram principalmente esses grupos que partiram para a guerrilha.
Os principais grupos formados a partir da ruptura dos membros do PCB foram: o MR-8 (Movimento Revolucionário 8 de Outubro), a VPR (Vanguarda Popular Revolucionária), a ALN (Ação Libertadora Nacional) e a AP (Ação Popular).
Muitos desses partidos que surgiram a partir da ruptura com o PCB engrenaram-se na luta armada, alguns tiveram que deixar o partido, pois não correspondia com as proposta do partido e queriam introduzir novas ideias de resistência, como afirma Chiavenato (2004, p.162):
Segundo Prestes, então secretário do PCB, o partido não rompeu com ninguém: eram pessoas com “posições esquerdistas” que pretendiam dirigir o PCB com novas idéias e tiveram de deixá-lo. Em 1067, essas dissidências levaram Prestes a pedir a expulsão de Carlos Marighella, membro do Partido Comunista, que fundaria e chefiaria a ALN, uma das correntes mais importantes na luta armada.
A ALN surgiu após Carlos Marighella ter se desligado do PCB, este seria o principal grupo da luta armada contra a ditadura militar.
Segundo Chiavenato (2004, p.162):
Marighela fez críticas contundentes ao PCB, denunciando o seu despreparo para interpretar teoricamente a sociedade brasileira e negando a crença de que uma “burguesia progressista” poderia se aliar às esquerdas na luta contra o imperialismo. Ele concluiu que “não há outro caminho para o nosso povo senão a luta de massas contra seu principal inimigo interno, isto é, a ditadura”. E passou a pensar na luta de guerrilhas, que, “típica dos campos”, pôde expandir-se. Porém, não aceitou a “teoria do foco”: “Ninguém espera que a guerrilha seja o sinal para o levante popular ou para a súbita proliferação de focos insurrecionais”. Assim, renegando o foquismo defendido por Che Guevara, Marighela aderiu claramente ao terrorismo de esquerda. [...]
Nos anos seguintes a 1960 Carlos Marighella foi o principal líder que mais explicitava o terrorismo de esquerda, diferente de Che Guevara, que era contra o terrorismo ele sempre alertava a todos para os prejuízos dessas ações.
Carlos Marighella ainda viajou para Cuba, lá ele pode fazer acordos com o líder cubano Fidel Castro. Ainda em 1967 a primeira turma de adeptos ao
movimento Marighella viajou para Cuba para fazer um treinamento de luta guerrilheira, em 1968 e 1969 foram mais duas turmas. Boa parte dos militantes a ALN eram estudantes, a maioria vinha da Dissidência Estudantil de São Paulo, entre eles estavam vários profissionais de nível universitário e alguns operários de vários segmentos.
Para arrecadar fundos, em 1967 ALN passou a assaltar bancos, para eles essas ações10 eram necessárias para garantir a estruturação do movimento. Em decorrência disso, foi criado o GTA (Grupo Tático Armado) chefiado por Marco Antônio Braz de Carvalho ou simplesmente o Marquito, este tinha habilidade em comando, perícia e manejo de armas e explosivos. Segundo Gorender (2003, p.108): Os órgãos policiais ficaram desnorteados. A técnica dos assaltos é sofisticada e o número deles se eleva de maneira assustadora. Até 1967, os assaltos a agências bancárias raramente passavam de dois por ano em São Paulo e os marginais espoliavam os caixas e os clientes, ao passo que agora o objetivo é o cofre da agência. No decurso de 1968, os assaltos atingiram, na capital paulista, onze agências bancárias, cinco carros pagadores e um trem pagador, num total de dezessete. Até julho de 1969, eram atacadas mais de 31 agências bancárias e um carro pagador (O Estado de S. Paulo, 15 maio 1969; Veja, 13 ago. 1969). O que se devia não só à ALN, mas também a outras organizações clandestinas. Percebe-se a partir do momento que a ALN passou a assaltar bancos numa tentativa de arrecadar fundos para se manter, outras organizações a tiveram como exemplo e logo passaram a fazer o mesmo. Além dos assaltos a bancos, alguns grupos passaram a sequestrar personalidades de nível internacional, com a finalidade de libertação de pessoas presas pela ditadura.
Um desses grupos foi o MR-8 que em parceira como ALN sequestrou em setembro de 1969 o embaixador americano Charles Elbrick. Este grupo pedia a libertação de 15 presos, além disto o grupo pretendia ainda romper a censura nos meios de comunicação, este era inclusive o segundo tópico do manifesto em que eles reivindicavam segundo afirma Gabeira (1996, p 118):
10 O primeiríssimo princípio é o da ação. É a ação que faz a organização e a desenvolve. Ação significa violência revolucionária, luta armada, guerrilha, A ação cria tudo a partir do nada, do zero [...] Sobre o assunto ver: GORENDER, Jacob. Combate nas Trevas, São Paulo, Ática, 2003. p. 105.


Pedíamos duas coisas ao governo, para soltar com vida aquela pessoa enrolada num saco ao fundo da kombi: “As duas exigências”, dizia o texto, são: a) a libertação de quinze prisioneiros políticos que sofrem torturas nas celas de prisões em todo o país, que são golpeados, maltratados e suportam as humilhações que lhes impõem os militares. Não pedimos o impossível, não pedimos a volta à vida de inúmeros combatentes assassinados na prisão. Os que não forem libertados agora, é claro, serão reivindicados algum dia. b) a publicação e leitura desta mensagem completa nos principais jornais e estações de rádio e televisão do país.
É importante ressaltar que o MR-8 não surgiu apenas como um grupo que tinha por objetivo sequestrar o embaixador americano, mas um grupo de caráter socialista que atuava desde 1964 quando foi instaurada a Ditadura Militar. A princípio o grupo se chamava DI-GB (Dissidência Comunista da Guanabara) e foi rebatizado após a captura de Che Guevara na Bolívia em 8 de outubro de 1967.
A AP é outro grupo formado contra a ditadura do governo, este nasceu em 1962 e pertencia a JUC (Juventude Católica Universitária). De início esse movimento surgiu para defender o socialismo a partir dos movimentos de massa e com isso ganharam destaque.
O surgimento aconteceu a partir das mudanças na própria Igreja Católica que na época tinha como pontífice João XXIII e em decorrência das lutas de classe no Brasil.
Ilustração número 03 – Embaixador Charles Burke Ellbrick dos EUA, depois de ser libertado pelo seqüestro comandado pelo MR-8 e ALN. (GORENDER, 2003, p. 71)
Ilustração número 04 – No aeroporto do Galeão, 13 dos 15 presos libertados em troca pelo resgate do embaixador Ellbick. (GORENDER, 2003, p. 70)

Segundo Gorender (2003, p.41):
Para os membros politizados, a Juventude Universitária Católica (JUC) se mostrava já demasiado estreita, dada a vinculação oficial à Igreja. Nasceu, por isso, a idéia de criar outro veículo de ação política, que permitisse liberdade de atuação e não envolvesse a hierarquia católica hostil à politização esquerdizante.
A AP era na verdade uma vertente protestante dentro da JUC, boa parte de sua formação inclusive se deu a pessoas sem confissão religiosas. Um grande número de estudantes universitários constituía parte da AP, contudo, ela contava ainda com a participação de artistas, jornalistas, profissionais liberais e até mesmo professores. Gorender (2003, p.42) afirma ainda que: “Desde o início, houve a preocupação de ganhar força nos meios operários e camponeses. Líderes camponeses nordestinos como José Gomes Novais e Manuel da Conceição já militam na AP antes de 1964.”
Boa parte de católicos passaram a apoiar as posições políticas de vanguarda, as reformas de base e as lutas trabalhistas, houve na verdade uma esquerdização dos fiéis.
Em junho de 1967 sargentos cassados fundam o que viria a ser a VPR. Esse era outro grupo de guerrilha contra a ditadura.
Além dos ex-membros do MNR que faziam parte do movimento de Brizola, existiam ainda os dissidentes da POLOP (Política Operária), que desta originou VPR e a COLINA (Comando de Libertação Nacional).
A POLOP se considerava triunfante em relação ao fracasso do PCB, contudo as suas ações ainda deixavam a desejar, visto que, apesar de toda a teoria e ascensão de idéias para a guerrilha armada, lhe faltava à vinculação com os movimentos de massa. Sendo assim, o foquismo foi à principal ferramenta para a POLOP deixar de ser teoria e passar a ser ação. Contudo, apesar de todo esforço, segundo Gorender (2003 p.139):

Os doutrinadores se mostraram incapazes de elaborar soluções políticas adequadas à conjuntura, estudantes e intelectuais polopistas aderem decididamente ao foquismo e reformulam a doutrina no espírito da concepção urbana. No terreno prático estreitam as relações com ex-militares que deixam de gravitar em torno do brizolismo.
A resposta para a ação veio em setembro de 1967 no Quarto Congresso da POLOP onde foi aprovado o Programa Socialista para o Brasi11. Foram discutidos ainda duas formas para chegar a ação, uma delas é da FER (Frente de Esquerda Revolucionária) que segundo Gorender (2003 p.139): “deveria reunir organizações e correntes diversas em torno dos objetivos programáticos da POLOP. Por isso mesmo, não chegou a ter existência”. A outra forma seria a proposta de foco guerrilheiro, ou seja, a guerrilha rural, contudo esta gerou incoerência entre os adeptos da POLOP, visto que essa teoria seria contra os princípios doutrinários. A partir das propostas vários membros se desligaram da POLOP e fundaram outras organizações de esquerda como a POC (Partido Operário Comunista) que apesar de ser uma organização que tinha seus objetivos operários, estes estavam em menor número que os estudantes e intelectuais que se uniram ao grupo. Outras dissidências foram o COLINA e a VPR. A COLINA a princípio se chamava Organização, ou simplesmente O. Depois em 1968 passou para o nome de Organização Político-Militar e só depois é que veio a se chamar COLINA. Esta fazia o terrorismo explícito, seguindo o exemplo de Marighella na ALN, que segundo Gorender (2003, p.140): À semelhança da ALN, o COLINA concebeu a guerrilha rural como força móvel que devia dispor de bases de apoio preparadas. As cidades servirão para fins logísticos, propaganda política, recrutamento de quadros, expropriação de fundos e ações de imobilização do inimigo (destruição de fontes de energia, de meios de comunicação e transporte etc.)
Os dissidentes da POLOP, possuíam no seu núcleo estruturante, subalternos excluídos das Forças Armadas, estudantes e operários. Além da Organização que
11 Este programa propõe o governo revolucionário dos trabalhadores como formar de transição para a ditadura do proletariado. Sobre o assunto ver: GORENDER, Jacob. Combate nas Trevas. São Paulo: Ática, 2003, p.139
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mais tarde foi a COLINA, existiu outra que tomou o nome de VPR (Vanguarda Popular Revolucionária) em 1968. Contando com a aliança do ex-sargento Onofre Pinto, e militantes dissidentes da POLOP que se tornaram militantes de preparados, a VPR também contou com a participação de estudantes e operários de Osasco que segundo Gorender (2003 p.143) “muitos estudantes-operários ou estudantes procedentes de famílias de trabalhadores, cuja prática cotidiana já era, por si mesma, um enlace com entre a classe operária e os meios estudantis.” A VPR além de Onofre Pinto na Coordenação Geral contava ainda com a participação do capitão Carlos Lamarca.
Sendo um dos maiores grupos armados contra a ditadura e com uma série de membros presos, a VPR teve uma queda significante e chegou a pedir ajuda da ALN. A COLINA também passava pela mesma situação e a solução encontrada foi unir os dois grupos e formar uma nova entidade, esta ficou conhecida como VAR-Palmares (Vanguarda Armada Revolucionária – Palmares)12. A união das duas organizações rendeu bons fundos para compra de material necessário para a guerrilha, entre esses, expropriações de cofres residenciais como da residência de Ana Capriglione e a mansão de Santa Tereza no Rio de Janeiro. Apesar dos bons lucros, com apenas dois meses de formada, reunidos no seu primeiro congresso em setembro de 1969, começaram as primeiras divergências e alguns elementos optaram por voltar à antiga formação da VPR. Segundo Gorender (2003, p.148): Ao todo, sete elementos que racharam o congresso passaram a se reunir em separado no próprio aparelho em que todos se encontravam: Darcy, Lamarca, Liszt Benjamim Vieira, José Araújo da Nóbrega, Herbert Eustáquio de Carvalho (escritor conhecido pelo pseudônimo Herbert Daniel), Juarez de Brito e Maria do Carmo Brito. Ali mesmo, as sete dissidentes deram início à reconstrução da antiga VPR. Após alguma barganha, resolveu-se a questão da divisão do espólio: armas e dinheiro. Em uma segunda versão, a VPR recebeu a maior parte das armas – já que pretendia entrar em ação imediata – e ganhou acesso à metade do fundo em dólares.
12 VAR-Palmares foi em homenagem ao maior quilombo da história da escravidão. Sobre o assunto ver: GORENDER, Jacob. Combate nas Trevas. São Paulo: Ática, 2003, p.147.

A VPR teve rápida expansão, pois pretendia de imediato intensificar a luta armada. Com o apoio de Ladislau Dawbor a VPR surgiu ainda mais estruturada, exercia sua teoria de cunho marxista e possuía ainda vasta experiência militar.
Apesar das grandes vitórias em expropriação de bancos, e em tentar conter o avanço da ditadura essas organizações de esquerda muitas vezes caíram na ilegalidade e teve seus membros presos devido à falta de unanimidade.
A falta de união dentro da esquerda de certa forma facilitou a opressão do governo burguês. É possível afirmar ainda que as esquerdas não fossem uma ameaça para o governo, muito pelo contrário, à medida que os focos de resistências por parte das esquerdas iam intensificando o governo logo traçava estratégias para repelir as manifestações, aumentando a todo custo à repressão, Segundo Skidmore, (1988, p.203): “[...] As guerrilhas eram incômodas, mas também úteis porque ajudavam a justificar a repressão. A verdadeira ameaça ao governo não vinha da esquerda mas de dentro dos quartéis. [...]”, ou seja apesar de desejassem fazer revolução, as ações da esquerda serviram mais para um recrudescimento da repressão.
Para Ridenti (2003, p. 247):
No percurso para realizar o plano traçado da guerrilha rural, os grupos armados urbanos envolveram-se umbilicalmente com os principais movimentos sociais entre 1965 e 1968. Todos eles vivera, de diversas formas, dando respostas topicamente diferenciadas, a tensão entre "massismo" e "militarismo", isto é, entre a realização de um trabalho político mais sólido junto às massas, preparando-as mediatamente para a insurreição, e a exigência das ações armadas urbanas imediatas, preparatórias para a deflagração da guerrilha rural. Nesse processo, os grupos guerrilheiros ganharam a adesão de lideranças dos movimentos sociais do período, operárias, sindicais e, sobretudo estudantis.
Percebe-se que além de militantes de vários outros segmentos os grupos contaram ainda com a intensa participação dos estudantes, estes que eram os intelectuais do momento, e de certa forma conseguiam interpretar as notícias nos jornais sobre a real situação do país, pois a censura imposta impedia que o resto da população ficasse sabendo o que acontecia nos porões da ditadura.
Muitos destes estudantes aderiram aos movimentos de esquerda numa tentativa de continuar luta armada já que suas entidades, muito perseguidas caíram na ilegalidade. A UNE era principal entidade que dava base a esses estudantes, sendo esta retratada no próximo capítulo.

Autora :

Franciene Mendes, Licenciada pelas FIP

ASCENDÊNCIA AO GOLPE MILITAR



Este capítulo tem como objetivo abordar os antecedentes do golpe de 1964, bem como a trama golpista após o dia 31 de março que levou as esquerdas manifestarem-se contra a ditadura militar. 

1.1 OS ANTECEDENTES: UM BREVE PERCURSO.

 A ditadura militar no Brasil surgiu oficialmente no dia 31 de março de 1964, quando forças armadas aplicaram o golpe militar, foi um somatório de vários contextos e eventos no qual o Brasil estava passando, além da forte influência e apoio norte-americano. Para entender o contexto do golpe é preciso direcionar a ótica aos antecedentes em um breve percurso, visto que, o dia foi apenas o ápice das fervorosas movimentações que aconteciam no governo brasileiro.
Muito antes do ano de 1964, já existia no Brasil conspirações golpistas de militares e após o governo de Getúlio Vargas os militares tentaram aplicar golpes durante os governos de Juscelino Kubitschek1 e João Goulart. Durante esse período, que envolve os precedentes do golpe e instauração da ditadura militar, o cenário mundial passava pela guerra fria que em resumo de suas ideologias imperavam o capitalismo americano e o comunismo soviético. No Brasil os militares e governantes afirmavam que era preciso fazer uma revolução para espantar a possível ameaça comunista que estava surgindo, porém, o máximo que conseguiram foi uma “provável reforma”, que atrasou significantemente o avanço do Brasil em certos setores. Devido a esse atraso pode-se dizer o país ainda tenta se reerguer dos efeitos catastróficos do regime militar.
1 O governo de JK durou de 1955 a 1960 e ficou conhecido pelo Plano de Metas e pela fundação da nova capital Brasília, que até então era o Rio de Janeiro. Sobre o assunto ver: GASPARI, Elio. A ditadura derrotada: O Sacerdote e o Feiticeiro. Vol. 3. São Paulo: Companhia das Letras. 2003, p. 49.
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À medida que os direitistas encontraram foi afastar o então presidente João Goulart, que após uma longa jornada assumiu seu mandato, quando na verdade deveria ter assumido logo a renuncia do Jânio Quadros em 25 de agosto de 1961. Os acontecimentos que envolvem a renúncia começaram pelo próprio modelo de governo que Quadros instalava no Brasil, modelo esse que muitas vezes era moralista e contraditório, desagradando facilmente às forças políticas que o apoiavam, como cita Chiavenato (2004, p. 14): Eleito, Jânio Quadros não demorou a desgostar as forças políticas de direita que o apoiaram, em especial as da UDN. Apesar de constituir um Ministério comprometido com os grupos multinacionais – ou imperialistas, como se dizia mais claramente naquele tempo -, ensaiou algumas medidas de independência que incomodaram certos setores.
Jânio tinha um estilo próprio de governar, até mesmo antes de chegar ao poder usou como símbolo de sua campanha presidencial uma vassoura2, afirmando que iria varrer toda a corrupção do país, os gastos no governo de JK pelas obras da nova capital do país. Seu governo foi regido com seu estilo conservador, particularmente moralista e autoritário. Entre seus feitos Jânio proibiu brigas de galos, o uso de lança-perfume nos bailes carnavalescos, o uso de biquínis e maiôs decotados em desfiles de belezas, entre tantas outras decisões pessoais e insólitas. Jânio chegou ainda a condecorar o símbolo da Revolução Cubana, Che Guevara, o que causou reações imediatas contra ele, segundo mostra Chiavenato (2004, p.15-16): Dono de uma personalidade controversa e ignorando acintosamente a influência dos partidos, Jânio logo perdeu o apoio político que deveria sustentá-lo no governo. A reação foi fulminante e imediata. Em um lance digno de ópera-bufa, Carlos Lacerda, governador do então estado da Guanabara e arauto da direita, vingou-se da condecoração a Che Guevara, homenageando Tony Varona, o líder (ou que se apresentava como tal) da contra-revolução cubana.
2 Sobre o assunto ver: BENEVIDES, Maria Victória de Mesquita. O Governo Jânio Quadros. São Paulo: Brasiliense, 1999.
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Percebe-se que seu governo atuava muitas vezes como um governo de esquerda e isso certamente desagradavam os militares, os governantes conservadores e, até mesmo, os norte-americanos. Movido por toda essa situação de contradição no governo, Carlos Lacerda alertou a opinião pública e aos governantes que estava por surgir a então possível ameaça comunista e até mesmo um golpe. Perdendo seus apoios políticos e movido pela esperança de voltar ao governo e finalmente assumir seu cargo como presidente, Jânio renunciou a presidência afirmando que forças terríveis se voltavam contra ele. A princípio Quadros não queria sair pelas portas dos fundos da presidência, ele esperava que após a sua renúncia um forte clamor popular o trouxesse de volta. Fato que não ocorreu e que se pode dizer que foi o ponto crucial para o início do golpe militar.
Após a renúncia do dia 25 de agosto de 1961 quem deveria assumir era o vice-presidente João Goulart, mais conhecido como Jango, contudo o mesmo encontrava-se fora do país em missão oficial a China e quem assumiu de acordo com a Constituição foi o então Presidente da Câmara dos Deputados, Ranieri Mazzilli, que pertencia ao PSD (Partido Social Democrático).
Aproveitando da situação, os partidos políticos como a UDN (União Democrática Nacional), e os ministros militares3 trataram de dá um jeito na situação, devido a Jango ser apoiado por comunistas e assim, após a renúncia de Quadros vetaram a sua posse, tudo já não passava de uma manobra golpista a fim de promover eleições indiretas. O senado recebeu uma emenda constitucional com a finalidade de promover estas eleições indiretas, porém a Câmara dos Deputados negou receber a tal emenda que vetava a posse de Jango, como cita Chiavenato (2004, p. 17 - 18):
A maioria dos deputados e senadores posicionou-se contra o veto. Uma intensa mobilização popular varreu o país: nas ruas e nos sindicatos aconteceram manifestações de apoio ao cumprimento da Constituição e, conseqüentemente, à posse do vice-presidente. Mas os ministros militares
3 Os militares eram uma junta das três forças armadas representados pelo brigadeiro Gabriel Grüm Mass (Aeronáutica), o almirante Sílvio Heck (Marinha) e o general Odilo Denis (Guerra). Sobre o assunto ver: CHIAVENATO, Júlio José. O golpe de 64 e a ditadura militar. 2. ed. Reform. São Paulo: Moderna, 2004, p.17.
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ameaçaram fechar o Congresso, caso os políticos não encontrassem uma saída “legal” para impedir a posse de Goulart. Havia movimentações a favor da posse promovidas por Leonel Brizola, governador do Rio Grande do Sul e cunhado de Jango, que ficou conhecida como “campanha da legalidade”. Sobre o comando de Machado Lopes, o III Exército apoiou o movimento de Brizola, os líderes sindicais, os estudantes intelectuais e o povo também aderiram à resistência contra o veto e, segundo Chiavenato (2004, p. 18) “muitos que não viam com simpatia repudiavam a quebra do processo democrático e a violação da Constituição.”
As lideranças políticas e as elites econômicas buscavam uma solução emergencial, que solucionasse o problema e desse de uma vez por todas como feita a conciliação. Sendo assim, a solução encontrada foi o parlamentarismo4 este que, serviu apenas para garantir a posse de João Goulart, porém quem administrava eram os parlamentares, muitos deles de direita. O golpe militar teve que ser adiado, entrando em ação o golpe político, como cita Toledo (2004, p.18) “Um outro significado desse „golpe branco‟ é que a emenda parlamentarista retirava a eleição do presidente da República do âmbito popular, tranferindo-a para o espaço reduzido da Câmara Federal”. Jango finalmente aceitou a proposta parlamentarista, afim de não arriscar perder a presidência. Então, João Belchior Marques Goulart recebeu a faixa presidencial, em uma singela posse ocorrida no dia 07 de setembro de 1961, tendo como primeiro-ministro Tancredo Neves do PSD. Quando Jango assumiu o governo as circunstâncias em que o país estava eram quase que histéricas e emergenciais, o Brasil até então era um país pobre com déficit em todos os setores e apenas a elite gozava de privilégios, isso certamente chamou a atenção da população. Logo, Goulart lança o Plano Trienal, um programa que tinha como objetivo solucionar os principais problemas do país.
Porém, Jango se viu limitado com seus projetos, visto que para ser posto em ação era preciso o apoio dos parlamentares. Nesse sentido, em 1963 há o que se chama de plebiscito e o parlamentarismo logo teria seus dias contados, durando de setembro de 1961 a janeiro de 1963. Apesar de Jango ter aceitado o
4 No parlamentarismo, Executivo depende do apoio do Congresso. Sobre o assunto ver: http://www12.senado.gov.br/noticias/entenda-o-assunto/parlamentarismo. Acesso em: 18 Jan. 2013.
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parlamentarismo, ele buscou forças para voltar ao regime presidencialista, pois, segundo Toledo (2004, p.21) o mesmo “Recusava-se a representar o papel de uma „Rainha Elizabeth‟. Queria governar, não penas reinar...”.
O parlamentarismo não foi uma medida muito eficaz, pois só serviu para garantir a posse de Jango sem desagradar os militares e evitar uma guerra civil. Mostrou-se ineficaz em se tratando da sua própria manutenção, no qual os gestores dos Gabinetes parlamentares logo se modificavam, como mostra Toledo (2004, p.39):
O regime parlamentarista fracassou pois se revelou altamente ineficaz do ponto de vista administrativo, como também pelo fato de ter-se constituído numa fonte permanente de crises institucionais e políticas. O caráter híbrido e dualista do sistema – o presidente da República e o Conselho de Ministros, além de disputarem o controle do Executivo, divergiam quanto aos seus programas e prioridades de governo – dificultava a tomada de decisões que a realidade econômica e social do país urgentemente demandava.
Sendo assim, a campanha do plebiscito deu certo, o povo reagiu a favor, pois com a volta do presidencialismo Jango poderia executar as Reformas de Base, que até então não passava de projetos, e em 23 de janeiro de 1963 Jango assumiria “definitivamente” o governo gozando dos plenos poderes que a Constituição determinava ao Presidente da Republica.
Percebe-se que a marca principal de seu governo foram às tentativas de impor reformas, que para Jango eram indispensáveis para o desenvolvimento e elevação do Brasil no cenário mundial.
As reformas de base abrangiam quase toda a sociedade, havia propostas para diversos setores, como cita Chiavenato (2004, p.21-22) “Existiam planos para as áreas eleitoral, administrativa, tributária, urbana, bancária, cambial, universitária e, certamente a mais polêmica, a agrária.”.
Essas reformas dividiam o país, pois em meio a tanta calamidade pública Jango estava tentando trazer oportunidades para a população da classe baixa, que quase não participava do desenvolvimento do país. As reformas não eram uma tentativa de comunizar o país, mas agilizar o combate à inflação e o processo de desenvolvimento no capitalismo brasileiro.
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A elite certamente não concordava, pois a mesma não se beneficiaria com as tais reformas, como na Reforma Agrária, por exemplo, em que boa parte das terras não servia para produção e sim como garantia de poder político, o que de fato era uma herança colonial. O que Jango pretendia era aumentar o número de proprietário de terras e torná-las produtivas, ou seja, aumentar a produção agrícola do país, mas para isso era preciso alterar preceitos da Constituição e em consequência disso alteraria também o estatuto da propriedade privada no Brasil, o que gerou uma forte oposição as reformas.
O ano de 1964 já começava agitado devido à inflação que subia significantemente, as greves duplicavam cada vez mais, além do déficit brasileiro que já passava de 504 bilhões de cruzeiros5. As intensificações ocorreram quando Jango apresentou suas propostas de Reformas à população em um comício ocorrido em praça púbica de frente a Central do Brasil no dia 13 de março de 1964. O comício tinha ainda o propósito de pressionar o Congresso para que aprovassem com rapidez os projetos encaminhados, como cita Toledo (2001, p.95): A efetiva “guinada para a esquerda” do governo Goulart, na visão das esquerdas, apenas ocorreria com o “Comício de 13 de março” – o comício das Reformas. Organizado pelo CGT e pela assessoria sindical de Goulart (Gomes Talarico, Crockat de Sá e outros), o comício da Guanabara – ao qual deveriam seguir-se outros nos maiores centros urbanos do País – visava demonstrar o apoio popular às propostas de Reformas de Base do governo. Além disso, o Executivo pretendia também pressionar o Congresso Nacional no sentido de que este aprovasse rapidamente os projetos a ele encaminhados. O comício contou com cerca de 200 mil pessoas que se mostraram a favor das reformas, havia representantes de vários setores sociais que se beneficiaria com as reformas, o povo esperava que estas propostas fossem rapidamente aprovadas pelo congresso e postas em prática logo em seguida.
5 Sobre o assunto ver: GASPARI, Elio. A ditadura envergonhada: O Sacerdote e o Feiticeiro. Vol.1. São Paulo: Companhia das Letras. 2002.p. 48.
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Porém, apesar de todo o apoio popular, Jango não reagiu às expectativas, chegando a levantar questionamentos por parte dos esquerdistas se tinha a intenção se promover as reformas. As tensões políticas dos dias seguintes só encaminhavam o governo de Jango para o declínio, e logo, como era de se esperar o governo deveria se preparar para uma nova tentativa de golpe.
A conspiração já não se limitava apenas ao que acontecia dentro do Congresso Nacional e sim em meios públicos, quando a própria imprensa passava a apoiar o novo regime de direita, publicando as insatisfações da elite como se fosse o próprio povo, os principais a apoiarem eram o Jornal do Brasil e o Correio da Manhã6. Outro setor que não apoiava Jango era a Igreja Católica, os clérigos acreditavam que as reformas levariam o Brasil ao comunismo, mas o que os preocupavam de fato era o comunismo ateu. Os clérigos não aceitavam que pessoas leigas apoiassem as reformas governamentais, e com isso, segundo Chiavenato (2004, p.45) “O papa João XXIII e grande parte dos cardeais do Vaticano começaram a sugerir reformas sociais para combater a miséria. E, justamente nos países-alvo dessas mudanças, os católicos radicalizaram.”
6 O Correio da manhã publicava notas a favor do golpe. Havia quatro principais redatores de editoriais durante os dias fervorosos que levaram ao 31 de março de 1964, estes eram: Edmundo Moniz, Osvaldo Peralva, Newton Rodrigues e Otto Maria Carpeaux. Sobre o assunto ver: GASPARI, Elio. A ditadura envergonhada: O Sacerdote e o Feiticeiro. Vol. 1. São Paulo: Companhia das Letras. 2002, p.62


Percebe-se que era uma tentativa da igreja manobrar o povo leigo sobre o que estava acontecendo no país. Aproveitando-se da situação, os setores conservadores, a classe alta e a Igreja católica, selam uma aliança contra o governo de Jango. A solução para eles se manifestarem contra foi a Marcha da Família com Deus para a Liberdade no dia 19 de março de 1964, esta que reuniu cerca de 500 mil pessoas que saíram as ruas em protesto contra o governo e que contou ainda com a participação do padre Peyton, que anos mais tarde foi descoberto como sendo agente da CIA norte-americana. Outra instituição que ajudou com golpe foi a ESG (Escola Superior de Guerra), fundada em 1949 por um grupo de oficiais brasileiros influenciados pelos norte-americanos. A ESG foi importante no processo golpista, visto que, através de cursos diplomados formava uma espécie de clube que defendia seus princípios a todo custo, dando ênfase à segurança nacional através de militares e civis. As insatisfações por parte da elite, do povo e até mesmo da igreja, fornecia ainda mais subsídios para a imprensa publicar notas a favor da direita, existia ainda o apoio dos Estados Unidos, que além do Brasil, financiava e influenciava ditaduras por toda América Latina. Os acontecimentos que antecediam o golpe foram marcados pela participação civil e pela sociedade, esta que se viu dividida quanto à execução dos projetos sociais inegociáveis por parte dos direitistas que não as aprovavam. Sendo assim, percebe-se que todas essas retrospectivas dos fatos tornaram símbolo do acirramento das tensões que envolviam o governo.
O cerco para o golpe começava a se fechar à medida que os eventos e tensões políticas iam se intensificando, entre esses a revolta dos marinheiros7, que desde 1963 já vinham em crise, e o discurso de Jango no Automóvel Clube8 no dia 30 de março que para muitos observadores ficou conhecido como o mais violento da
7Os fuzileiros navais reclamavam das péssimas condições em servir à marinha. No dia 26 de março de 1964 um motim ainda maior se propagou quando em comemoração ao aniversário da corporação dos marinheiros estes passaram a exigir melhores condições e mostraram apoio as reformas de base. Esse episódio resultou em vários líderes presos. Sobre o assunto ver: CHIAVENATO, Júlio José. O golpe de 64 e a ditadura militar. 2. Ed. Reform. São Paulo: Moderna, 2004, p.34 8 Sobre o assunto ver: GASPARI, Elio. A ditadura envergonhada: O Sacerdote e o Feiticeiro. Vol. 1. São Paulo: Companhia das Letras. 2002, p.45
sua carreira. Neste discurso Jango mostrou claramente sinais de ira e improviso, o mesmo atacava claramente seus adversários sem meias palavras e, segundo Gaspari (2002, p.50), “A ida do presidente ao Automóvel Clube indicava que o governo esporeava a crise, aceitando o seu agravamento como parte de uma ofensiva ampla e radical”. Esses eventos deram sinal verde para o golpe.

 DE MARÇO DE 1964: O PROCESSO GOLPISTA

O golpe inicia-se na madrugada do dia 31 de março de 1964 com o deslocamento das tropas de Minas Gerais. Segundo Chiavenato (2004, p.69): “O chefe da IV Região Militar, general Mourão Filho, justificou o movimento, alegando que o presidente João Goulart tinha abusado do poder e devia ser afastado.”.
Além do governador de Minas gerais Magalhães Pinto, outros governadores de estados aderiram ao golpe, como Carlos Lacerda do estado da Guanabara e Adhemar de Barros de São Paulo.
A falta de reação de Jango foi notável, o mesmo ainda tentou resistir ao golpe, contudo, não abriu mão das suas bases políticas, segundo descreve Toledo (2004, p.105) em um trecho sobre um telefonema de Amayry Kruel para Jango:
Relata a “crônica do golpe de 1964” que, antes de tomar a sua “grave decisão”, o Gal. Kruel telefonou para o presidente da República instalando-o para “abrir mão de suas bases políticas”. Em outras palavras, Kruel exigia que Goulart proibisse o CGT, o PUA, a UNE e todas as demais “entidades subversivas”. Em troca, prometia o militar, teria ele garantido o seu mandato presidencial. Diante da recusa de Jango, o gal. Kruel teria “lavado as mãos” e ordenando que as tropas de São Paulo se movessem para o Rio de Janeiro a fim de se unir às do Gal. Mourão.
Jango percebe que o golpe não limitava-se apenas a grupos civis ou políticos, este agora era forjado pelas Forças Armadas e compreendendo a proporção que o golpe estava tomando Jango viaja do Rio de Janeiro para Brasília no dia 1º de abril em busca de segurança. Chegando a Brasília, Jango ainda emitiu um comunicado denunciando os golpistas, partindo logo em seguida para Porto Alegre, onde Brizola
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novamente tentava repetir a Campanha da Legalidade de 1961, contudo esta agora era sem sucesso, segundo cita Ferreira (2012, p.25): Brizola , portanto, acreditava que poderia repetir em 1964 o que ocorrera em 1961, às 8 horas da manhã do dia 2 de abril, reuniram-se Goulart, Brizola, Ladário Telles e os generais do Estado-Maior do III Exército. Telles demonstrou otimismo, mas a maioria dos generais do III Exército comunicou lealdade ao novo ministro da Guerra, enquanto a Brigada Militar obedecia ao governador do estado. Jango percebeu que não havia como resistir. Os tempos eram outros, Jango não tendo outra saída teve que partir do Brasil para o exílio no Uruguai.
Outro fator que favoreceu ao golpe foi os EUA que acompanhou de perto toda a conspiração, como também foi o responsável pela Operação Brother Sam9 no dia 31 de março de 1964, fornecendo apoio e armamento aos militares, e nesse sentido, logo nos primeiros dias do golpe os EUA reconheceu o novo regime que estava surgindo no país. Nesse meio tempo o presidente do senado, Auro de Moura Andrade, já havia declarado vaga na presidência da República e conforme a Constituição vigente de 1946 quem assumiu novamente foi Ranieri Mazzili, este que desde 1961 ainda encontrava-se como presidente da Câmara dos Deputados. Contudo, o poder estava de fato nas mãos dos militares e a nomeação de Raniere Mazilli era apenas uma manobra enquanto a Junta Militar não determinava quem deveria assumir. A Junta Militar era formada por três membros: O general Artur da Costa e Silva do Exército, o brigadeiro Francisco de Assis Correia de Melo da Aeronáutica e o vice-almirante Augusto Rademaker da Marinha. Juntos permaneceram no poder até a nomeação de Catello Branco em 15 de abril de 1964.
O golpe foi saudado pela elite brasileira, empresários, proprietários rurais, além da Igreja católica, influentes governadores de estados e até mesmo pela própria imprensa. As massas apoiavam o golpe esperando que fosse uma solução
9 A operação Brother Sam foi desencadeada pelos EUA sob a ordem de apoiar o golpe de 1964. Tinha como objetivo deslocar forças armadas para o Brasil. Esta ficou conhecida pela quantidade de armamento, navios, aviões e recursos de guerra disponível. Sobre o assunto ver: CHIAVENATO, Júlio José. O golpe de 64 e a ditadura militar. 2. Ed. Reform. São Paulo: Moderna, 2004, p.99.
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rápida e logo fosse retomado o jogo político, contudo, não foi isso o que aconteceu. Segundo Reis (2012, p.32): “Até setembro de 1964, marchou-se sem descanso no país. Mesmo descontada a tendência humana de aderir aos vencedores, ou, simplesmente, à ordem, tratava-se de um impressionante movimento de apoio ao golpe.”.
A partir do momento que o golpe deixou de ser apenas uma conspiração e tomou o poder, deu-se início a um regime autoritário marcado pelas perseguições e prisões políticas. Até então os militares justificavam suas ações afirmando que o objetivo em geral era afastar a ameaça comunista e restaurar a ordem e todas essas atrocidades eram acobertadas pelo Ato Institucional criado para justificar essas ações e em 1965 foi criado ainda a Arena (Aliança Renovadora Nacional) para apoiar o regime.
Sendo assim, percebe-se que o dia 31 de março de 1964 foi apenas o primeiro dia das tensões políticas que ainda estava por vir, em outras palavras estava surgindo no país uma ditadura sufocante e o que se pode afirmar é que em meio a todo o jogo político e caos que pairava sobre o Brasil: a direita venceu.
Com a tomada dos militares ao poder uma série de violentas repressões atingiu os setores políticos da esquerda, como, por exemplo, o CGT (Comando Geral dos Trabalhadores), a UNE (União Nacional Estudantil), as Ligas Camponesas e, até mesmo, grupos católicos, como a JUC (Juventude Universitária Católica) e a AP (Ação Popular).
Algumas dessas entidades atuavam na ilegalidade e à medida que ia se intensificando as perseguições muitas pessoas dessas instituições foram presas, torturadas e, até hoje, alguns membros e líderes estão desaparecidos. Contudo, mesmo com tanta perseguição política e violentas repressões a esquerda não ficará quieta, como mostra alguns episódios marcantes no próximo capítulo

Autora:

FRANCIENE MEDEIROS MENDES, licenciada pelas Faculdades Integradas de Patos.

sexta-feira, 14 de junho de 2013

O EXERCÍCIO DO PODER PELOS MARGINALIZADOS DA HISTÓRIA





Michelle Perrot em sua obra “Os excluídos da História” disserta sobre a vida dos marginalizados de um período histórico. Baseado em alguns de seus textos será abordado neste capítulo o exercício do poder por operários e  mulheres.
O Poder disciplinar dentro das fábricas europeias do século XIX, por exemplo, acabou por promover as greves operárias. A greve, então, deve ser vista como uma forma ou mecanismo utilizado pelas massas para reivindicar melhores condições de trabalho e de vida.
É sobre este poder disciplinar que o leitor deve focar o olhar para entender como ao longo dos anos ele transformou a sociedade contemporânea . Ele moldou camponeses, artesãos e andarilhos em operários, dando a estes uma capacidade produtora e lucrativa. O corpo" tornou-se" uma máquina por assim dizer.
Segundo Perrot (2001, p.53) :


[...]A disciplina industrial, aliás, não é senão uma entre outras, e a fábrica juntamente com a escola, o exército e a prisão etc., pertence a uma constelação de instituições que, cada qual a sua maneira, participa da elaboração dessas regulamentações[...]


Não que as grandes fábricas fossem prisões, mas seus mecanismos disciplinares em muito se assemelhavam com os daquela. Pois apropriando-se da criação de Jeremy Bentham, “o Panopticon”, as grandes indústrias europeias conseguiram através da vigilância promover a ordem entre seus operários. As fábricas eram espacialmente projetadas com a finalidade de haver visibilidade e controle das ações dos trabalhadores. Como também permitiram uma divisão do trabalho mais intensa e produtiva. O objetivo maior dos burgueses era evitar furtos de matéria prima e obter uma qualidade maior no acabamento de seus produtos. Para tanto fora necessária a formulação de todo um mecanismo organizacional. Começando pela ostentação do poder capital através dos grandes prédios fabris, passando pela facilitação de transporte de materiais, como pelo controle da movimentação interna e externa nas indústrias.  A especialização do serviço cooperou para o maior controle da produção. Por exemplo, a função do porteiro e do examinador , ambos eram responsáveis pela vigilância, seja das entradas e saídas, seja pela vistoria da mercadoria. Mas o que falar dos senhores capitalistas?
O Patrão se apresentava a seus funcionários como um pai, que os amava, mas que muitas vezes deveria aplicar penas a fim de corrigir seus erros. Isso gerava um sentimento de pertencimento nos operários. Este mesmo mecanismo fora utilizado por governantes autoritários, como por exemplo na política fascista do século XX.   Percebe-se estas características mais notadamente na indústria têxtil , principal chave da primeira revolução industrial.  Entretanto, não deve-se achar que tais patrões fossem amados e estimados por  seus subalternos. Muitas vezes foram retratados com desprezo e depreciados com palavras ofensivas.
Outro mecanismo adotado pelos industriais era empregar famílias inteiras, garantindo a fidelidade da mesma. Posteriormente surgirá os primeiros administradores que substituirão a figura paterna e imporá todo um código de ética,  inspirado no exército, dentro da empresa. O silêncio dava ao ambiente um ar de "sagrado" e lembrava a todos que a ordem e decência que os homens tinham dentro das igrejas, deveriam ter dentro do espaço de trabalho. De acordo com Perrot (2001, p.68):


Os regulamentos preveem todo um elenco de sanções: essencialmente multas em caso de faltas, atrasos, falhas de fabricação, mas também por deterioração das máquinas, brigas dentro ou na frente da fábrica, cachimbos mal apagados, bagunças, disputas, grosserias, conversas obscenas, maneiras indecentes, embriaguez, falatórios, deslocamentos fora do serviço, insolência em relação aos chefes[...] 


Com o passar do tempo estas ações disciplinares tornaram-se mais do que abusivas, tornaram-se insustentáveis. E como já foi dito, a greve era a melhor maneira de os operários demonstrarem sua insatisfação. É a partir destas crises que surgem os sindicatos trabalhistas e delegados de fábrica.
Tantas foram as vezes que os trabalhadores levantaram-se contra a modernização das fábricas. Temiam ser substituídos pelas máquinas, bem como perder o lugar que lhes pertencia a gerações. Por isso mesmo não foram poucas as vezes que os mesmos quebraram aquelas que se tornariam um símbolo do poder burguês. Negavam-se a dividir o mesmo espaço com estas que ameaçavam seu sustento, principalmente com as grandes máquinas.
Não se pode aqui cometer o erro de excluir as mulheres da história das reivindicações. Aliás, por muito tempo elas foram silenciadas ou porque não dizer, excluídas da História Geral. Sempre vista como improdutiva, a mulher fora formada pelo homem através de um discurso machista.  No século XIX , principalmente na França, ela , a mulher, deveria estar reclusa em sua casa, ser uma boa mãe e cuidar bem de seu esposo, que todos os dias ia buscar o sustento do lar nas fábricas e indústrias modernas.
A sociedade contemporânea é herdeira do discurso misógino em que a mulher é representada muitas vezes pelo fogo, por ser ela destrutiva,inflamadora das paixões mais carnais. Ou pela água, sendo passiva, parada, amorosa e submissa. Ou pela terra, fecunda e penetrável. O que se pode dizer de fato é que a mulher foi e continua sendo vítima da história feita pelos dominantes. Entretanto, vê-se também no século XIX uma mulher francesa que luta, que reivindica, que reclama e , logo, exerce poder.  Ela, gestora da vida cotidiana, fazedora de trabalhos domésticos, mas portadora de uma voz e de uma vontade de mudança. Conseguiu o direito de administrar os salários de seus maridos.
Assim diz Perrot (2001,p.191-192):


A administração do salário é, sem dúvida, uma difícil conquista das mulheres, resultado de uma luta cheia de ciladas, onde o patronato, cioso em favorecer o “bom” uso do salário, por vezes estendeu às mulheres uma mão generosamente compassiva [...]


“Elas, descontentes com os preços dos produtos essenciais para a alimentação de seus filhos, saiam às ruas para protestar, e isso através de motins” .(PERROT, 2001 )
As mulheres também participaram do movimento de quebra máquinas ocorrido na Europa que ficou conhecido como Luddismo. Elas se opunham a modernidade inglesa, queriam continuar trabalhando em suas casas e não em manufaturas. E sua forma de dizer não a algo era tão intensa que muitas conseguiram o que queriam, ainda que por um período de tempo. Os sindicatos também escandalizavam-se com as posturas femininas, chamavam-nas de selvagens, irresponsáveis e inadequadas.
Para Perrot,:[...] Mais vale deixar as mulheres isoladas e dar-lhes trabalho para fazer em casa do que reuni-las aos montes, pois as pessoas dessa categoria são como plantas que fermentam quando amontoadas. (PERROT,2001 p. 198)
As máquinas não eram, portanto, apenas inimigas dos homens, isto é, dos maridos, mas também das mulheres, as esposas, que souberam exercer seu poder em forma de protesto, de luddismo, de marchas e manifestos .
Mas a quê se deve esse espírito tão combativo do Europeu? Sem sombra de dúvida advém da Revolução Francesa. Não somente isso, mas como diria Hobsbown, “ A ideologia e a política do século XIX deve muito a Revolução Francesa”. “Se a economia do mundo do século XIX foi formada principalmente sob a influência da revolução industrial britânica, sua política e ideologia foram formadas fundamentalmente pela Revolução Francesa” (HOBSBOWN, 1996)
O autor Inglês a exalta acima de todas as outras revoluções. Diz que foi ela quem praticamente criou os termos “nação e patriotismo” no sentido moderno (ROBSBOWN, p. 87). Por isso podemos afirmar que aqueles marginalizados a quem Perrot se reporta como agentes ativos do poder no ato de reivindicação são “frutos” ou reflexo de uma gente que “ nasceu” protestando e exigindo seus direitos.
A própria história da Revolução Francesa diz isso. Nascida sob uma grande crise econômica, ela percorreu caminhos inéditos e atingiu proporções nunca vistas. Toma-se, portanto, esta Revolução como emblema de tudo aquilo que falou-se desde o primeiro capítulo desta obra. Sim, pois a Revolução Francesa é a grande divisora de águas desta sociedade Moderna e é digna de ser analisada na perspectiva do exercício do Poder.
Por que a Revolução Francesa para analisar o Poder? Primeiro, porque no primeiro capítulo analisou-se o Poder centralizado nas mãos do Príncipe de acordo coma obra de Maquiavel.  Na França houve monarquia Absolutista, logo houve poder centralizador.  Segundo, na Revolução Francesa as massas populares se moveram de tal modo que conseguiram derrubar o Antigo Regime, isto é, o poder real e toda sua estrutura política. E isso é a prova do que Foucault diz em sua obra “A micro física do Poder”, que o poder é exercido por todos, inclusive pelas massas.
A intenção deste terceiro capítulo é fazer um diálogo entre aquilo que Maquiavel disse ao Príncipe, ou seja, os cuidados que deveria tomar para preservar seu poder, com aquilo que Foucault diz em sua obra já citada, que o poder não é uma coisa que se possui, mas que se exerce , tendo por base a Revolução Francesa.  Segundo Foucault (2006, p.75):


[...] Sabe-se muito bem que não são os governantes que o detêm [...] Onde há poder, ele se exerce. Ninguém é propriamente falando, seu titular, e, no entanto, ele sempre se exerce em determinada direção, com uns de um lado e outros do outro, não se sabe ao certo quem o detém, mas se sabe quem não o possui [...]


Nesta Revolução encontra-se a figura do Rei, símbolo do poder máximo em outros tempos históricos, que possuía também a capacidade de enobrecer àqueles que naturalmente não eram nobres.  Segundo Grespan (2008, p.76):


Além disso, se ainda mais do que antes o monarca representa a figura do primeiro “gentil homem” do reino, por outro lado ele permanece com a prerrogativa única do enobrecimento. Ele mantém daí a prática de conceder títulos a burgueses ricos e aos funcionários da nobreza de toga, o que irritava os aristocratas antigos e os levava a tentar defender-se da excessiva ampliação do seu status especial. [...]


A figura do rei na História dos Homens sempre foi de grande relevância. Outrora ele era tido como o “escolhido de Deus” para trazer justiça a Terra, ou era visto como a própria encarnação de Deus. Todos o reverenciavam com grande respeito e o temiam mais que tudo, afinal, o rei era a própria Lei. Entretanto, na França, graças a algumas medidas tomadas por Luís XVI, que convocou a Assembléia dos Notáveis a fim de convencer a nobreza e o clero a também pagarem impostos, o que antes não faziam para preservarem seu Status, fez com que a Figura Real se tornasse a de um Tirano, ou ainda melhor, de um Déspota.
O Povo, usado como “massa de manobra” pelos insatisfeitos aristocratas, acaba protestando contra o rei e em favor da nobreza. Entretanto, o que estes não sabiam é que aquilo seria apenas um passo de uma longa caminhada que acabaria por se tornar a causa de uma Grande Revolução. De acordo com Grespan (2008, p.79):


Quando o monarca se impõe e decreta as reformas, passando por cima da Assembléia dos Notáveis, ocorrem até agitações populares em Paris e nas províncias, favoráveis à causa da nobreza. O Parlamento e a importância da participação da aristocracia na vida política do reino, defendidos por Montesquieu, servem aqui de instrumentos poderosos para configurar a reivindicação aristocrática como luta da nação inteira contra o despotismo [...]


Vale ressaltar que toda esta luta se deu baseada no pensamento filosófico iluminista. É aquilo que Michel Foucault diz sobre a função dos intelectuais na sociedade e sobre a legitimação das ações. O Saber é uma ferramenta indispensável para o exercício do poder, ele“desperta” e produz movimento. Neste caso utilizado pelas classes favorecidas para manutenção de seus direitos.
Mais uma vez o povo é incluído nas discussões, visto que nem mesmo a Assembléia dos Notáveis, isto é, da nobreza, deu conta de resolver o impasse com o Rei. Então, apelou-se para a Assembléia dos Estados Gerais. Até aqui o povo explorado e escravizado é lembrado apenas para proveito das minorias. Entretanto, a História que os “Grandes” escreviam estava prestes a tomar um caminho inesperado. Segundo Grespan (2008, p.80):


[...] A Coroa esperava dela apenas uma solução técnica para o problema fiscal, enquanto a nobreza queria um respaldo no seu embate contra o rei. Havia, porém, em relação à Assembléia dos Notáveis, uma diferença crucial: nos Estados Gerais tomava assento também o “terceiro estado”, ou seja, a ordem dos que não eram nobres nem clérigos. Por qual lado se inclinaria essa ordem?


A participação popular mudaria todo o percurso que aquelas discussões tinham tomado. Maquiavel estava certo, o “favor” do povo era indispensável para a manutenção do poder do Príncipe. Para Maquiavel (2008,p.67):


[...] Quando o povo é inimigo, um Príncipe jamais estará garantido, por serem muitos os que compõem o povo [...] Concluirei, apenas que a um príncipe é necessário ter o povo como amigo, caso contrário não terá salvação nas adversidades.


O Povo tinha naquele momento a chance de gritar em alta voz através de seus representantes eleitos para a Assembléia dos Estados Gerais aquilo que os inquietava. O antigo amor pelo rei foi transformado pelas injustiças cotidianas e pelos discursos dos nobres em descrédito. Logo, ao lado do Rei o povo não deveria estar. Mas não se colocaria ao lado daqueles que por anos os exploraram, isto é, os aristocratas. O povo já estava influenciado pelas idéias luministas e queriam exercer seus direitos naturais. Exigia mudanças profundas na sociedade, como por exemplo o abrandamento dos tributos e até mesmo seu fim. “De qualquer modo, uma coisa começava a ficar clara: “o terceiro estado tinha seus interesses e projetos próprios.” (GRESPAN, 2008, p. 80).
Cada estado na Assembléia tinha o direito a trezentos votos .  Isto sempre deixava o terceiro estado em desvantagem, visto que a nobreza e o clero compartilhavam dos mesmos interesses, unindo-se, derrotavam a minoria. Por isso que o Terceiro Estado ganhou o direito a mais trezentos representantes e a votação foi por cabeça. Ficando , portanto, o primeiro e o segundo estado com trezentos deputados cada e o terceiro com seiscentos. Uma coisa ambas tinham em comum : desejavam ardentemente limitar o poder do rei. 
Conforme diz Grespan( 2008,p.82):


Depois de algumas semanas de embates acalorados inteiramente dedicados a essa questão, vence a maioria, e a partir de 24 de junho as três ordens se unem numa só assembléia, que logo depois se declara “ constituinte”. Tratava-se realmente de discutir profundamente a estrutura social e política da França, dotando-a de uma Constituição que limitasse o poder absolutista do monarca.


A Revolução Francesa é por esse e por tantos outros exemplos um lembrete de que o povo deve ser temido. Os idéias iluministas penetraram tão profundamente na cabeça daquela gente, que a principio serviria apenas como massa de manobra, e tornou-a capaz de reivindicar seu lugar na França. Deu-lhes tamanha coragem que a coroa real caiu juntamente com a cabeça guilhotinada do rei.
O poder ali se manifestou em forma de luta, de guerra propriamente dita. Visto que assim como disse Maquiavel, nem o povo deseja ser oprimido, nem os poderosos desejam perder seu poder. Segundo Maquiavel (2008, p.65-66)


Porque em toda cidade se encontram essas duas tendências diversas e isso decorre do fato de que o povo não quer ser mandado nem oprimido pelos poderosos e os poderosos desejam governar e oprimir o povo. E desses dois anseios diversos surgem nas cidades um dos três efeitos: principado ou liberdade ou desordem. O principado é constituído pelo povo ou pelos grandes, conforme uma ou outra dessas partes tenha oportunidade, porque os grandes, vendo que não podem resistir ao povo, começam a emprestar prestígio a um dentre eles e o fazem príncipe para poderem, sob sua sombra, dar vazão a seu apetite, o povo também, vendo que não pode resistir aos poderosos volta sua estima a um cidadão o faz príncipe para ser defendido com sua autoridade


Para Grespan, os Marginalizados da História já não suportavam tamanho jugo sobre seus pescoços. Os Camponeses, as mulheres, os esquecidos do grande público aproveitaram o momento de insatisfação da nobreza com o rei e uniram-se na luta contra a tirania. É bem verdade que sem a iniciativa dos nobres , talvez nada tivesse  acontecido. Sem a fundamentação teórica dos filósofos iluministas e sem o exemplo da Independência Americana, provavelmente não haveria o que hoje se conhece como Revolução Francesa. Como o próprio Grespan diz (2008,p.83):


Mas a Revolução se determinava nessa esfera da Assembléia Constituinte, não menos importante era a mobilização popular, que constituía a esfera da ação revolucionária direta. Desde alguns anos explodiam insurreições camponesas em várias regiões da França. Também as classes baixas urbanas – chamadas “ Sans-culotte”- se revoltaram em inúmeras cidades  , com especial gravidade em Paris. Esses grupos sociais tinham grande expectativa de que os Estados Gerais e depois a Assembléia Constituinte conseguissem realizar reformas efetivas para melhorar sua condição de vida, e estavam dispostos a lutar para apoiar as decisões destas instituições contra os setores conservadores do antigo regime


Em outras palavras, a participação popular foi decisiva para a queda do antigo regime. Ainda que a principio o povo estivesse sendo manipulado pela nobreza, pode-se dizer que houve um verdadeiro despertar por parte das gentes, que culminou com sua “grande vitória.”
A Revolução Francesa é por isso mesmo exaltada pelo Marxista Eric Hobsbown que põe o povo como soberano. Segundo Hobsbown (1996, p.77-78):


Entretanto, oficialmente esse regime expressaria não apenas seus interesses de classe, mas a vontade geral do “povo”, que era por sua vez ( uma significativa identificação) “ a nação francesa”. O rei não era mais Luís, pela Graça de Deus, Rei da França e Navarra, mas Luís, pela Graça de Deus e do Direito Constitucional do Estado, Rei dos franceses. “ A fonte de todo a soberania”, dizia a Declaração, “reside essencialmente na nação” E a nação, conforme disse o Abade Sieyès, não reconhecia na terra qualquer direito acima do seu próprio e não aceitava qualquer lei ou autoridade que não a sua- nem a da humanidade como um todo, nem a de outras nações. Sem dúvida, a nação francesa com suas subsequentes imitadoras , não concebeu inicialmente que seus interesses pudessem se chocar com os de outros povos, mas, pelo contrário, via a si mesma como inauguradora ou participante de um movimento de libertação geral dos povos contra a tirania . [...]


                    Hobsbown só poderia mesmo exaltar a Revolução Francesa, pois ela é a iniciadora do combate das minorias militantes que segundo ele mesmo  estas seriam,” as forças poderosas, os trabalhadores pobres das cidades [...] o campesinato revolucionário.” (ROBSBOWN, 1996, )
Antes de ser Guilhotinado, o rei já havia perdido todo o seu prestígio, era por assim dizer, um estranho em meio a todo aquele movimento revolucionário. O rei e sua existência era o maior incômodo dos mais revoltosos. Sua figura aludia a tirania e ao despotismo, por isso deveria ser exterminada. Aliás, o que torna esta revolta popular tão particular é que o povo luta enraivecida mente não só contra o poder opressor, mas contra os símbolos deste poder.
A queda da Bastilha, por exemplo , representa esse ódio que as massas sentem do poder absolutista. Segundo Grespan (2008,p.83-84) :


Foi em tal contexto que aconteceu a queda da Bastilha, em 14 de Julho de 1789, evento considerado o marco inaugural da própria Revolução. Embora a Bastilha, velha fortaleza que perdera sua função militar, não fosse mais importante sequer como prisão, ela ainda tinha um valor simbólico como baluarte do absolutismo. Sua tomada pelo povo enfurecido teve imenso impacto e influenciou movimentos semelhantes também nas províncias, onde prefeitos e câmaras municipais foram alvo de ataque nas semanas seguintes, sendo substituídos por pessoas de confiança do terceiro estado. [...]


Quando as massas tiveram a oportunidade de expor sua raiva por todo o sofrimento que suportaram, o resultado foi um terror nunca antes visto. De fato, o escritor florentino, pai da política moderna, estava dando excelentes conselhos ao Príncipe. Parafraseando: “ É melhor ter o povo como amigo do que como inimigo” (Maquiavel,  2008 , p.67)
O que dizer então acerca do que Foucault disse sobre as prisões? A Bastilha foi aos olhos daquela gente o símbolo maior do poder tirânico do rei. Logo, tornou-se o primeiro alvo da ira popular: De acordo com Foucault (2006,p.73):


O que é fascinante nas prisões é que nelas o poder não se esconde, não se mascara cinicamente, se mostra como tirania levada aos mais ínfimos detalhes, e ao mesmo tempo, é puro, é inteiramente "justificado", visto que pode inteiramente se formular no interior de uma moral que serve de adorno a seu exercício: sua tirania brutal aparece então como dominação serena do bem sobre o mal, da ordem sobre a desordem.


A Bastilha ,como diz Grespan,  foi o primeiro de muitos outros símbolos do poder  real a ser  atacado. O próprio Palácio de Versalhes, símbolo do luxo e da riqueza da Coroa francesa, é atacado no dia cinco de outubro de 1789 por mulheres do povo que reclamavam pela falta de pão. As pessoas estavam insatisfeitas com as poucas mudanças ocorridas na estrutura social, ainda que suas ações estivessem carregadas de violência. As massas queriam mesmo profundas modificações em seu seio e não apenas restauração dos direitos naturais. O que acaba culminando em outro ataque feroz . Assim narra Grespan( 2008,p .90):


Quando as desconfianças aumentaram, conjugando-se á decepção com o governo dos moderados, a população de Paris explodiu de ódio ao rei e á nobreza : no dia dez de Agosto de 1792, ela ataca e toma o Palácio Real de Tulheiras, destituindo e aprisionando Luís XVI. É o fim da Monarquia e a instituição da República.


E por fim, para demonstrar a soberania popular, o Rei é Guilhotinado em 21 de Janeiro de 1793. Como já foi dito, sua existência representava o poder absoluto que não cabia mais naquele contexto revolucionário. As massas não aceitavam ninguém que enfraquecesse sua ação. Até mesmo aqueles que lutaram no início por sua ascensão e que acabaram tomando o poder para si, como é o caso de Robespierre, foram guilhotinados e excluídos de suas funções.
Pode-se dizer que o poder que estava nas mãos do Rei francês ameaçou a nobreza e o clero, que por sua vez, apropriou-se do povo para reivindicar seus direitos e diminuir os poderes absolutistas. Todavia, inspirados pelos ideais iluministas e movidos por seu contexto histórico, o povo através da força lutou contra seus opressores, destruindo seus principais símbolos .
Na verdade, o que os Marginais da História buscavam era seu lugar numa sociedade que deveria ser igualitária. Não se conformavam com as antigas estruturas, antes desejavam grandemente modificações mais radicais. Exterminaram todos aqueles que de algum modo se opunham a esse projeto, ou seja, os mais conservadores. E aprenderam através da luta e do combate que o poder não pertence a homem algum, ou a uma instituição, mas percorre todos os lugares, atravessa todas as estruturas e instâncias.
A Revolução francesa pode ser a resposta do porque o europeu possui um espírito tão combativo e protestante. De sair até hoje as ruas para reivindicar e lutar por melhores condições de vida. Ainda que for preciso se opor ao poder e seus símbolos, sejam máquinas, fábricas, prisões ou Palácios.
Para entender o Poder é necessário que se veja ele sob diversos ângulos. Uns o vêem como algo que o homem pode possuir; Outros defendem que ele está em todos os lugares. Alguns argumentam que a tirania é a representação maior do Poder; Outros dizem que a sujeição dos corpos, isto é, a disciplinalização dos mesmos , é a forma mais eficiente do poder.
Nesta obra usou-se autores como Eric Hobsbown, Michelle Perrot, Nicolau Maquiavel, Michel Foucault e outros que de forma direta ou indireta abordaram a temática do poder que instigou e continua instigando homens e mulheres do mundo inteiro, pois afinal de contas, todos estão de alguma maneira submetidos  ou exercendo  alguma espécie de poder.
A Revolução Francesa serviu , por assim dizer, como um emblema do diálogo proposto neste trabalho. O Príncipe de Maquiavel e a Microfísica do Poder são apenas o alicerce para um debate muito mais aprofundado e que requer bastante cuidado. Todavia, servem como obras introdutórias, que apresentam de maneira clara e direta o fascínio que o poder exerce sobre os Homens.

 Frankcimarks Oliveira
Historiador pelas Faculdades Integradas de Patos